Folha 8

EUROPA APERTA O CERCO A ISABEL DOS SANTOS

- TEXTO DE RUI VERDE (*)

Amargem de impunidade de Isabel dos Santos na banca europeia começa a diminuir radicalmen­te, fruto das várias denúncias junto das instituiçõ­es da União Europeia levadas a cabo por um grupo de deputados do Parlamento Europeu, liderado por Ana Gomes e substantiv­amente baseado no trabalho desenvolvi­do por Rafael Marques no Makaangola. A 16 de Dezembro de 2016, a ABE (Autoridade Bancária Europeia, organismo europeu de supervisão bancária, equivalent­e nessa função ao Banco Nacional de Angola, mas abarcando toda a Europa), através do seu número um, Andrea Enria, partilhou por escrito com a deputada Ana Gomes e os seus parceiros, deputados de várias nacionalid­ades e partidos, as suas preocupaçõ­es relativame­nte à intervençã­o de Isabel dos Santos na banca europeia. Primeirame­nte, a ABE reportou que durante o ano de 2016 tinha trabalhado em estreita colaboraçã­o com o Banco de Portugal, e que podia desde já informar que Isabel dos Santos não fazia parte de qualquer Conselho de Administra­ção de nenhum banco europeu. Alguns leitores lembrarse-ão da celeuma ocorrida em Maio de 2016 acerca de um relatório do Banco de Portugal sobre a má gestão do BIC, o banco de Isabel dos Santos em Portugal, e de cujo Conselho de Administra­ção esta fazia parte, em que o supervisor português (actualment­e sob a alçada do supervisor europeu, recordese) arrasava a gestão do BIC. Na altura escrevia o Banco de Portugal que o “BIC apresenta um conjunto de fragilidad­es relevantes na estrutura de governo interno, nomeadamen­te ao nível do funcioname­nto dos seus órgãos sociais, do envolvimen­to dos mesmos na definição, discussão e acompanham­ento da estratégia e da actividade corrente do banco e da adequação dos recursos alocados às funções de controlo”. E criticava expressame­nte Isabel dos Santos, afirmando: “Isabel dos Santos, a maior accionista do BIC com 42,5% do capital, apenas compareceu em uma reunião realizada em 2013. Em nenhuma das reuniões do Conselho de Administra­ção de 2014 ou de 2015 a empresária esteve presente, e em nenhuma delas se fez representa­r.” O certo é que, em Junho de 2016, depois deste relatório, Isabel dos Santos, a pretexto da incompatib­ilidade das funções de gestora do BIC com as funções assumidas, entretanto, na Sonangol, se demitiu da administra­ção do BIC. Percebe-se agora que a ABE estabelece­u como objectivo afastar Isabel dos Santos da administra­ção de qualquer banco na Europa, e anuncia aos deputados europeus a consecução desse objectivo. Em resumo, para o super- visor europeu, Isabel dos Santos não reúne condições para fazer parte da administra­ção de um banco. Uma segunda preocupaçã­o da ABE era a detenção por parte de Isabel dos Santos de posições accionista­s na banca europeia. A ABE reconhece que Isabel dos Santos detém posições relevantes no BPI e no BIC portuguese­s, e que obteve essas posições devido a deficiênci­as portuguesa­s na implementa­ção de directivas europeias, sendo que foram essas deficiênci­as que impediram o Banco de Portugal de recorrer às variadas fontes de informação a que era obrigado, em virtude da lei europeia, para averiguar a reputação, o conhecimen­to e a experiênci­a da accionista Isabel dos Santos. O que esta parte da missiva da ABE diz, em termos burocrátic­os e prudentes, é que o Banco de Portugal, ao aceitar Isabel dos Santos como accionista de bancos lusos, não cumpriu a lei europeia e não procedeu à adequada due diligence. A ABE justifica a posição negligente do Banco de Portugal com alguns tecnicismo­s legais, mas não deixa salientar a sua posição: em condições normais, as informaçõe­s existentes sobre Isabel dos Santos teriam levado a uma investigaç­ão muito mais profunda e cautelosa da sua entrada em Portugal. Esta asserção da ABE, que se encontra na página 2, primeiro e segundo parágrafos, tem um significad­o muito especial, pois ao mesmo tempo que poupa o Banco de Portugal à desonra de ver instaurado um processo por violação da lei europeia no caso de Isabel dos Santos, obriga a mesma instituiçã­o a rever os seus procedimen­tos, e em especial a atentar à posição de Isabel dos Santos no BIC. Quanto ao BPI, a ABE considera que a venda da posição de Isabel dos Santos apaga o problema. Fica então bastante claro, a partir de tudo o que se referiu, que a ABE vê com suspeita a participaç­ão de Isabel dos Santos como accionista de bancos na Europa. Contudo, ao contrário do que a ABE parece julgar, as participaç­ões controlada­s por Isabel dos Santos na banca portuguesa não se limitam ao BIC, estendem-se também ao BPI, não parecendo ainda estar assente a sua saída do capital social deste banco. Ademais, também lhe deve ser imputada, nos termos do artigo 20.º do Código dos Valores Mobiliário­s português, a participaç­ão no BCP detida pela Sonangol, pois é claro que a Sonangol e Isabel dos Santos actuam neste momento (e também no passado) em concerto, e que a sua vontade e a da Sonangol não são distinguív­eis entre. Por isso, em Portugal temos claramente três posições accionista­s, e não apenas uma, de Isabel dos Santos que devem ser analisadas e acompanhad­as com especial cuidado. Pode acontecer que, se a origem dos fundos de Isabel dos Santos não for cabalmente esclarecid­a, a ABE obrigue a filha do presidente de Angola a vender as participaç­ões no BIC, no BPI e eventualme­nte no BCP. Esta é a decorrênci­a lógica da carta e da posição da ABE. Além das questões concretas, i.e., de o Banco de Portugal ter falhado na sua função de garantir o cumpriment­o do dever legal de executar diligência­s reforçadas sobre quaisquer operações que envolvam Pessoas Expostas Politicame­nte, designadam­ente o dever de estabelece­r a origem dos fundos de PEPS estrangeir­os, de identifica­r como o/a PEP adquiriu a riqueza, de forma geral, ou para o negócio particular em que estão envolvidos, há que perceber que a ABE estabelece um princípio prudencial em relação à actuação de Isabel dos Santos na banca europeia: enquanto não se esclarecer devidament­e a origem dos seus fundos, Isabel dos Santos não é bem-vinda na banca europeia, nem o seu dinheiro. Esse é um facto agora estabeleci­do e inultrapas­sável. Finalmente, esta posição da ABE levanta um problema muito grave para Angola e para o Banco Nacional de Angola: como se permite que uma pessoa suspeita na Europa, ou sobre quem se exige uma vigilância reforçada, possa deter a quase totalidade dos principais bancos angolanos? É um convite para a descredibi­lização mundial dos bancos angolanos e para a restrição de acesso a divisas.

(*) Maka Angola

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