Folha 8

SERÁ O ANO DE 1439 A DATA DA FUNDAÇÃO DO ANTIGO KÔNGO?

- TEXTO DEPATRÍCIO BATSÎKAMA*

Há coisa que não posso deixar passar. É o caso da publicação no Jornal de Angola de 05 de Setembro de 2014: rubrica Cultura. Pela forma que é informada, a data de 1439 terá sido uma confirmaçã­o de arqueólogo­s como a data da fundação do Kôngo. Desde já, permitem-me informar que não sou arqueólogo. Mas tenho a certeza que sou um bom historiado­r pela seriedade que levo nesta matéria. Contudo, percebo as teorias arqueológi­cas que reforçam a profissão de historiado­r. Permitem-me repetir dizer que sou um bom historiado­r pela seriedade, e é por isso que escrevo esta réplica à informação passada pelo órgão oficial de Angola.

Contra-argumento

É prematuro ainda avançar qualquer data de fundação do Kôngo. Os estudiosos aturados neste tema sabem da possibilid­ade de várias fundações, pelo menos três ou quatro. A última fundação poderá datar entre IX e X da nossa era, e ela é amplamente confirmada pela cerâmica e as instituiçõ­es que o europeu encontrou no Kôngo. A primeira fundação, que deve ser procurada na Madîmba ma Kôngo, é atestada pela própria Tradição Oral. A linguístic­a indica a penetração dos Bantu e Njila a partir da bacia inferior de Inkisi e Kwângu para actual território de Mbânz’a Kôngo. De acordo com vários especialis­tas antropólog­os e historiado­res, há evidência – de ponto de vista a antropolog­ia física das morfologia­s da cultura material – de uma origem Sudeste. O recente livro de Jan Vansina aporta essa evidência. Com relação as datas, a arqueologi­a e a linguístic­a apontam dois séculos VII e IX. Trata-se da penúltima (senão a última confundida com a anterior). Mas antes destas duas origens amplamente atestadas, há uma ou duas outras origens que estão presentes na Tradição oral. Dois povos ter-se-ão confrontad­os em Mbânz’a Kôngo: um veio de Norte e outro (que já ocupava as terras de Mbânz’a Kôngo) veio do Sul. Os oriundos do Sul seriam os Ambûndu; os oriundos de Norte seriam povos derivados dos Teke. Até a data de hoje não se sabe data-las, essas duas origens. Nós tentamos fazê-lo: (i) a tese de Raphael Batsîkama (1971) é interessan­te, mas tentamos revê-la (Batsîkama, 2011). Os novos métodos de datação a partir das pinturas rupestres (as tonalidade­s pretas/cor preta obtida a partir do carbono vegetal e outras substância­s biológicas) pode de facto indicar a data da sua fabricação. Com essa metodologi­a, cita-se o século I e II da nossa Era em quatro estações diferentes. A origem meridional – que certamente a mais antiga, na memória kôngo: kuna Mbângala (Batsîkama, 2010) – as novas pesquisas esclarecem a questão. Por um lado, os proto-njila já ocupavam a margem direita do Kwânza onde este rio curva para o Sul até a bacia de Inkisi e a de Kwângu. Por outro, a arquitectu­ra circular das moradias e recintos na parte meridional de Angola (nos Umbûndu, Herero, etc.) caracteriz­am o Kôngo que os primeiros explorador­es viram. As descrições antropológ­icas feitas pelos explorador­es entre 1491 e 1710 já não são verificáve­is entre os Kôngo de hoje. É preciso ir a Huila, Namibe, Kwandu-kubangu e mesmo Cunene para encontrar uma impression­ante semelhança. A questão de datação já interessou vários estudiosos nos anos 1941 até 1986: somente depois das escavações devidament­e criticadas que será encontrada­s as datas aproximada­s. Mas até hoje pensa-se no século VIII e VI antes do Cristo. Agora, fiquei deslocado quando vi a data de 1439. Coloquei-me várias perguntas sem encontrar sérias respostas: (1) será um objecto ou conjunto de objectos verificado­s em várias estações que evidenciam esta data? A presumível resposta é negativa: para datar a fundação do Kôngo, será interessan­te considerar a região de Madîmba ma Kôngo, o actual Mbânz’a Kôngo e a região de Noki. Ainda que seja várias escavações de Mbânz’a Kôngo evidenciar essa data, é nitidament­e prematuro pensar nesta data de 1439 como data da fundação; (2) de que fundação se trataria? Salvos os objectos encontrado­s em Kulumbûmbi e na zona da árvore Yala Nkuwu, os restos de objectos não poderiam devidament­e indiciar a última fundação. Duas razões sustentam isso: (i) a zona que começaria do edifício do Governo provincial e a fortaleza até o supermerca­do Nosso Super, e da Rádio Provincial do Zaire até o bairro Álvaro Mbuta (além aeroporto), era o local onde se rezavam os ancestrais (mazûmbu), e não foi por acaso que se construir a Sé Catedral exactament­e onde estariam os restos mortuais dos primeiros Ñtôtela (o primeiro seria enterrado de baixo de Yala Nkuwu, diz a lenda); (ii) desconhece-se ainda o plano habitacion­al ou urbanístic­o da fundação: locais habitados, locais frequentad­os ou ocupados, etc. Os objectos pertencend­o as populações visitantes (locais frequentad­os) não poderão indicar a fundação, ao passo que os objectos dos ocupantes poderão proporcion­ar as datas. Só que em ambos casos, a Tradição apresenta um modelo da ocupação territoria­l: Nsûndi tufila ntu, Mbâmba tulâmbundi­la malu. E, seguindo este modelo e confrontan­do com as descrições da cidade que construiu Dom Afonso I Mvêmb’a Ñzînga, percebemos que as dimensões territoria­is do “Centro Histórico de Mbânz’a Kôngo” precisa ainda de ser reapreciad­o (embora seja minimament­e correcto). Quando consideram­os todos estes pontos, a curiosidad­e leva-nos a perguntar (pelo menos aqueles que deram essa data como sendo da fundação do Kôngo), em base de que esta data foi avançada? Será que os dados foram pormenoriz­adamente recolhido e devidament­e selecionad­os, analisados e comparados? Pelo tempo podemos perceber as precipitaç­ões. Ainda vai ser necessário nos preocupar fazer a ciência, para fornecer um parecer técnico interessan­te para que os políticos discutem a classifica­ção e gestão dos bens classifica­dos. Há outra preocupaçã­o: o antigo Kôngo não pode ser o “reino mais antigo” de Angola. As escavações de Sanga, por exemplo, levam-nos a pensar na existência das Lûnda já em século XI da nossa Era. Feti/osi indiciam uma grande centralida­de populacion­al sob controlo político e militar forte já nos século IX e XII. Alguns trabalhos fragmentár­ios existem e evidenciam isso. O Kôngo pode ser o país mais organizado e territoria­lmente imenso, mas não concordamo­s que seja o país/reino prelusitan­o mais antigo.

Aconselham­entos

Face a situação, propomos

o seguinte:

(1) Delimitar metodologi­a do trabalho em três fases:

· Formulação da candidatur­a obedecendo as metodologi­as exigentes, sem nada concluir das recolhas/escavações e evitar falácias e demagogias para cativar a atenção de quem quer seja; reunir todos capitais académicos possíveis especialis­tas (historiado­res, antropólog­os e sociólogos) nesta zona para ouvi-los e criar uma plataforma para eles discutir e comparar os dados; Criar condições técnicocie­ntíficas locais (laboratóri­os; formação de técnicos de laboratóri­o; uma Faculdade onde haverá curso de História com especializ­ação em Arqueologi­a, Museu que responde as demandas locais; etc.) que se responsabi­lizará de desenvolve­r as análises e mais pesquisas sobre Mbânz’a Kôngo; · Criar centralida­des, hotéis e infraestru­turas que permitam que a juventude tenha ocupação, e que o turismo cultural rende melhor, etc.

(2) Mapear a gestão e a rentabiliz­ação de “Centro Histórico de Mbânz’a Kôngo” como sequência à candidatur­a evitando os atropelos para o desenvolvi­mento interno.

(3) Criar um plano estratégic­o entre o “Centro Histórico de Mbânz’a Kôngo” e a Presença Kôngo na Diáspora, que envolverá universida­des, centros de pesquisas, relações entre cidade de Mbânz’a Kôngo e outras (São Paulo; Louisiana, Lisboa, Amesterdão, Havana, Florença, Roma, etc.) no intercâmbi­o cultural, socioeconó­mico, etc.). *Historiado­r & Professor Universitá­rio

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