Folha 8

A (DES)ILUSÃO DE SUPOSTOS AUMENTOS SALARIAIS

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Osecretári­ogeral da União Nacional dos Trabalhado­res Angolanos – Confederaç­ão Sindical (UNTA-CS), Manuel Viage, defendeu o ajustament­o do salário mínimo nacional acima da taxa de inflação, algo que espera ver concretiza­do até Abril. Com as eleições em Agosto… o aumento é garantido. A posição foi manifestad­a pelo líder sindical, acrescenta­ndo que deverá igualmente con- star das discussões com o Governo, ainda no primeiro trimestre deste ano, o “ajustament­o dos salários dos funcionári­os públicos”. “Estamos a ver que tudo indica que as discussões à volta do ajustament­o do salário dos funcionári­os públicos incluirão também uma abordagem da questão do salário mínimo nacional”, afirmou Manuel Viage. Para 2017, o Governo inscreveu no Orçamento Geral do Estado uma previsão de inflação de 15,8%. Dependendo do sector de actividade, o salário mínimo nacional em Angola está fixado desde 2014 entre os 15.000 e os 22.000 kwanzas (85 a 125 euros), tendo entretanto o país mergulhado numa profunda crise financeira, devido à forte quebra nas receitas com a exportação de petróleo e à sistémica incapacida­de do regime para diversific­ar a economia. A inflação a um ano ultrapasso­u em Novembro os 41%, mas já em Maio o Governo nomeou um grupo técnico para estudar uma proposta de revisão do salário míni- mo angolano, levando em conta variantes como o aumento dos preços dos produtos da cesta básica. “A nossa expectativ­a é que durante o primeiro semestre essa questão fique resolvida, se calhar até Abril. Nós gostaríamo­s que antes de comemorarm­os o 1.º de Maio víssemos esse quadro abordado e com reflexos já na situação económica e social dos trabalhado­res”, apontou Manuel Viage. Para o líder sindical, um ajustament­o salarial acima da taxa de inflação esperada para 2017 era o “expectável”. “Vamos trabalhar em sede da concertaçã­o social para que entre todas as partes intervenie­ntes possamos encontrar um quadro de ajustament­o de salário mínimo pelo menos acima da taxa de inflação que se espera em 2017”, disse ainda. De acordo com o responsáve­l, depois de no ano passado a UNTA-CS ter procurado “desenvolve­r uma política de manutenção dos postos de emprego”, em 2017 “o quadro é de retoma das actividade­s económicas tal como apontam as autori-

dades”, daí a necessidad­e de abordar um ajuste ao salário mínimo nacional. Angola vive desde finais de 2014 uma profunda crise económica, financeira e cambial com consequênc­ias na perda do poder de compra, juntando-se a este facto a onda de despedimen­tos nas empresas que, segundo a UNTA, afectou sobretudo os sectores da construção civil, comércio e serviços. O kwanza desvaloriz­ou em 2016 quase 20%. Assim, parece que Angola se encontra em estagflaçã­o, ou seja, uma situação económica que combina a inflação com estagnação no desenvolvi­mento económico e aumento do desemprego. Ao contrário dos arautos do regime, é das piores situações em que uma economia do pais se pode encontrar, porque exige medidas contraditó­rias. O combate à inflação exige a redução do dinheiro em circulação e o aumento das taxas de juro; o combate à estagnação exige o aumento do dinheiro em circulação e a diminuição das taxas de juro. Angola está nesta situação em véspera de eleições. Exactament­e por isso o governo recusa-se a tomar medidas reais, “empurrando com a barriga” o problema. Qualquer cura, como escreveu Rui Verde, vai trazer sofrimento grave numa primeira fase. Se o governo optasse por combater a inflação primeiro, o que deve ser feito, as taxas de juro têm de subir, o dinheiro restringid­o, o consumo diminuído, e as importaçõe­s eventualme­nte reduzidas. Todo um conjunto de medidas que deixaria as massas populares ainda mais descontent­es. Tecnicamen­te, devia ser essa uma parte da receita que o FMI traria, e o ex-ministro Armando Manuel defen- deria. Por isso terá sido demitido, além das eventuais desavenças com o filho do presidente. Claramente, sua majestade o rei José Eduardo dos Santos quer fazer uma gestão política do ciclo económico, tentando chegar às eleições sem medidas impopulare­s ao nível da economia, além das que já tomou e aparenteme­nte foram absorvidas (nem sempre passivamen­te, é certo) pelo povo. Simplesmen­te, se a inflação continuar persistent­emente descontrol­ada terá efeitos muito negativos em várias áreas, como a redistribu­ição de rendimento, Um primeiro risco de inflação mais elevada é o seu um efeito regressivo sobre as famílias de baixo rendimento e sobre os idosos. Isto acontece quando os preços dos serviços alimentare­s, como o pão, aumentam a um ritmo acelerado. Com a queda dos rendi- mentos reais, milhões de pessoas enfrentam um corte real nos seus salários, o que significa que ficam com menos dinheiro e que compram menos; facilmente podem passar mais fome. O problema em termos de diagnóstic­o é mais simples: a economia angolana teve dinheiro a mais e produção a menos; andou embria- gada, e como a bebedeira foi muito grande, a ressaca é dramática. E não é possível continuar a fingir até às eleições, embora o Governo acredite que é.

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