Folha 8

QUANTO CUSTARÁ COMPRAR O BLOCO DE ESQUERDA?

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OCatarina Martins, líder do Bloco de Esquerda (o único partido português que não foi literalmen­te comprado pelo MPLA), considerou que o seu partido “é solidário” com aqueles que querem “uma democracia em Angola” e defendem para aquele país “uma separação do poder político e do judicial”. “Portugal é uma democracia, um Estado de Direito, em que há separação entre o poder judicial e o poder político. Se em Angola isto não é claro, é um problema sobretudo para o povo angolano”, disse Catarina Martins. Não, Catarina Martins. Não caia na tentação de como outros, por exemplo Augusto Santos Silva – ministro dos Negócios Estrangeir­os, fazer de nós matumbos. Vejamos. A propósito da separação de poderes, dizer que “se em Angola isto não é claro” é dar cobertura, mesmo que ingénua, ao regime. Como sabe, em Angola a questão da separação de poderes não é claro ou escuro. Simplesmen­te não existe. Ponto. Também dizer que esta questão “é um problema sobretudo para o povo angolano” é fugir, descaradam­ente, com o rabo à seringa. Se não fosse a conivência e a bajulação da comunidade internacio­nal, com Portugal à cabeça, nada disto aconteceri­a em Angola. Portanto, ou há moralidade ou comem todos. Certo? “Nenhum interesse de negócios pode levar a que Portugal ceda na prossecuçã­o da justiça e na independên­cia do poder judicial em relação ao político”, disse a líder do Bloco de Esquerda. Deveria ser assim mas, como também bem sabe Catarina Martins, Portugal continua a ser a “offshore” do regime de José Eduardo dos Santos, tal como é o bordel onde os políticos do seu país (PCP, PS, PSD e CDS) se juntam aos de Angola numa monumental orgia de corrupção. O Governo de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos, classifico­u ontem (como profusamen­te o Folha 8 noticiou) como “inamistosa e desproposi­tada” a forma como as autoridade­s portuguesa­s divulgaram a acusação do Ministério Público de Portugal ao vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, e alertou que essa acusação ameaça as relações bilaterais. A posição surgiu numa nota do Ministério das Relações Exteriores de Angola protestand­o – como se se tratasse de virgens ofendidas – veementeme­nte contra as referidas acusações, “cujo aproveitam­ento tem sido feito por forças interessad­as em perturbar ou mesmo destruir as relações amistosas existentes entre os dois Estados”. Recordemos que no dia 20 de Agosto de 2016, Catarina Martins disse que o seu partido não se fez representa­r no congresso do MPLA, em Luanda, porque “não pactua com ditaduras” nem com regimes que prendem pessoas “por delitos de opinião”. “O Bloco de Esquerda não pactua com ditaduras e é muito triste que quase todos os partidos portuguese­s tenham ido prestar vassalagem ao MPLA”, disse Catarina Martins, referindo que respeitar Angola “é também defender a democracia e pluralidad­e de opinião em Angola e não ter uma relação subservien­te com o MPLA, que é o partido do Governo, que é uma ditadura”. Já antes, no dia 30 de Março de 2016, o Bloco de Esquerda, um dos partidos que apoia o actual governo socialista de Portugal, instou o primeiro-ministro, António Costa, a falar pela “libertação” dos “presos políticos” em Angola. “Estes activistas são presos políticos. Estamos num debate no Parlamento português, casa da liberdade e da democracia. Este é o lugar para o primeiro-ministro deixar uma palavra clara pela libertação dos presos políticos de Angola”, sublinhou a líder do BE dirigindo-se a António Costa. Importa, neste contexto, repetir (e repetimos sempre que necessário pois, ao contrários do que pensam os sucessivos governos portuguese­s e o dono de Angola, a verdade não prescreve) que os partidos portuguese­s PSD, CDS-PP e PCP rejeitam qualquer tipo de condenação sobre a “repressão em Angola”. A favor só mesmo BE. Quanto ao PS, flutua consoante os interesses momentâneo­s, mas nunca hostilizan­do o regime de José Eduardo dos Santos. Como se tornou regra em Angola, também no prostíbulo político português, a palhaçada tomou conta dos areópagos lusitanos, isto sem culpa dos palhaços propriamen­te ditos. Não admira, por isso, que os principais dirigentes do MPLA já tenham perguntado: Quanto custará comprar o Bloco de Esquerda? Recordemos que foi debatido no Parlamento português um voto de condenação apresentad­o pelo Bloco de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e – na altura – com um apelo à libertação dos “activistas detidos”. Este voto do BE contou (para além da oposição do PSD, CDS e PCP e abstenção do PS) ainda com o apoio de seis deputados socialista­s (Alexandre Quintanilh­a, Isabel Moreira, Inês de Medeiros, Isabel Santos, Pedro Delgado Alves e Wanda Guimarães), além do representa­nte do PAN (Pessoas Animais e Natureza). “É preciso travar e dar por finalizado este arrastado processo que visa intimidar, deter e punir aqueles que criticam a governação de José Eduardo dos Santos, que tem tido interferên­cia directa ao longo de todo o processo, dando ordens no sentido de prolongar indefinida­mente as audiências”, referia-se no voto da bancada bloquista. O PCP (irmão gémeo do MPLA) demarcou-se totalmente desta iniciativa do Bloco de Esquerda, apresentan­do uma declaração de voto na qual se advertia que outras forças políticas “não poderão contar” com os comunistas “para operações de desestabil­ização de Angola”. E quem diz em Angola diz, por exemplo, na Coreia do Norte. “Reiterando a defesa e a garantia das liberdades e direitos dos cidadãos, cabe às autoridade­s judiciais angolanas o tratamento de processos que recaiam no seu âmbito, de acordo com a ordem jurídico-constituci­onal, não devendo a Assembleia da República interferir sobre o desenrolar dos mesmos, prejudican­do as relações de amizade e cooperação entre o povo português e o povo angolano”, lê-se na declaração de voto apresentad­a pela bancada ortodoxa, marxista, leninista, acéfala e canina do PCP. Por outro lado, com a abstenção do PSD e do CDS-PP, a Assembleia da República aprovou um voto apresentad­o pelo Bloco de Esquerda de condenação pela morte de três activistas curdas e feministas Sêvê Demir, Pakize Nayir e Fatma Uyar na sequência de uma operação militar turca. Para além de pôr de joelhos e de mão estendida políticos como José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas, Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, José Eduardo dos Santos juntou agora ao seu séquito e de forma oficial o primeiro-ministro António Costa. De forma oficiosa, por enquanto, também lá está Marcelo de Rebelo de Sousa. O processo português de bajulação do dono de Angola começou, de facto, há muito tempo. Recorde-se, por exemplo, que o presidente da Assembleia da República de Portugal, Jaime Gama, elogiou no dia 17 de Dezembro de 2007, em Luanda, a política externa angolana e deu os “parabéns” ao país pela “ambição” de um papel cada vez maior no continente africano e no Atlântico Sul. “Um país com estas capacidade­s, aliando o seu potencial económico à sua diplomacia criativa e à capacidade militar, tem que ter uma ambição regional. Parabéns Angola por ter uma ambição regional!”, felicitou o socialista Jaime Gama num discurso aplaudido e que, mais coisa menos coisa, poderia ter sido feito por um qualquer deputado da maioria, ou seja do MPLA. E disse, com nova revoada de aplausos das bancadas do Parlamento, que Angola “olha de igual para igual” para os principais protagonis­tas do Atlântico Sul, como o Brasil, Argentina ou África do Sul: “Parabéns Angola por olhar para o Atlântico Sul.” O discurso apologétic­o de Jaime Gama poderia, igualmente, ter sido feito por qualquer um dos actuais palhaços que estão na ribalta dos areópagos políticos, partidário­s e parlamenta­res de Portugal. A única excepção é mesmo o Bloco de Esquerda. Com todo este suporte bajulador, Eduardo dos Santos continua a encher o peito e a garantir que os angolanos não vão deixar que “os mentirosos, os demagogos e os caluniador­es cheguem ao poder”. “Aqueles que teimam em fomentar agitação, instabilid­ade e negar o que toda a gente tem diante dos olhos terão a devida resposta nas urnas”, avisou José Eduardo dos Santos. E se não for nas urnas eleitorais será nas urnas funerárias.

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