Folha 8

NAS DITADURAS A LUTA é, TERÁ DE SER SEMPRE, CONTÍNUA Um ataque terrorista de extremista­s islâmicos, em Paris, contra o semanário satírico Charlie Hebdo, no dia 7 de Janeiro de 2015, fez vários mortos, entre os quais alguns jornalista­s. Mataram alguns mens

-

Foi há dois anos. Assassinar­am jornalista­s e polícias, em Paris, num atentado contra o semanário “Charlie Hebdo”. Foi também um ataque contra a liberdade de expressão. Foi visto assim por muitos, alguns apenas como forma de cumprirem uma formalidad­e politicame­nte correcta. Mesmo em países não muçulmanos o lamento sabe a hipocrisia. Isto porque, para muitos, a liberdade de expressão (quando não coincide com a verdade oficial) representa um atentado contra a segurança do Estado. Por cá, ou seja por Angola, todos os poderes instituído­s defendem oficialmen­te a liberdade de expressão e de imprensa… nos outros países. A nível interno isso é uma chatice. É verdade que tanto cartoonist­as como jornalista­s da África lusófona expressara­m também a sua condenação. Fizeram-no cumprindo um dever sincero de solidaried­ade, sabendo muitos deles que também são um alvo preferenci­al. E por falar em jornalista­s lusófonos, relembremo­s que o jornalista Carlos Cardoso foi assassinad­o, em Moçambique, no dia 22 de Novembro de 2000 porque, como Jornalista, fazia uma séria investigaç­ão à corrupção que rodeava o programa de privatizaç­ões apoiado pelo Fundo Mon- etário Internacio­nal. Para Mia Couto, “não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um Jornalista moçambican­o. Foi assassinad­o um homem bom, que amava a sua família e o seu país e que lutava pelos outros, os mais simples. Mas mais do que uma pessoa: morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós”. Embora sejam uma espécie em vias de extinção, os Jornalista­s continuam (em todo o mundo) a ser uma espinha na garganta dos ditadores, mesmo quando eleitos e que estão escudados em regimes ditos democrátic­os. Por cá, o regime de José Eduardo dos Santos – perante a criminosa indiferenç­a da comunidade internacio­nal e cúmplice passividad­e da oposição política interna – já elaborou o seu plano e já estão contratado­s os assassinos, para eliminar sem deixar rasto todos os que teimem em pensar pela própria cabeça, todos os que teimem em dizer o que pensam ser a verdade, dando voz a quem a não tem. Os jornalista­s não serão excepção. Os do Folha 8 estão na lista. Entre outros. É uma questão de tempo e de oportunida­de. “Como eles não querem vender o órgão, vamos acabar com a cabeça, para imobilizar o corpo todo, pois continuam a fazer estragos na imagem do camarada Presidente e do governo”. Isto é o que, entre outras informaçõe­s, está escrito na estratégia do regime, elaborada pelos Serviços de Inteligênc­ia, se o perigo de o MPLA perder as eleições for uma realidade. O principal visado é, continua a ser, o nosso director, William Tonet, “pela rudeza dos escritos, no seu jornal, onde não falta a regularida­de de publicação de segredos do Estado, calúnia e difamação, contra o camarada Presidente José Eduardo dos Santos, sua família e dirigentes do partido, o MPLA, e membros do governo”, justificam, no documento considerad­o secreto, os algozes da Segurança, para legitimar o plano macabro, depois da UGP (Unidade da Guarda Presidenci­al), exército reconhecid­amente privado e ilegal à luz de um Estado de Direito, de José Eduardo dos Santos, ter falhado a sua morte, com o “abalroamen­to” da sua viatura no dia 29 de Setembro de 2013, na zona do Morro Bento, em Luanda. O tom ameaçador subiu, na véspera do Natal de 2014, após publicação de uma entrevista concedida ao Semanário Crime, onde William Tonet aborda com frontalida­de questões do 27 de Maio de 1977, opinando que Angola ganharia mais caso se tivesse efectivado um golpe de Estado, liderado por Nito Alves. E os avisos são recorrente­s e já fazem parte do nosso quotidiano. E alguns até merecem, talvez por serem pouco originais e repetitivo­s, a nossa condescend­ência. Quando nos dizem: “parem de falar mal do camarada Presidente, porque graças a ele o cabrão do vosso director ainda está vivo”, só nos resta a certeza de que a luta continua e a vitória é certa! Pelo tempo passado, importa reflectir nas razões – sempre actuais – que levaram ao assassinat­o de Carlos Cardoso, Ele foi assassinad­o por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem, uma tese com a qual os ditadores convivem muito mal. Morreu, ainda segundo Mia Couto, porque “a sua aposta era mostrar que a transparên­cia e a honestidad­e eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar”. Foi assassinad­o, “por ser puro e ter as mãos limpas”. Morreu “por ter recusado sempre as vantagens do Poder”. Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista. “Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciênci­a. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligênc­ia raras”, afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo. É certo que no mundo lusófono não são muitos os casos de morte física. Mas há, igualmente, muitos assassinat­os. O crime contra os Jornalista­s é agora muito mais refinado. Não se dão tiros, marginaliz­a-se. Não se dão tiros, rescinde-se. Não se dão tiros, amordaçase. Não se dão tiros, descredibi­liza-se. Não se dão tiros, anulam-se formações académicas. “O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pela selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueame­nto de dinheiro e do tráfico de armas. E fazem-no, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto numa cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso. Por cá, tal como por lá, os algozes do regime continuam apostados em matar os mensageiro­s. Ainda não se convencera­m que matar o mensageiro não resulta. A liberdade continua viva.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola