MILITARES E O ESPAÇO ANGOLANO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII (PARTE I)
Nas fontes produzidas por súditos portugueses no século XVIII é usual a utilização dos termos “reino de Angola e suas conquistas” para fazer referência aos territórios sob o domínio da Coroa portuguesa o que evidencia a necessidade de problematizar a iden
Os europeus descreviam como reino de Angola e os limites do seu território, a região entre os rios Cuanza e Lukala, e essa foi a área designada pela coroa portuguesa para ser explorada por Paulo Dias Novaes. Em 1571, foi criada a capitania de Angola, baseada no sistema de capitania hereditária, cujo donatário era Paulo Dias Novaes. No entanto, as fronteiras políticas, culturais e linguísticas não coincidiam. A região era habitada pelos Mbundu, um grupo etnolinguístico da região do centro-norte de Angola, mas o Ndongo apenas abrangia uma parte da população de língua quimbundo. É errônea a ideia de um reino único com uma única organização política, já que é característica dessa região a existência de distintos grupos de parentesco com variadas formas de organização política. Como os portugueses designavam todo o conjunto de estados ou reinos africanos e as áreas sob “domínio” português como reino de Angola, certamente, existiam imprecisões no entendimento das fronteiras políticas. O próprio reino do Ndongo, não se estendia até a costa, não havia estabilidade de fronteiras e os chefados mais afastados só reconheciam nominalmente o Ngola por meio do pagamento de tributos. O determinante não era o domínio geográfico, mas a autoridade que o Ngola tinha sobre os homens, além do que muitos chefes locais buscaram manter uma autonomia do soberano. Novos reinos surgiram no século XVIII após diversas disputas e guerras e tornaram-se estados dominantes, substituindo os antes existentes. Mas nem todas as inovações foram bem-sucedidas e mereceram a designação “Estado” ou “Reino”, pois tratava-se de uma conjuntura onde os reinos podem emergir, num meio onde fortes grupos de filiação têm papel proeminente e, particularmente, onde as pessoas pensam em termos de parentesco perpétuo e sucessão nas posições titulares. Deste modo, realizar uma descrição do território do Reino de Angola na segunda metade do século XVIII não é tarefa fácil, pois este era um espaço dinâmico com fronteiras flexíveis que obedeciam a inúmeros critérios para a sua definição, que podiam ser circunstanciais. No entanto, para melhor aludir ao que se trata, apresentaremos o que convencionalmente se denomina de Reino de Angola. Conforme o memorialista angolano Joaquim Antônio de Carvalho e Menezes, o Reino de Angola e Benguela apresentava a sua fronteira ao Norte, no rio Dande, e estendia-se até o Cabo Negro. Ao norte confinava-se com as terras do Marquês de Mossul. O Cabo Negro lhe servia de limite marítimo, sendo o Oeste banhado pelo Oceano Atlântico. Os rios mais notáveis eram o Cuanza, que cortava o Reino de Leste a Oeste, Dande e Bengo, que estão ao Norte. Longa era o rio que ficava ao Norte de Benguela e perto de sua foz ficava Benguela, a velha. Ao sul, encontrava-se o rio Cuvo, e, mais ao sul, aquém da cidade de São Felipe de Benguela, o rio Catumbela48. Mariana Candido afirma que a povoação de Benguela estava situada entre os rios Catumbela e Kaporolo. A princípio, a presença de súditos por- tugueses se limitou à costa, mas, posteriormente, algumas fortalezas foram erigidas no interior, a exemplo da Caconda. Luanda se encontrava em uma planície costeira e possuía o maior porto da costa ocidental africana, onde com maior frequência se estabeleciam as relações de forças entre súditos portugueses e africanos. José Carlos Venâncio defende que no século XVIII a estrutura populacional e a disposição do espaço em Luanda obedeciam a critérios políticos influenciados por Lisboa. A costa de Luanda estava resguardada por uma linha de fortalezas militares, e a fronteira da cidade com o interior não constituía preocupação para o domínio português. Apesar de, na maioria das vezes, Luanda ser descrita como cidade portuguesa colonial, pelo quotidiano desse espaço urbano a princípio ser delimitado por traçados europeus, as relações tecidas entre súditos portugueses e africanos possibilitou a formação de uma rede urbana com raízes próprias.
Carlos Couto salienta que a linha de penetração portuguesa no sertão foi realizada por meio do rio Cuanza e, assim, surgiram alguns presídios ao Norte deste rio, em suas margens. O primeiro a ser fundado foi o de Massangano, em 1583, seguindo-o o de Muxima, em 1599, o de Cambambe, em 1604, o de Ambaca, em 1614, e o das Pedras de Pungo Andongo, em 1671. Ao sul do Cuanza, no século XVII, fundaram-se os presídios de Benguela, em 1617, e o de Caconda, em 1682. No século XVIII, mais dois presídios foram levantados, o de São José do Encoge, em 1759, e o de Novo Redondo, em 1769. Todos os presídios eram guarnecidos por forças militares e governados por capitães-mores, à exceção de Novo Redondo, que era comandado por um regente. O governo de militares foi importante, pois, exageros à parte, a “força militar foi, a par dos missionários e dos sertanejos, o elemento impulsionador da colonização e a grande responsável pela perenidade da presença portuguesa em Angola.” Além dos presídios, Angola possuía oito distritos, denominados Icolo e Bengo, Dande, Golungo, província dos Dembos de Luanda, Barra do Bengo, Barra do Dande e Barra de Calumbo, e em Benguela havia os distritos de Bailundo, de Galangue, do Zenza, de Quilengues, do Huambo, dos Sambos, do Bié e o do Dombe Grande. A situação de Benguela em relação ao Reino de Angola é peculiar. A sua situação de autonomia ou subalternidade sempre esteve em discussão. Segundo Mariana Cândido, em 1612, um decreto instituiu Benguela como reino independente de Angola, tendo o seu próprio governador.
Continua nas próximas edições *Doutoranda em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro