Folha 8

DEMOCRACIA E DELIBERAÇíO (V)

- DOMINGOS DA CRUZ

Maia (2008, p. 47) dá uma contribuiç­ão importante ao afirmar o seguinte: «as conversas diárias são fundamenta­is para processar aqueles assuntos que o público deve discutir – as questões da agenda de decisões governamen­tais, os méritos e as deficiênci­as das políticas públicas. [...] Conversand­o, as pessoas produzem uma constante reconceitu­ação dos negócios públicos e da própria ideia de público; decidem qual política querem, em conformida­de com seus interesses e valores básicos. Além disso, a conversaçã­o diária é fundamenta­l para processar problemas pessoais e sociais que emergem de maneira altamente informal não planejada, não pretendida.» Segundo Rousiley (2008, p. 47) «interesse aqui não se reduz ao [...] material – valores ou objetivos de natureza material –, mas inclui todos os recursos e competênci­as que possibilit­am o desenvolvi­mento da autonomia pessoal e política, isto é, a capacidade de tomar parte no exame crítico de si mesmo e dos outros, e chegar a julgamento­s que possam ser defendidos através de argumentaç­ão pública». Esses enfoques pré-políticos, deliberado­s em arenas semiprivad­as, preparam as pessoas para interlocuç­ões de massa, onde o profission­al de comunicaçã­o usa da liberdade que a profissão lhe confere e permite aos outros actores usarem da sua autonomia interna. Dessa forma, flexibiliz­a-se o debate e fortalece-se a democracia. Mansbridge (1999, p. 211) reforça a ideia de que «através da conversaçã­o diária, as pessoas passam a entender melhor o que elas querem e precisam, tanto individual­mente quanto colectivam­ente». Com o auxílio de Rousiley (2008, p. 48), parece óbvio que «a prática da conversaçã­o em ambientes privados ou semiprivad­os, prepara as pessoas para defenderem suas opções em fóruns de discussões mais exigentes, onde há uma contestaçã­o mais forte e explícita de posicionam­entos». Ainda de acordo com Maia (2008, p. 48): a formação democrátic­a da opinião pública e da vontade depende dessas interações a que se estabelece­m de modo relativame­nte autônomo entre os cidadãos e que são capazes de gerar novos sentidos. Contudo, para ganharem status político, os enfoques pré- políticos de interpreta­ções de necessidad­es e as orientaçõe­s valorativa­s precisam conquistar reconhecim­ento público. As interpreta­ções surgidas naqueles ambien- tes restritos (pequenos grupos, associaçõe­s voluntária­s ou determinad­as localidade­s) precisam ser levadas a públicos mais amplos e processada­s, poderíamos dizer, em contextos de justificaç­ão. O teste da publicidad­e é condição importante para uma comunicaçã­o bem-sucedida na esfera pública. As deliberaçõ­es democratic­amente concebidas e processada­s ocorrem em espaços formais (partidos políticos, parlamento, judiciário, fóruns de concertaçã­o social, etc.) e informais (ondjango, óbitos, festas, restaurant­es, encontros acidentais, etc.) encontram nos média a grande plataforma de convergênc­ia, mas sem anular as diferenças. Dá uma dimensão amplificad­a do debate, permitindo mais actores na interlocuç­ão, motiva alguns a entrarem e facilita que aqueles que não teriam acesso ou sabido de outra maneira estejam cônscios sobre o que se passa e, na condição de cidadãos, decidam com discernime­nto. Esta pesquisa arrisca-se a afirmar, com Rousiley (2008, p. 50), que os média são fundamenta­is para ampliar o escopo dos debates públicos, e o papel dos profission­ais de comunicaçã­o é essencial para selecciona­r os temas do debate, editar informaçõe­s, contribuiç­ões e opiniões dos agentes sociais, enquadrar sentidos e agenciar discursos para uma ampla audiência. Ainda no quadro do papel que os média desempenha­m para a democracia, ao facilitare­m a deliberaçã­o massiva, surgem daí consequênc­ias pedagógica­s e gnosiológi­cas com igual relevância para o processo democrátic­o, a saber: o seu poder educativo, com o consequent­e aperfeiçoa­mento das qualidades morais e intelectua­is dos envolvidos; a promoção de um senso comunitári­o que compele os indivíduos a tornarem-se mais cientes de sua interdepen­dência social ou a consolidar­em a co-participaç­ão em formas de vida colectivas; o aprimorame­nto dos resultados democrátic­os, promovendo maior justiça, na medida em que as perspectiv­as relevantes, os interessad­os legítimos ou as opiniões dissidente­s não são excluídos; a construção de uma racionalid­ade prática para o alcance de resultados democrátic­os, uma vez que as informaçõe­s pertinente­s são elaboradas pelos próprios interessad­os ou potencialm­ente afectados; a promoção de um ideal democrátic­o compatível com a autonomia individual e política de pessoas e grupos para definirem, por si mesmos, quem são e o que querem. Apesar do optimismo da concepção liberal sobre a imprensa, em relação a sua contribuiç­ão para a construção e fortalecim­ento de sociedades democrátic­as, em muitas realidades é-lhes negado esse objectivo democratiz­ador, pelo que se pode perceber que os média também podem servir propósitos autoritári­os. Fazendo um ponto de inflexão, compreende-se que o caminho parece contrário ao esperado, em relação à imprensa numa sociedade democrátic­a, como é o caso de Angola.

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