NACIONALIZAR OS PREJUÍZOS, PRIVATIZAR OS LUCROS
Oficialmente, o esquema do porto teve início a 14 de Agosto de 2012, dez meses após a criação da Caioporto S.A. através do decreto presidencial n.º 177/12, que autorizava o ministro dos Transportes, Augusto Tomás, a realizar um contrato de concessão com a referida empresa, relativamente ao novo Porto do Caio. A 17 de Janeiro de 2012, a empresa concluiu o processo de legalização, publicando os seus estatutos em Diário da República: sete meses, portanto, antes da decisão presidencial. Como justificação, o presidente invocou a necessidade, a urgência e o interesse público, atribuindo assim, sem qualquer concurso público ou mecanismo de transparência, a concessão à empresa Caioporto S.A., que nessa altura não passava de uma escritura notarial. O nome da empresa, um trocadilho do nome do futuro porto, não é um mero acaso. Foi definido propositadamente, para receber a concessão. O contrato, uma parceria público-privada, estabelecia que a Caioporto S.A. se encarregava do financiamento, planeamento, concepção, remodelação, engenharia, construção e aprovisionamento do novo Porto do Caio. Como contrapartida desta tarefa a empresa obtinha o exclusivo de fornecer instalações e serviços no porto a qualquer embarcação que o utilizasse. Em resumo, a Caioporto S.A. angariava o financiamento de 540 milhões de dólares, construía e depois exploraria o Porto. Desse modo, a empresa assumia os riscos de investimento, que seria privado, e depois arrecadaria os lucros, prestando um serviço público – a construção e gestão de um porto de mar. No entanto, tudo não passava de um engodo para José Eduardo dos Santos, sempre paternal no saque da coisa pública, conferir um aspecto de legalidade ao esquema, legitimado pelos decretos presidenciais subsequentes. No âmbito da semana de celebrações do seu aniversário, e uma semana após ter assinado o referido decreto presidencial, a 20 de Agosto de 2012, o presidente da República lançou, com pompa e ampla divulgação, a primeira pedra do projecto. Contudo, mal tinham passado quatro meses, surge o segundo decreto presidencial, com o n.º 234/12, de 4 de Dezembro, relativo ao mesmíssimo Porto de Caio. Esse decreto contém uma grande alteração: introduz no contrato entre a Caioporto S.A. e o Estado angolano a autorização de prestação de uma Garantia de Estado de pagamento à primeira solicitação a favor das entidades que financiam a concessão. “O que este linguajar jurídico diz é muito simples: o Estado passa a garantir os empréstimos que os bancos concedem à empresa privada. Temos aqui uma alteração fundamental do risco do contrato”, refere Rui Verde, analista jurídico do Maka Angola. “Antes, quem investia e perdia ou ganhava dinheiro era a empresa privada. Agora, a empresa privada só ganha; se houver perdas, o Estado é que paga”, acrescenta. “Nacionalizam-se os prejuízos e privatizam-se os lucros”, assevera o jurista. O mesmo decreto acrescenta que o Estado angolano presta a favor da empresa privada uma garantia de receita mínima, de modo a assegurar a viabilidade económica do porto. Rui Verde traduz em miúdos o significado dessa garantia: “Vejamos um exemplo: a empresa privada Caioporto S.A. precisa de uma receita mínima do porto no valor de um bilião de kwanzas por mês, para pagar os seus encargos e ter lucro. Se o porto dá essa receita, a empresa recebe-a. Se o porto apenas dá uma receita de 700 milhões, os restantes 300 milhões (para perfazer um bilião) são entregues pelo Estado à empresa. O bilião é sempre certo.” Em suma, a empresa tem sempre o seu lucro garantido: ou recebe directamente do negócio, ou recebe indirectamente do Estado. Posto isto, torna-se bastante claro que a empresa Caioporto S.A. não tem arcaboiço económico nem credibilidade junto das instituições financeiras para obter empréstimos, pois precisa do Estado como garante de receita e de pagamento. É uma empresa destituída de massa crítica para o projecto a que se propõe. Depois disto, há um período de silêncio e estagnação. Apenas em finais de Julho de 2014, volvidos 18 meses sobre o último decreto presidencial, se anuncia que em Dezembro desse ano arrancarão as obras portuárias. A primeira pedra lançada pelo presidente, ainda em 2012, não passou de um golpe de propaganda para mostrar obra nas comemorações do seu aniversário, em Cabinda. Ao que parece, a pedra lançada foi levada pelo mar…