Folha 8

TARANTINO TROPICAL

- EDUARDO AGUALUSA

Escrevo esta crónica numa manhã convulsa em Moçambique: Valentina Guebuza, a mulher mais rica e poderosa do país, filha do antigo presidente da república, Armando Gebuza, foi assassinad­a com quatro tiros, disparados pelo próprio marido, Zófimo Muiuane. Neste momento ainda não é possível saber ao certo o que aconteceu. A Rádio Mujimbo propaga enredos de uma violência barroca, capazes de envergonha­r Q entin Tarantino. Ao certo, sabe-se que Valentina morreu e Zófimo está preso. Também se sabe que Zófimo tinha antecedent­es de violência doméstica. Valentina, de 36 anos, era frequentem­ente referida como uma espécie de Isabel dos Santos moçambican­a — dependendo do autor da afirmação, a comparação tanto podia ser entendida como um elogio ou um ultraje. Em todo o caso, ninguém parece ter muitas dúvidas de que o sucesso da infeliz empresária se deveu, em larga medida, à imensa influência do progenitor. Valentina e Zófimo casaramse a 26 de Julho de 2014, numa cerimónia ostentosa, que contou com a participaç­ão de muitas centenas de convidados, de entre os quais sobressaía, curiosamen­te, a própria Isabel dos Santos. Mesmo não se conhecendo ainda pormenores do drama, acredito que este irá relançar a discussão em torno da violência doméstica. A primeira conclusão é que nos nossos países — e suspeito que em todo o mundo — a violência exercida por maridos contra as respectiva­s esposas é um mal que aflige todas as classes sociais. Sujeitos ricos e poderosos, que estudaram nas melhores universida­des do mundo, e se vêem a si mesmos como pessoas sofisticad­as e cultas, espancam e humilham regularmen­te as suas mulheres. As universida­des podem formar bons técnicos, mas são raras as que se preocupam em formar homens bons —e o conseguem. Entre uma besta rica e uma besta po- bre, a rica é quase sempre mais estúpida, porque à bestialida­de tende a somar-se a arrogância do dinheiro e do poder. A verdadeira educação adquire-se em casa, com os pais servindo de modelo aos filhos. Isto é particular­mente certo no que diz respeito à educação para a não-violência. O grande desafio, em países como Angola e Moçambique, é como educar os pais. Espero que a morte de Valentina Guebuza possa servir pelo menos para que toda a sociedade moçambican­a, e também a nossa, que tantas semelhança­s tem com a moçambican­a, comece a debater de forma mais séria esta questão. Não é possível continuar a discutir questões ligadas à persistênc­ia de mentalidad­es machistas com um leve sorriso de troça. O machismo mata. Feminismo não é um combate de mulheres. Todo o homem que lute por uma sociedade mais justa e mais saudável é – tem de ser – feminista. Não há outro caminho.

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