A LIBERDADE CIENTÍFICA à LUZ DO DIREITO
No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, há normas que defendem a liberdade académica e científica. O artigo 26º da DUDH, §3, estabelece que “os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.” O Conselho Económico e Social da ONU tem vindo a fazer comentários favoráveis a liberdade académica. África tem um marco orientador sobre a liberdade académica: A Declaração de Kampala de 1990. Ela afirma, entre outras coisas, que “qualquer intelectual africano tem o direito de exercer livremente uma actividade intelectual, nomeadamente a pesquisa e a divulgação dos seus resultados, desde que respeite os princípios da investigação científica e as normas éticas e profissionais universalmente reconhecidas”. De acordo com Teresa Silva (2011, p. 112), «a Declaração de Kampala, (…), inclui entre os direitos da comunidade intelectual a liberdade de movimentos, associada à liberdade de opinião, crença ou ainda de atividades, e trata também da autonomia universitária e as obrigações do Estado perante a comunidade intelectual, ao mesmo tempo em que realça as obrigações da própria comunidade intelectual.» No âmbito interno, a Constituição angolana, dispõe no articulado 43 o seguinte: “1. É livre a criação intelectual, artística, científica e tecnológica. 2. A liberdade a que se refere o número anterior compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.” Por outro lado, existe um conjunto de leis infraconstitucionais que regulam a actividade académica e científica em Angola: Lei de Base sobre Sistema Nacional de Educação (LBSNE de 2001), Decreto-lei sobre o Ensino Superior em Angola (2009); Estatuto Remuneratório do Investigador (2001) e o Estatuto da Carreira de Investigador (2001). Sobre a investigação científica, promoção e reflexão críti- ca, a LBSNE estabelece:
b) realizar a formação em estreita ligação com a investigação científica, orientada para a solução dos problemas postos em cada momento pelo desenvolvimento do País e inserida no processo dos progressos da ciência, da técnica e da tecnologia; c) preparar e assegurar o exercício da reflexão crítica e da participação na produção; (…); e) promover a pesquisa e a divulgação dos seus resultados para o enriquecimento e o desenvolvimento multifacético do país. (Art 36º § b, c, e). Em seguida, o art 41º da LBSNE, sob a epígrafe investigação cientifica, estabelece que, 1. O Estado fomenta e apoia as iniciativas à colaboração entre entidades públicas e privadas no sentido de estimular o desenvolvimen-
to da ciência, da técnica e da tecnologia; 2. O Estado deve criar condições para a promoção de investigação científica e para a realização de actividades de investigação no ensino superior e nas outras instituições vocacionadas para o efeito. Na mesma lei, o artigo 64º estabelece a necessidade da investigação científica especializada para o aprimoramento do sector da educação em virtude da sua importância estratégica: 1. A investigação científica em educação destina-se a avaliar e a interpretar científica, quantitativa e qualitativamente a actividade desenvolvida no sistema de educação por forma a corrigir os desvios, visando o seu permanente aperfeiçoamento; 2. A investigação científica em educação é feita nas instituições vocacionadas ou adoptadas para o efeito. O Decreto-lei sobre o Ensino Superior em Angola é bastante claro no que diz respeito a importância e a necessidade da democracia académica, de ensino e liberdade científica, como expressam de forma inequívoca os artigos 7º (sobre autonomia das instituições); 8º (referente a liberdade académica) e 9º (sobre a gestão democrática das instituições de ensino superior). Os artigos acimas expressos, afirmam ipsis literis: • A autonomia das instituições de ensino superior é exercida nos domínios científicos, pedagógicos, cultural, disciplinar, administrativo e financeiro (…). (art. 7º). • A liberdade académica das instituições de ensino superior consiste em assegurar a pluralidade de doutrinas e métodos, nos domínios do ensino e aprendizagem, da investigação e da extensão universitária (…). (art. 8º). • A gestão democrática das instituições de ensino superior, consiste na participação de todos ac- tores deste subsistema, incluindo a sociedade civil, na melhoria da sua qualidade (…). (art. 9º). Sendo certo que o Estado angolano legislou em matéria de liberdade académica e liberdade científica, a consequência lógica foi o aumento de mais um diploma centrado na categoria pesquisador, por isso, criaram o Estatuto Remuneratório do Investigador em 2001 e o Estatuto da Carreira de Investigador no mesmo ano. Importa referir que no Estatuto da Carreira de Investigador, contem uma disposição inconstitucional e antidemocrática no capítulo atinente aos deveres do investigador: «manter o sigilo de todas as informações confidenciais e secretas a que se tiver acesso.» (art. 13º § e). Isto é um contrassenso. Toda a investigação de carácter científica deve ser levada à esfera pública para ser alvo de deliberação. Os dados acessados não podem ser confidenciais, sob pena de pôr em causa uma dimensão fundamental da ciência: servir o homem e a sociedade. As informações vistas na lógica da confidencialidade remetem-nos à atmosferas de regimes autoritários ou no quadro dos serviços secretos que agem com base na narrativa da razão de Estado. Radiografado este quadro legal interno, a grande questão que se deve colocar é: estes textos formais traduzem-se na realidade?