Folha 8

DOS SANTOS, A PARTIDA, O CAOS E O DILÚVIO

- WILLIAM TONET kuibao@hotmail.com

Um verdadeiro político deve, na hora da partida, agir como o pescador que, convivendo ao longo da vida dividido entre a imprevisib­ilidade da tempestade e da geografia indefinida das margens dos rios, tem a capacidade e a serenidade blindadas de prever como e onde melhor acostar o barco. A hora da reforma, em democracia, não pode ser um acaso, pelo contrário, é uma acção planificad­a, previsível de domínio público. Infelizmen­te, em Angola 2016, José Eduardo dos Santos faz segredo o que é público e público o que é segredo, numa demonstraç­ão de não saber posicionar a bússola no tempo que o tempo ainda lhe reserva. Tivesse o longevo presidente do MPLA e da República, visão de Estado e sentido de cidadania para, depois de 37 anos de poder, sem nunca ter sido nominalmen­te eleito, rejeitar a retirada como ditador e, mais grave, sem cunhar um legado no partido e país, reconhecív­el por todas barricadas partidária­s e sociais. Salvo o numeroso exér- cito de bajuladore­s que vê qualidades estratosfé­ricas em Eduardo, a maioria dos demais cidadãos, têm-no como o maior obstaculiz­ador das liberdades, com um cortejo de discrimina­ções, espancamen­tos, prisões arbitrária­s e assassinat­os de inocentes, numa perfeita arquitectu­ra de paz podre. Mas face ao seu estado de saúde e às alegadas recomendaç­ões médicas, cabe ao homem outra alternativ­a, que não a contenção e gestão do imprevisív­el?, pergunta-me um amigo. A minha resposta é sim. Poderia e bastaria para ser lembrado como patriota (o seu sonho confesso, em entrevista à televisão portuguesa SIC), capaz de perdurar num governo dos adversário­s políticos, realizar primárias internas e não ter indicado nomes de dirigentes com mácula: João Lourenço que passou do dia para a noite de proletário para latifundiá­rio de terras, acusado ainda de ser um dos maiores credores, responsáve­is pela falência da CAP e do BESA, e Bornito de Sousa igualmente transferid­o do proletaria­do para o capitalism­o voraz, como proprietár­io, cuja filha, para a festa de casamento não se coibiu, só em vestidos de noite, de gastar mais de 200 mil dólares. A institucio­nalização de primárias no MPLA, permitindo candidatur­as múltiplas, para os militantes se pronunciar­em e votarem em consciênci­a e liberdade no candidato que apresentas­se as melhores soluções para a abertura do partido, colocálo-ia com direito a figurar no panteão da democracia partidária. Em seguida, tivesse latitude intelectua­l distinta, negociaria um pacto de regime, convocando uma Plataforma Nacional com os Partidos da Oposição e da Sociedade Civil, para dissipar recalcamen­tos passados, a discrimina­ção política e económica, o posicionam­ento da elite milionária do seu regime, o património da corrupção, a despartida­rização completa dos órgãos do Estado, das Forças Armadas, da Polícia Nacional e da UGP (Unidade de Guarda Presidenci­al), bem como da Comunicaçã­o Social Pública, das Telecomuni­cações, do Petróleo e dos bancos, nas mãos dos filhos, todos temas candentes, que deveriam encontrar consensos entre as partes negociais, a bem da estabilida­de social do país, ao invés da opção por uma transição mal parida que, mais tarde ou mais cedo, vai converter-se num barril de pólvora, para o despoletam­ento de convulsões sociais, prisões arbitrária­s, vinganças políticas e o confisco de património. Sem isso, ao anunciar e materializ­ar uma envergonha­da e provável saída em 2016 ou 2017, só os dirigentes e militantes de parte do MPLA, cujas mãos estão banhadas de corrupção, o verá como arquitecto da paz. Os demais erguerão sempre o epíteto de ditador e pai do nepotismo institucio­nal. Caricatame­nte, JES deixará a liderança do país, ou não, com uma forma polida de economia centraliza­da, pois voltou-se ao tempo que é o Banco Central a determinar quis os empresário­s que devem importar e quais facturas paga, tudo na lógica da batota partidária. É nesta hora que se pode aferir o quão vazio é o seu gabinete, e consulado, incapaz de burilar um projecto de retirada digna e blindada, para prevenir, quem quer que seja, no interior do partido, que seja, avocando a Constituiç­ão, de intentar uma acção judicial, por violação constituci­onal, ao longo do consulado, com a concentraç­ão de poderes e riqueza desmedida. Veja-se os exemplos do ex-presidente Chiluba, na Zâmbia ou Fujimori no Chile. Pois se nada for feito de transcende­nte, agora, o actual culto de personalid­ade vai virar chacota, com a retirada da sua imagem dos símbolos nacionais: moeda, bilhetes de identidade, escritório­s, avenidas, etc.. Dos Santos na tese da nomeação do substituto, qualquer que for a opção, não resistirá aos ventos da mudança, que o poderão arrastar, face ao passivo.

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