ELE, PAI, FILHOS E COMPANHIA GOZEM COM O POVO
José Eduardo dos Santos, o presidente nunca nominalmente eleito e no poder há 37 anos, desejou no passado dia 19 que os actores políticos, que exercem funções delegadas num país que não é uma democracia nem um Estado de Direito, “façam prova de grande maturidade e responsabilidade” nas eleições gerais previstas para Agosto de 2017. Na sua qualidade de majestade plenipotenciária do reino, José Eduardo dos Santos, recebeu cumprimentos de fim de ano de um vasto exército de bajuladores, começando nos membros do seu Governo, da justiça, deputados, entidades da sociedade civil e corpo eclesiástico, num acto que que se assemelha a uma manifestação canina de acólitos. Angola vai realizar, ao que parece, eleições gerais em 2017 e, segundo o Presidente da República (igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), todos os passos necessários estão a ser dados pelas instituições competentes para o efeito. Isto é, todas as instituições controladas pelo seu poder. O chefe de Estado desejou que as eleições decorram “num espírito de tolerância política e de respeito pelas instituições de cada um”. Fica sempre bem dizer estas coisas. Os adversários políticos sentem-se valorizados embora saibam que, como nas eleições anteriores, vão ser esmagados pela máquina de um partido que está no poder há 41 anos e que, desde sempre, tem os seus tentáculos a controlar tudo e todos. Para os políticos, José Eduardo dos Santos pediu uma “prova de grande maturidade e responsabilidade ao abordarem os assuntos de interesse nacional” e que “definam os projectos sobre o futuro da nação”. Como se sabe, na tese do Presidente o MPLA é Angola e Angola é o MPLA. E assim sendo, não há como alterar esta realidade. Nem mesmo pelo voto. É que, para além de a máquina eleitoral saber já com que margem o MPLA vai ganhar, também consegue – como nos diz o passado recente – que em alguns círculos eleitorais apareçam mais votos do que votantes e, se for necessário, até conseguem que os mortos votem… no MPLA. Num olhar sobre os conflitos que se registam em várias partes do mundo, nas vestes de estadista que nunca conseguiu ser, Eduardo dos Santos regozijou-se com o facto de Angola apresentar um quadro “estável e pacífico” desde o fim da guerra civil em 2012, com “as suas principais instituições democráticas a funcionarem normalmente”. Mais uma vez o presidente não resistiu a dar largas à sua veia anedótica, juntando-lhe a sua atávica tentação para nos passar um atestado de menoridade intelectual e de matumbez. É que falar de “instituições democráticas” em Angola é como dizer que os rios nascem na foz. “Mantemos por isso a nossa confiança na capacidade dos angolanos de vencer todo o tipo de adversidade e de se empenhar para proporcionar a todos maior bem-estar”, disse o dono do país há 37 anos, salientando que o país tem muitos recursos naturais por explorar. E tem. Também tem lugar destacado no ranking dos países mais corruptos do mundo, ocupando mesmo o primeiro lugar a nível da mortalidade infantil. “E isso consegue-se com trabalho, disciplina, conhecimento e habilidade para fazer boas coisas. Devemos aplicar o princípio de que a união faz a força, vamos assim juntos promover a cultura do mérito, para produzir com melhores resultados, de modo a aumentarmos e a distribuirmos com maior justiça a riqueza nacional”, afirmou José Eduardo dos Santos. Pena foi que não tivesse dado dois exemplos paradigmáticos dessa “cultura do mérito”: Isabel dos Santos e José Filomeno de Sousa dos Santos… O Presidente disse também que 2016 voltou a ser difícil para os angolanos, no domínio económico e financeiro, mas considerou que a crise fez despertar “maior consciência para o trabalho” e “controlo racional dos gastos”. Tem razão. Todos sabemos como os 20 milhões de pobres conseguem, com rara mestria, fazer o “controlo racional dos gastos”, a ponto de continuarem a apreender a viver sem comer.