Folha 8

BOCAGE (1765-1805)

- POR GIL GONÇALVES

Liberdade, onde estás? Quem te demora? Quem faz que o teu influxo em nós não caia? Porque (triste de mim!), porque não raia Já na esfera de Lísia a tua aurora? Da santa redenção é vinda a hora A esta parte do mundo, que desmaia: Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia Despotismo feroz, que nos devora! Eia! Acode ao mortal, que frio e mudo Oculta o pátrio amor, torce a vontade, E em fingir, por temor, empenha estudo: Movam nossos grilhões tua piedade; Nosso númen tu és, e glória, e tudo, Mãe do génio e prazer, ó Liberdade! Vou pintar os dissabores Que sofre meu coração, Desde que lei rigorosa Me pôs em dura prisão. A dez de Agosto, esse dia, Dia fatal para mim, Teve princípio o meu pranto, O meu sossego deu fim. Do funesto Limoeiro já toco Os tristes degraus, Por onde sobem e descem Igualmente os bons e os maus. Correm-se das rijas portas Os ferrolhos estridente­s; Feroz condutor me enterra No sepulcro dos viventes. Para a casa dos assentos Caminho com pés forçados; Ali meu nome se ajunta A mil nomes desgraçado­s. Para o volume odioso Lançando os olhos a medo, Vejo pôr – Manuel Maria. E logo à margem – Segredo. Eis que sou examinado Da cabeça até aos pés, E vinte dedos me apalpam. Quando de mais eram dez. Tiram-me chapéus, gravata, Fivelas, e desta sorte. Por um guarda sou levado Ao domicílio da morte. Estufa de treze palmos Co’uma fresta, que dizia Para o lugar ascoroso Denominado enxovia. Fecham-me, fico assombrado Na medonha solidão, E, sem cama a que me encoste, Descanso os membros no chão.

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