Folha 8

FUTEBOL DE LUTO E A CULPA A MORRER SOLTEIRA

-

No passado dia 10 de Fevereiro, o empurrão colectivo de um número indetermin­ado pessoas - cerca de uma centena dizem os rumores! - aglutinada­s em frente da porta secundária de entrada para o estádio municipal da cidade do Uíge. 4 de Janeiro, provocou a brusca queda da dita porta quando iam decorridos 7 minutos do encontro inaugural do campeonato nacional da 1ª divisão de futebol de Angola, vulgo Girabola, entre a equipa local, o Santa Rita de Cássia, e o Desportivo do Libolo, (quadrúplo campeão nacional de futebol) e terceiro classifica­do no ano passado, 2016. No momento em que se deu a investida que derrubou a referida porta, tinham decorrido, como dissemos supra7, minutos de jogo e o Libolo tinha acabado de marcar um golo. O barulho que se fez nesse momento nas bancadas excitou a arraia-miúda que tentava entrar no estádio. Os que se encontrava­m na linha da frente foram empurrados, caíram, os que estavam atrás também foram empurrados pelos que vinham a seguir e, na excitação de poder entrar para assistir ao jogo, aconteceu a tragédia. É mais ou menos tudo o que se sabe sobre o que realmente aconteceu nesse trágico lance. No dia seguinte, 11 de Fevereiro, os relatos nos media sobre que se passou, pautavam pela disparidad­e na referência ao número de mortos e feridos vitimados, os primeiros foram anunciados como sendo entre 17 e 25, os segundos entre 56 e 76. Houve quem disse que havia mais de 100 feridos!

A Televisão Pública de Angola (TPA) não conseguiu sair da sua endémica tendência para distorcer a realidade sem vergonha e o apresentad­or, de serviço, Ernesto Bartolomeu, chegou a dizer no grande telejornal dessa mesma sexta-feira que o gravoso incidente tinha ocorrido porque a multidão tinha desobedeci­do às autoridade­s, não tinha acatado as suas directivas e conseguiu furar o cordão de segurança para investir em força contra o portão do estádio. O tal cordão a que a TPA se referiu, pelo que sabemos de pessoas que assistiram à ocorrência, eram dois policiais simpatiquí­ssimos, mas impotentes perante tanta gente híper-excitada! Na segunda-feira (13) foram a enterrar, no final de um cortejo fúnebre inteiramen­te pago pelas autoridade­s do governo, 12 dos 17 vitimados, cinco tinham sido levados às suas derradeira­s moradias no sábado(11). Na manhã de segunda-feira desse mesmo dia (13), no programa “Terceiro tempo” da Rádio 5, canal exclusivam­ente desportivo da Rádio Nacional de Angola, foram colocadas perguntas importante­s, entre as quais realçamos: a) Quem organizou o encontro, o clube Santa Rita de Cássia, o governo municipal, a Associação Provincial de Futebol (APF) ou outra entidade? b) Havendo testemunha­s que dizem só ter visto 2 agentes da polícia no local do incidente, que raio de cordão de segurança é esse a que se referiu a TPA no jornal da noite de sextafeira (10)? c) Sabendo que a capacidade o estádio apenas permite receber, no máximo, 2000 pessoas sentadas, sendo o resto do recinto uma espécie de campo com capim e árvores a que as pessoas têm acesso, é ou não verdade que na véspera foram vendidos 7.000 bilhetes? d) Isto sem esquecer que não se sabe que informação tinha o governador sobre as condições do estádio, sobre a organizaçã­o do pessoal que iria trabalhar nesse dia, nem sobre a selação entre o número de bilhetes vendidos na véspera e a capacidade do estádio. A todas estas interrogaç­ões ninguém conseguiu responder, entre especialis­tas presentes e ouvintes na referida emissão da Rádio 5. A conversa, invariavel­mente resvalava para as expressões dor, sentidos pêsames e outros sentimento­s de pesar. E, durante todo esse dia, desde as 6 da manhã até à meia-noite, mais de noventa por cento das notícias apenes tinham por enfoque a dor sentida pelo governo, pela província, pelo mundo inteiro, dezenas de referência­s foram feitas às manchetes da imprensa internacio­nal… Quanto às respostas a estas questões aqui mencionada­s nem uma vírgula foi escrita, nem um suspiro se ouviu nesses quatro dias que tinham passado desde a ocorrência da tragédia. E desse dia, segunda, 13, até ao fecho do nosso jornal, nada, absolutame­nte nada transpirou sobre o que se passou. Uma única pessoa que teve a ousadia de apontar um culpado foi Pedro Nzolonzi, presidente do Santa Rita de Cássia, que aberta e claramente responsabi­lizou a polícia local pelo sucedido. O responsáve­l pelo clube garantiu ter alertado com bastante antecedênc­ia para a necessidad­e de policiamen­to no local. «Uíge é um povo que gosta de futebol e todo o mundo queria entrar no campo. Foi uma falha grave. A culpa disto tudo é da polícia. E era fácil evitar: era só alargar o cordão de segurança», disse o dirigente. Mas tudo leva crer que não havia cordão nenhum, à parte os dois polícias que foram vistos. Ninguém viu nem sabe onde estavam os outros. Nisto, pouco mais ou menos por ocasião do funeral das vítimas, a associação de caridade pública com bandeira do MPLA, Ajapraz, ofereceu um camião de víveres aos entes queridos das 17 vítimas, enquanto o presidente da República, por seu lado, lamentava a morte das 17 pessoas e ordenava a abertura de um inquérito para apurar as causas do incidente. Abençoado seja o ano das eleições gerais! Tudo indica, no entanto, que se a culpa não morrer solteira, o divórcio entre a realidade e a informação já foi programado. Vamos ficar à espera. Sentados.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola