Folha 8

VINTE MILHÕES DE ESCRAVOS AMAMENTAM A SANTA ISABEL

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No último ano, a fortuna de Isabel dos Santos aumentou cerca de 100 milhões de dólares para um total de 3,1 mil milhões de dólares, de acordo com a lista da revista Forbes, que divulgou o “ranking” dos mais ricos do mundo de 2017. A dona de Angola, Presidente do Conselho de Administra­ção da maior empresa do regime, a Sonangol, e filha do Presidente de Angola, nunca nominalmen­te eleito e no poder há 38 anos, José Eduardo dos Santos, é assim a 630.ª pessoa mais rica do mundo, apesar deter descido 61 lugares. A fortuna de Isabel dos Santos contabiliz­a ainda a participaç­ão no BPI, de 18,576%, que foi vendida em Fevereiro por 270,6 milhões de euros. Disposta a não deixar o dinheiro roubado aos angolanos por mãos alheias, Isabel dos Santos (que também é filha do Presidente do MPLA e do Titular do Poder Executivo) continua a somar e multiplica­r. A De Grisogono, a joalharia de luxo suíça detida por Isabel dos Santos e pelo marido (Sindika Dokolo), vai abrir uma nova loja em Nova Iorque (EUA) no Outono. Fundada em 1993 e com clientes como Sharon Stone ou Kim Kardashian, a compra da joalharia foi feita em 2012 através da empresa “Victoria Holding Limited”, uma parceria entre a empresa do regime angolano Sodiam (Sociedade de Comerciali­zação de Diamantes de Angola) e uma empresa privada, “Melbourne Investment­s”, que tem o marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, como o único proprietár­io. Segundo a revista Forbes, “não é claro que Dokolo tenha feito algum investimen­to financeiro na Melbourne Investment­s ou se a Melbourne contribuiu com dinheiro para a compra”. “A Sodiam, enquanto empresa estatal (a sua equipa de gestão, o presidente e director-executivo são todos nomeados pelo presidente José Eduardo dos Santos), é obrigada a declarar publicamen­te todos os seus negócios no país e no estrangeir­o, mas até agora a parceria com Dokolo era um segredo”, escreveu a revista em 2014, dois anos depois da compra. No ano passado, a De Grisogono comprou o diamante bruto mais caro do mundo, o Constellat­ion, de 813 quilates, por 63.1 milhões de dólares. Também em 2016, comprou um diamante de 404 quilates e sete centímetro­s de compriment­o, o maior alguma vez encontrado em Angola, por uma quantia não divulgada. No mês em que foi encontrada esta pedra, outros sete diamantes de grandes dimensões foram descoberto­s numa mina na província da Lunda Norte, uma zona muito pobre onde não existe electricid­ade ou ligações telefónica­s em grande parte do território. Na campanha presidenci­al de 2012, no entanto, segundo o que foi divulgados publicamen­te, também pelo Folha 8, o presidente José Eduardo dos Santos queixou-se de que as receitas da extracção de diamantes na região não chegavam “sequer para pagar as estradas”. A nova loja da De Grisogono vem no seguimento de uma parceria da joalharia, anunciada este mês, com a DLK, que passa a gerir a empresa nos EUA. “Decidimos fazer parceria com a DLK com o objectivo de perseguir o nosso objectivo de cresciment­o global e enfatizar o nosso envolvimen­to em alta joalharia e pedras preciosas”, disse a companhia à Lusa. A De Grisogono até há bem pouco tempo era uma pequena empresa onde trabalhava­m 150 pessoas, em Plan-les-ouates, perto de Genebra, na Suíça. Com boutique na Madison Avenue, em Nova Iorque, mas PME de importânci­a mediana no ramo da joalharia e relógios de luxo, de repente, eis que ficamos a saber que essa “cambuta” ambiciona ser líder mundial desse sector.

A razão foi (é) uma pedra, grande, um diamante que aterrou na sua mesa como que caída do céu ou por encanto, dando origem a uma mega festança que reuniu 700 VIP’S, modelos de “passerelle” e actrizes, organizada em Maio de 2016 por ocasião do Festival de Cinema de Cannes no Eden Roc e com ampla mediatizaç­ão na imprensa internacio­nal. O fundador, PCA e director artístico da De Grisogono, Fawaz Gruosi, a partir daí começou a ver o futuro da sua empresa em tons de azul e ouro, com notas verdes pelo meio, depois de ter comprado a referida pedra, excepciona­l, um diamante angolano de 404 quilates, então recentemen­te encontrado na mina de Lucapa, província da Lunda-norte. “Estou muito nervoso, este diamante tira-me o sono, é a primeira vez que me preocupo por não ser capaz de fazer o que tenho que fazer. A minha responsabi­lidade é enorme”, disse Fawaz Gruosi, solicitado a comentar, na sua boutique de Nova Iorque, a descoberta do pedregulho. Responsabi­lidade tão grande que Gruosi não se aventurou a lapidar o mambo sozinho e recorreu aos serviços do prestigios­o lapidário nova-iorquino Ben Green. Compreensí­vel, pois a verdade é que, com o “404”, a sua empresa e ele próprio mudavam de estatuto, como alegou um especialis­ta do ramo diamantífe­ro em Genebra. “Em geral, este tipo de aquisição é reservado às maiores empresas, como a Graff ou a Winston”, disse ele. Trata-se, de facto, de um golpe de mestre. O “404” era o maior diamante jamais descoberto em Angola e nunca a marca De Grisogono tinha obtido uma pedra deste calibre. Mas vamos com calma… por essa altura, o que de maior reboliço e irritação grassava na área diamantífe­ra entre os concorrent­es da De Grisonogo, era o ciúme, a sua meteórica ascensão e a exageradam­ente dispendios­a maneira de divulgar a existência desse diamante na supra-citada gala VIP no Eden Roc, organizada no em pleno Festival de Cinema de Cannes, em Maio de 2016. Por outro lado, sejamos francos, a De Grisogono podia dar-se ao luxo de ser generosa. Porque a sua marca, contas bem feitas, tem aliados que lhe permitem desempenha­r um papel de liderança. Recapitule­mos. Em 2012, a empresa foi adquirida – por meio de uma montagem ad hoc, offshore – pelo empresário Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos. Monsieur Dokolo avançou com 100 milhões de francos suíços destinados a transforma­r a De Grisogono num cliente privilegia­do de diamantes angolanos destinados à joalharia. Vai de si que, com a compra do “404”, esta visão estratégic­a se concretizo­u na prática de maneira deveras espectacul­ar. Por outro lado, Sindika Dokolo também está por trás da Nemesis, uma empresa de diamantes em Dubai, nada de um aparente 18 meses antes. De acordo com o seu director, Nicky Polak, foi ela, a Nemesis, que comprou o “404” à empresa estatal angolana, Sodiam, antes de vender os seus direitos à De Grisogono (que não pagou nem um Luei, só pagaria no final da lapida- ção e receberá lucros que se contam em milhões de dólares). Portanto, não é preciso ser perito em economia para ver neste lance que o diamante passou de uma empresa do Estado, controlada pela filha do presidente da República, Sodiam, para as empresas privadas, Nemesis e De Grisogono, que são propriedad­e de Sindika Dokolo, marido da dita filha do presidente. O que suscitou a indignação do jornalista, investigad­or e “bête noire” do presidente Dos Santos, Rafael Marques. “Eles vendem-se a si mesmo”, reclama o jornalista investigad­or. Para ele, o diamante, também denominado “4 de Fevereiro” (em homenagem ao início da resistênci­a armada em Angola de 4 de Fevereiro de 1961), deve ser “confiscado pelas autoridade­s norte-americanas, já que ele está em Nova Iorque”, porque essa pedra foi “roubada ao povo de Angola”. Estas críticas, no entanto, inspiradas pela (de)lapidação pública feita a 19 de Junho de 2016, publicamen­te, em Nova Iorque, não devem impedir que o diamante seja vendido. Além de Isabel dos Santos – uma fã de longa data da marca – os clientes da De Grisogono têm pouco interesse em tudo o que toca à política angolana. O problema é obter o melhor preço da pedra “404”, muito, mas mesmo muito acima dos 16 milhões de dólares que ela custou antes de ser cortada e lapidada. “O desafio será planear uma inteligent­e campanha de marketing na qual terá de se esconder ao comprador o preço final a que ele poderá negociar a transacção”, comentou na altura o especialis­ta de Ge- nebra supracitad­o. Fawaz Gruosi é optimista. “Nós temos alguém que está interessad­o o suficiente”, disse ele num outro dia em Nova Iorque. “O “404”, acrescento­u Nicky Polak, poderá perfeitame­nte vir a ser um belo presente de Natal”. Entretanto, perguntas ficam no ar: quantos milhões de dólares do Estado foram vazados para bolsos privados neste lance? Quantos biliões de dólares, em nome da lei instaurada por este regime, em nome dos usos, dos costumes e das velhas técnicas arcaicas de enriquecim­ento, têm sido, ao longo de décadas, ou melhor, ao longo de séculos, desviados em detrimento do verdadeiro dono do nosso país, o povo de Angola? Ela, a lei, existe, isto não é roubo, é simplesmen­te um histórico desfalque institucio­nalizado.

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