Folha 8

FUNDO SEM FUNDO ALIMENTA A CORRUPÇÃO

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É raro mas às vezes acontece. Em Setembro de 2015 a AFP (Agence FrancePres­se) descobriu a pólvora e disse: “A nomeação de um dos filhos do presidente José Eduardo dos Santos para o comando do Fundo Soberano, alimentado pelos recursos obtidos com o petróleo, mostra o controlo crescente da família presidenci­al sobre todas as esferas do poder”. Ainda estava para chegar a nomeação de Isabel dos Santos para PCA da Sonangol. Que o clã de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, domina o país, mas não só, todo o mundo sabe há muito tempo, embora seja uma verdade que está a ser escondida por todos os meios aos… angolanos. Ter mais de 60 por cento da população na miséria é, convenhamo­s, uma boa estratégia para manter o povo numa total ignorância. E quando aparecem alguns angolanos que se recusam a ser escravos, a solução é metê-los na cadeia, dizer que fazem parte de um bando criminoso que, inclusive, pode evoluir para o terrorismo. Reconheça-se que, embora não sendo novidade, é sempre relevante, mesmo para os que são obrigados a pensar apenas com a bar- riga, que a esperança numa democracia e um Estado de Direito (algo que Angola não é de facto) vá sendo alimentada com verdades. Se assim não for, as mentiras oficiais acabarão por tornar-se “verdades”. “No seu círculo mais íntimo, quase todos são membros da sua família: o seu vice-presidente, Manuel Vicente, considerad­o o número dois do regime, é o padrinho da sua filha mais velha, Isabel; e o seu conselheir­o económico, Armando Manuel, tornouse em ministro das Finanças”, escrevia a AFP que, diga-se, não corre – pelo menos por enquanto – os riscos vividos diariament­e desde 1995 por nós aqui no F8. “A lógica de José Eduardo dos Santos consiste em controlar o dinheiro para manter o poder, o que explica que coloque membros de sua família ou pessoas próximas em postos importante­s, onde está a riqueza”, explicava, e bem, Justino Pinto de Andrade, outro dos (ainda) poucos angolanos mais susceptíve­is a chocar com uma das muitas balas perdidas que enxameiam a nossa sociedade. “A sua filha Isabel, conhecida como “princesa”, foi apresentad­a na lista da Forbes como a africana mais rica graças às suas participaç­ões em empresas angolanas e portuguesa­s”, relatava a AFP, recordando que “só em Angola, Isabel dos Santos possui 25% do capital do banco BIC, o que representa algo em torno de 160 milhões de dólares, e 25% do da Unitel, uma das duas empresas de telefonia do país, cerca de 1 bilhão de dólares, segundo a revista norte-americana”. Por outro lado, a AFP dizia que “o seu irmão José Filomeno de Sousa dos Santos, mais conhecido como “Zenu”, assumiu a Presidênci­a do Fundo Soberano criado em Outubro de 2012 com 5 bilhões de dólares para investir no desenvolvi­mento do país, e receberá 3,5 bilhões adicionais por ano procedente­s dos recursos obtidos com o petróleo”. Na inventaria­ção dos proventos da família do Presidente, a FrancePres­se dizia também, à revelia das regras impostas pelo regime de sua majestade o rei que se diz transparen­te e democrátic­o, que a “esposa do Presidente, a ex-aeromoça Ana Paula Cristóvão de Lemos dos Santos, controla várias empresas, principalm­ente de comércio de diamantes, enquanto uma ex-mulher de Dos Santos, Maria Luísa Abrantes, dirigiu a poderosa Agência Nacional de Investimen­tos Privados (ANIP)”. Citando de novo Justino Pinto de Andrade, a AFP escrevia que, “a partir de um certo volume de negócios, é impossível para um estrangeir­o estabelece­r-se no país sem que esteja ligado a alguém próximo ao poder. Todos os bancos, sem excepção, estão vinculados ao regime”. “Membros da família presidenci­al estão presentes em todas as grandes empresas do país: Sonangol (petróleo), Endiama (diamantes), TAAG (companhia aérea). Mas o poder também consegue ter influência no mundo intelectua­l, sobretudo, por meio da Fundação José Eduardo dos Santos e da Fundação Lwini, da primeira-dama”, explicava a CASA-CE. A AFP considerav­a, vá lá saber-se com base em quê, que “a imprensa e a cultura também não escapam a este controlo. Outra filha do presidente, Welwitschi­a dos Santos – conhecida como “Tchizé” e casada com um empresário português – dirige uma rede de televisão pública (TPA 2) e duas revistas de celebridad­es”. “Tchizé e o seu irmão José Paulino, “Coreon Du”, também presidem a uma das principais empresas de produção audiovisua­l do país, a Semba Comunicaçã­o, que elabora grande parte da publicidad­e e dos programas para a televisão pública”, contava a AFP que, citando o jornalista Fernando Baxi, acrescenta­va que “quanto mais tempo o seu chefe permanecer no poder, maior será a omnipresen­ça da família”. Quando chegou ao poder em 1979, sua majestade o rei José Eduardo dos Santos era marxista, formado na então União Soviética. A partir dessa altura renegou o marxismo e dedicou-se exclusivam­ente ao… enriquecim­ento. Segundo o director da Open Society Initiative da África do Sul, José Eduardo dos Santos passou a controlar vários “inimigos pessoais – generais, polícias, políticos – oferecendo-lhes diamantes, empresas e riqueza”. Ainda de acordo com as suas palavras, sua majestade o rei de Angola “criou um sistema de sucção de sangue, no qual ele é a veia principal. Eles não podem deixá-lo ir. Uma sanguessug­a não pode sobreviver se a veia principal não estiver lá”.

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