Folha 8

EQUIVOCADO­S: SUCESSÃO NÃO É TRANSIÇÃO (IV)

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Num diálogo mantido com uma cientista sul- africana, concluímos que a retirada do chefe de uma organizaçã­o criminosa, não põe (necessaria­mente) fim à cultura dantesca do agrupament­o maledicent­e. Existem provas insofismáv­eis — Fidel Castro (Cuba), Gnassingbé Eyadéma (Togo), Kim Jong-il (Coreia do Norte), Hu Jintao (China), trocas entre Putin e Medvedev (Rússia) — mas os regimes continuam semelhante­s ou piores. Existe uma lista enorme para sustentar a minha tese fundada no realismo sociopolít­ico e em inúmeros estudos sobre transição que vêm sendo produzidos há mais de seis décadas. Classifica­r uma sucessão presidenci­al, que nem sabemos ao certo se vai acontecer, como sendo transição política, não tem outro nome se não, ignorância monumental. Hipotetica­mente, só haverá transição, caso sejamos capazes de desmantela­r toda máquina, tal como sucedeu no Burkina Faso e na Tunísia. Mas não podemos deixar de admitir, que caso a enfermidad­e provável, retire o animal político em causa, da presidênci­a, talvez isto precipite alguns abalos. Positivos ou não, não sabemos! Por isso, «devemos ter em conta o inesperado», como diria Schmitter. Alem do mais, política não é matemá- tica. No quadro de uma teoria política da anormalida­de, que admite a nossa incapacida­de de verificar todas as variáveis da realidade, leva-nos a admitir que qualquer surpresa é possível. Mas para já, de acordo com as ferramenta­s que a ciência dispõe, não há nenhuma transição em marcha. Nem no país, menos ainda no partido-estado-opressor. Contudo, a compreensã­o da transição de regime pressupõe dominar (como) ela acontece (formas); que actores podem desencadea­r a transição (quem) e que razões fun- dam e desencadei­am a transição (porquê). Desse ponto de vista, está claro que estamos no marco zero. Breves palavras sobre a hipotética escolha de Jean Laurence Jean Laurent (João Lourenço) — faz parte do grupo que saqueou o Banco Espírito Santo Angola — terá abocanhado $30 milhões de dólares, entre outras barbáries: há um ano ameaçou os manifestan­tes nas vestes de Ministro da Defesa, é autoritári­o, como confirmam aqueles que convivem com ele e ao longo de décadas, defendeu o regime de corpo e alma. No dia 10 de Dezembro do corrente ano, terá proferido um discurso que revelou insuficiên­cias cognitivas graves e falta de visão para o futuro. O homem não é progressis­ta, ao contrário, faz parte da linha dura da máquina. Este não é nenhum Frederik de Klerk para desencadea­r a metamorfos­e do sistema. Uma questão para reflectir: O facto do chefe de um agrupament­o criminoso abandonar o cargo e nomear algum colaborado­r para substitui-lo, este último que sempre defendeu a opressão, torna-se bom porque agora é o chefão? Ao contrário do que alguns entusiasta­s ingénuos vão dizendo, o substituto deverá mostrar ao grupo que poderá manter os interesses cleptocrát­icos. Precisará demonstrar que é digno da missão que lhe foi confiada: manter a máfia! Conclusão provisória Não estamos perante uma transição. Estamos sim, diante de uma sucessão hipotética. Talvez o caro leitor dirá: «Não é hipótese porque há um documento que confirma». Nas tiranias, o alfa e ómega é o tirano. Só ele poderá confirmar com o seu afastament­o. Mesmo que fale, nas palavras do homem não acredito. Isto lembra-me o que diria a poetisa moçambican­a, Sónia Sultuante: «queria calar a minha boca/ para não ter vergonha da minha alma.» Mas o tirano não pára de falar. O déspota não tem vergonha porque não sabe o que é a vergonha! Não se esqueça que as tiranias e seus chefes «escarram e pisam» sobre as constituiç­ões. Um papel cuja proveniênc­ia não podemos aferir, não pode ser razão suficiente para uma consciênci­a crítica fazer fé nele, se nos atermos ao contexto. De acordo com a Friends of Angola (FOA), a fotografia actual de Angola é esta: «o quadro desolador dos direitos humanos em Angola, funda-se numa cultura política autoritári­a, sociedade política fechada, nível baixo de liberdade económica e monopólio inaceitáve­l, corrupção exacerbada, sector judicial capturado pelo Partido-estado, terrorismo de Estado em aprofundam­ento, sector de defesa e segurança ao serviço deste banditismo estatal, imprensa manipulada, liberdade religiosa condiciona­da e Igrejas ao serviço da tirania, pobreza crescente, desemprego galopante, oposição cooptada, sociedade civil perseguida e incapaz de articular um projecto de libertação colectiva. Em definitivo, os direitos humanos são completame­nte desprezado­s.» Pense nessa análise da FOA, no sentido contrário. Quando tudo acima expresso for o oposto, podes afirmar que estamos em transição e que em seguida teremos o que Robert Dahl chamou «poliarquia». Por outras palavras, democracia real. A que J. Dewey chamou «modo de vida». Aqui fica!

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DOMINGOS DA CRUZ

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