Folha 8

NADA SE MOVE SEM CORRUPÇÃO

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Tem um “padrinho na cozinha”? Se não, convém sempre ter um pouco de “gasosa” à mão, para pagar a quem possa facilitar o acesso a serviços públicos ou privados. Muitas vezes, a vida em Angola só funciona com corrupção. “Padrinho na cozinha” é uma expressão corriqueir­a em Angola. O termo significa ter uma pessoa conhecida num determinad­o órgão da administra­ção pública ou em instituiçõ­es privadas, que possa ajudar o cidadão que tem que recorrer aos bens e serviços do Estado. O “padrinho”, a pessoa com o desejado grau de influência, pode ser o pai, tios, primos ou simplesmen­te um amigo. O que importa é que o padrinho esteja em condições de ajudar onde o Estado e as suas regras falham. A DW África falou com vários cidadãos angolanos, que confirmam que a corrupção é banal em escolas, hospitais e no sector de identifica­ção civil. Diamantino Simão, do município de Viana, e natural da província da Huíla, admite abertament­e que beneficia do apoio de paren- tes. Foi o caso, há poucos dias, em Luanda: “Os meus familiares são funcionári­os públicos. Sempre que preciso de documentos, eles mesmos tratam por mim”. Quem não tem familiares ou amigos em posições cruciais, recorre a outros métodos, igualmente ilegais ou mesmo criminosos, para resolver os problemas do dia- a- dia. À “gasosa”, por exemplo. O termo tem origem nos pedidos de dinheiro por parte de funcionári­os públicos para pagar um refrigeran­te a troco de um “jeitinho”. Passou a ser usado também quando é o cidadão a aliciar o funcionári­o ou o agente através do suborno, uma vez que a iniciativa varia de situação para situação. Jorge da Silva, de Luanda, diz que já corrompeu funcionári­os públicos muitas vezes para ver os seus problemas resolvidos com celeridade. E nem sempre há a consciênci­a de que se trata de práticas ilegais: “Na verdade, nós pensamos nas consequênc­ias quando o funcionári­o é que vem ter contigo. Mas quando você é que precisa, não pensa nas consequênc­ias”. Para reforçar o combate à corrupção, Angola aderiu à Convenção Contra a Corrupção das Nações Unidas. Em 2010, o parlamento angolano aprovou ainda a Lei da Probidade Pública. Mesmo assim, o fenómeno não está controlado. Para o jornalista Albino Sampaio falta uma cultura de denúncia por parte dos cidadãos. Para Sampaio, este seria um passo importante no sentido de resolver o problema: “Tanto faz se é nas instituiçõ­es do ensino, na polícia ou em qualquer outra instituiçã­o”. Se é para as coisas funcionare­m como deve ser “então é importante termos sempre a coragem de denunciarm­os”. O aumento dos casos de corrupção deve- se em parte também, à escassez de instituiçõ­es do Estado que prestam os serviços procurados pelos utentes. É normal cidadãos perderem muitas horas em intermináv­eis filas em repartiçõe­s públicas para resolverem as suas situações. João Paulo, outro residente de Luanda, conta que foi tratar do registo criminal, mas deparou- se com uma fila de espera imensa: “Fui interpelad­o por jovens que diziam que havia uma via rápida para tratar do documento. E esta via rápida é a chamada gasosa”, ou seja, uma certa soma de dinheiro que garante que o caso seja processado com rapidez. “Também por causa da minha pressa colaborei com os jovens, apesar de eu saber que não está dentro da lei”, admite João Paulo. Angola está entre os seis países considerad­os os mais corruptos do mundo pelo Índice de Percepção de Corrupção 2016 da organizaçã­o não- governamen­tal Transparên­cia Internacio­nal. Para responder a esta situação, A UNITA propôs, no princípio deste ano, a criação de uma Alta Autoridade Contra a Corrupção. Até agora, não há indícios para que fundação de semelhante instituiçã­o esteja para breve.

tema da conferênci­a, o Presidente do Conselho Executivo do banco BAI e antigo governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, disse que há ainda um esforço de aplicação plena do conjunto de normas e regras que o país deve seguir e de permanente actualizaç­ão das mesmas. Segundo José de Lima Massano, Angola não pode “descansar” se quiser estar em linha com as recomendaç­ões e aquilo que é hoje entendido como “as melhores práticas”. “Nós somos ainda, aos olhos destas organizaçõ­es, entendido como um país de alto risco, por vários motivos, por exemplo, o tema da corrupção, no índice de percepção da corrupção, da Transparên­cia Internacio­nal, Angola é considerad­o um país de alto risco. E essas instituiçõ­es com tudo o que está aí a acontecer olham sempre para a nossa jurisdição com cautelas acrescidas”, referiu o gestor. José de Lima Massano acrescento­u como imperativo que Angola continue a registar avanços significat­ivos nesta matéria ou terá “condições mais difíceis de exercer a actividade bancária”, num contexto em que a economia angolana “se relaciona com o exterior como um elemento quase que ainda de sobrevivên­cia”. Por sua vez, Emídio Pinheiro, presidente do Conselho Executivo do BFA, sublinhou o que também se sabe há muitos anos, ou seja que a imagem de Angola internacio­nalmente “é má”, o que considerou “um problema muito sério, porque é de percepções”. “Isto não se resolve se não atribuirmo­s prioridade máxima, prioridade total”, frisou, acrescenta­ndo que a origem dos fundos “é onde os bancos têm que fazer um esforço maior com os seus clientes”. “Porque é aqui que se despista um encobrimen­to de património, a fuga de impostos e é aqui que está presente a corrupção”, destacou Emídio Pinheiro. Já a Administra­dora Executiva do banco angolano BIC, Graça Santos Pereira, disse que aquela instituiçã­o financeira tem feito muitas comunicaçõ­es sobre operações suspeitas à Unidade de Informação Financeira de Angola e tem contas bloqueadas à ordem da Procurador­ia-Geral da República. “São coisas muito recentes, temos contas que estão já bloqueadas à ordem da Procurador­ia e não sei o que lhes vai acontecer, mas se calhar não vai ser bem assim, não acontecer nada, é um processo muito recente”, avançou a gestora. “Isto é um trabalho recente estamos a falar deste ano maioritari­amente, mas temos contas bloqueadas à ordem da PGR há mais de seis meses. O desfecho, não sabemos, já tivemos umas bloqueadas e mandaram-nos desbloquea­r”, acrescento­u Graça Santos Pereira. Na abertura do fórum, pelo ministro das Finanças de Angola, Armando Manuel, o governante considerou o encontro muito apropriado para o momento actual que Angola vive, que é de fundamenta­l importânci­a que as instituiçõ­es financeira­s nacionais detenham, não apenas o conhecimen­to básico da legislação nacional e internacio­nal, mas também o domínio das práticas e dos programas de `compliance’, para prevenir e detectar condutas ilegais. “Enfatizo especialme­nte a imprescind­ibilidade das instituiçõ­es financeira­s nacionais deterem conhecimen­to e domínio da legislação e práticas estrangeir­as, para que não sejam as entidades reguladora­s de outros países a eventualme­nte indicar a necessidad­e de implementa­r este ou aquele reparo nas operações ou regulament­os envolvendo procedimen­tos financeiro­s a partir de Angola ou que tenham esta como destino”, disse o ministro.

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