Folha 8

PROCURADOR RECEBEU MILHARES POR CONTRATO DE TRABALHO EM ANGOLA MAS NUNCA LÁ FOI

Magistrado português acusado de ter sido corrompido pelo ex-presidente do Conselho de Administra­ção da Sonangol e actual vice-presidente de Angola apresentou dois contratos de trabalho para justificar depósitos nas suas contas vindos de uma empresa angola

- TEXTO DE SÍLVIA CANECO*

Em 2012, o procurador Orlando Figueira decidiu trocar o seu gabinete no departamen­to do Ministério Público responsáve­l pelas investigaç­ões mais complexas (o DCIAP) por um cargo no sector privado, pedindo então uma licença sem vencimento que muito deu que falar. Dois anos depois, chegava à Procurador­ia-geral da República (PGR) uma denúncia anónima dando conta de que o magistrado, que entretanto já tinha assumido funções no departamen­to de compliance do BCP, tinha recebido milhares de euros nas suas contas de uma sociedade angolana chamada Primagest, controlada pela Sonangol. Em Fevereiro passado, o Ministério Público concluiu que o procurador da República a gozar uma licença sem vencimento de longa duração tinha

recebido 760 mil euros - quando ainda se encontrava no DCIAP - e um cargo dourado num banco para arquivar processos contra Manuel Vicente, à época PCA da petrolífer­a angolana, e actual vicepresid­ente da República da República. Figueira é acusado de corrupção passiva, e de violação do segredo de justiça, branqueame­nto e falsificaç­ão de documento, em co-autoria. Manuel Vicente deverá responder por três crimes, sendo o mais grave o de corrupção activa. Para justificar as quantias recebidas da Primagest, Orlando Figueira justificou-se ao Ministério Público com a apresentaç­ão de um contrato de trabalho com aquela empresa. Esse contrato previa que o local de trabalho seria em Luanda, Angola, e que o serviço

Manuel Vicente deverá responder por três crimes, sendo o mais grave o de corrupção activa

seria prestado em regime de exclusivid­ade, com um horário entre as 8h30 e as 12h30 e as 14 e as 18h. Mas, segundo frisou a equipa de procurador­es liderada por Inês Bonina na resposta a um recurso de um dos arguidos, “desde a data da celebração desse contrato e do contrato definitivo até à data presente, o arguido Orlando Figueira nunca se deslocou a Luanda”. Para o Ministério Público, só este dado, por si só, seria “esclareced­or quanto ao carácter fictício de tal suposta relação de trabalho”: “Todos os indícios apontam para que os contratos (contrato promessa de trabalho e contrato definitivo) sejam fictícios, elaborados com o único propósito de justificar o recebiment­o, por parte do arguido Orlando Figueira, de avultadas quantias que este recebeu para praticar actos contrários às suas funções”. Ainda assim, o Ministério Público enumera em detalhe porque não acredita na veracidade daqueles contratos. Para começar, quando finalmente consegue uma licença sem vencimento de longa duração, Orlando Figueira não vai trabalhar para a Primagest, em Lu

anda, mas antes para o Millenium BCP - não precisando de sair do país -, e “pese embora o contrato-promessa de trabalho com a Primagest contivesse uma cláusula de exclusivid­ade”. Além do mais, quando foi interrogad­o Orlando Figueira contou que entre a data da celebração do contrato-promessa (em Janeiro de 2012) e os meses de Março/abril de 2014 nunca tinha sido contactado pela Primagest para formalizar a celebração do contrato definitivo. A equipa conduzida pela procurador­a Inês Bonina

bração de um suposto contrato de trabalho definitivo e ainda pagou em dinheiro montantes que se desconhece a que título, já que o arguido Orlando Figueira até essa data não desenvolve­ra qualquer actividade em seu benefício”. A 03 de Março de 2014 é assinado o contrato definitivo entre a Primagest e Orlando Figueira. Embora mantenha a cláusula de exclusivid­ade, aceita que o procurador mantenha as funções de consultor de compliance no Millenium BCP e ainda o autoriza a exercer advocacia, permitindo que permaneces­se em Lisboa e não em Luan- da, “local que fora definido para a prestação das suas funções laborais”. Durante o interrogat­ório, Orlando Figueira confirmou que nunca se deslocou a Angola para prestar qualquer serviço à Primagest. Disse sim que quando Paulo da Conceição Marques - que identifico­u como sendo o intermediá­rio da Primaget e que não chegou a ser ouvido no processo por estar gravemente doente - se deslocava a Lisboa lhe colocava “as questões” e pedia “o seu parecer”. E conseguia Orlando Figueira explicar que empresa era esta? Não sabia em contrato, pois só tinha sido contratado para “a parte jurídica”. E que trabalhos tinha feito para a empresa? O procurador em licença sem vencimento respondeu assim: “consultori­a verbal” e “outros”, vindo a escudar-se num suposto sigilo profission­al para não revelar mais. Aqui, o Ministério Público não perdeu a oportunida­de de lhe mandar mais uma rebocada: “Sigilo profission­al que nunca invocou em relação às funções de magistrado do Ministério Público.” Depois do primeiro interrogat­ório judicial, não restaram dúvidas à inves- tigação de que Orlando Figueira nunca prestara qualquer serviço à Primagest, embora tivesse recebido daquela empresa, entre 2012 e 2015, pelo menos 500 mil euros. Era de estranhar, para o Ministério Público, que uma sociedade angolano tivesse disponibil­izado a Figueira, de uma só vez, 210 mil euros “para a prestação de um alegado serviço de consultori­a, cuja realização nunca lhe exigiu e, como se tal não fosse suficiente­mente estranho, continuou nos anos seguintes a efectuarlh­e pagamentos em numerário”.

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