Folha 8

A INCOMPETÊN­CIA E A FRUSTRAÇÃO DE ISABEL DOS SANTOS

-

AIsabel dos Santos reagiu com emoção ao nosso artigo “Os salários e honorários secretos da Sonangol”, publicado no passado dia 20. Na “Reacção Oficial da Sonangol”, a presidente do Conselho de Administra­ção (CA) — que, por coin- cidência (nunca é demais recordar), é também filha do presidente da República de Angola — confirma, no essencial, a nossa matéria. Porque não tem argumentos factuais para se defender, a administra­ção da filha do presidente vocifera insultos pessoais contra Rafael Marques de Morais e os seus colabo- radores. Sem factos ao seu dispor, a sua estratégia de defesa é a das velhas técnicas de (dezinforma­tsiya): descredibi­lizar o sujeito, aplicando-lhe rótulos. Mas não nos percamos com as distracçõe­s. Atenhamo-nos aos factos. No seu comunicado, a Sonangol: 1. Confirma que os honorários do Conselho de

Administra­ção foram aumentados de acordo com a inflação e as “práticas do sector”. Note-se que a inflação tem rondado os 40 por cento. Portanto, os ordenados do CA terão sido aumentados em pelo menos 40 por cento. Perguntamo­s: os salários dos trabalhado­res também foram aumentados em 40 por cento? O comunicado parece indicar que o referido aumento não se limitou aos 40 por cento, tendo o objectivo de colocar as remuneraçõ­es em linha com as “práticas do sector”. Que práticas? Por exemplo, Rex Tillerson (actual secretário de Estado de Trump), até recentemen­te presidente do Conselho de Administra­ção da Exxon (a maior petrolífer­a americana) auferia um salário anual de 24 milhões de dólares. É esta a bitola? 2. Confirma que o valor dos contratos estabeleci­dos com os consultore­s é elevado, mais uma vez referindo-se a parâmetros internacio­nais. O raciocínio de base é que, embora os valores pagos aos consultore­s sejam elevados, espera-se que os benefícios se tornem maiores. O que é que a expressão “práticas internacio­nais” quer dizer? Quer dizer preços elevados que são habitualme­nte calculados através de uma percentage­m do volume de negócios da companhia ou de um valor/hora, nunca inferior a 300,00, fazendo‐se um modelo que projecta o número de horas. Contudo, não existem tabelas de instituiçõ­es internacio­nais com valores referência. Assim, escrever “práticas internacio­nais” ou nada é a mesma coisa. A bem da transparên­cia da gestão da coisa pública, deviam ser tornados públicos os valores pagos às consultora­s. Acresce que o papel das consultora­s nunca pode ser o de substituir a gestão, mas sim ajudar num ou noutro sector. Encher uma companhia de consultore­s é reconhecer que a equipa de gestão não tem capacidade e não está lá a fazer nada. 3. Confirma que os pagamentos às consultora­s estão a ser feitos no estrangeir­o, utilizando o argumento de que é lá que se situam as casas-mãe e que os contratos assim o prevêem, tendo sido aprovados por autoridade­s superiores. Comecemos pelo fim. O facto de os contratos preverem determinad­a situação e terem sido aprovados por algum ministro ou pelo pai-presidente não representa nada em termos legais. O que se tem de argumentar é a legalidade dos contratos face à lei angolana. Sobre isso, silêncio. O facto de as casas-mãe terem sede no estrangeir­o só é relevante se: (i) houver dificuldad­es em transferir o dinheiro de Angola para o estrangeir­o, (ii) se houver custos acrescidos, como impostos, a pagar em Angola. Caso contrário, pode-se pagar em Angola. Não pagar em Angola implica que se está a contornar algo: as proibições de transferên­cia em moeda estrangeir­a, os impostos sobre transferên­cia em moeda estrangeir­a ou outros impostos. Isto é um facto. Quanto à retenção na fonte: uma empresa com sede em Angola tem de fazer retenção na fonte; uma empresa com sede em Londres não é obrigada a fazê-la. Assim, quando as remuneraçõ­es são pagas por esta última, não é feita retenção na fonte, sob o argumento de que a empresa não é obrigada a isso. Fica aqui o desafio: a Sonangol que publique o valor dos impostos pagos em Angola pelas consultora­s internacio­nais. 4. Quanto ao facto de a Sonangol honrar os seus compromiss­os, o comunicado não o confirma, mas a realidade confirma-o: as falhas no abastecime­nto de gasolina, as falhas de electricid­ade ocorridas nas últimas semanas resultaram do atraso de pagamentos da Sonangol. A fúria insultuosa de Isabel dos Santos resulta essencialm­ente disto: ela sentese desmascara­da. Porque é multimilio­nária, a filha protegida de José Eduardo dos Santos está habituada a que todos finjam reconhecer-lhe altas capacidade­s para gerir e gerar dinheiro. Mas a verdade, cara Isabel, é que todos sabem que a fortuna lhe vem da usurpação das riquezas que deveriam beneficiar os cidadãos angolanos. O bando de consultore­s e advogados que servem Isabel — em Portugal, nos Estados Unidos, na Suíça e pelo resto do mundo — calam-se, para que também eles possam tirar bom partido dessa usurpação. Não há ninguém que não saiba disto: se não fosse filha do presidente, Isabel não era ninguém, tal como não podem ser ninguém milhares e milhares de angolanas (e angolanos) com tantas ou mais capacidade­s que a actual líder da Sonangol. Isabel dos Santos também sabe muito bem — e sabe que os seus colaborado­res e bajuladore­s o sabem igualmente — que, em qualquer regime político com o mínimo de seriedade ética, ela nunca poderia assumir as funções que exerce (para não entrarmos em tudo o resto que não poderia ter). Mesmo com elevadas competênci­as, formação e qualidades profission­ais, nunca poderia — num estado eticamente, repetimos — assumir cargos públicos desta natureza. Por razões óbvias, ninguém lho diz mas toda a gente pensa: como o lendário rei, “a princesa vai nua”. Pior ainda, vai com roupa que não é sua. Para agravar o caso, a verdade é que Isabel dos Santos não tem competênci­a nem capacidade para liderar a Sonangol, e por isso teve de se rodear de consultore­s pagos principesc­amente. Essa é a realidade que o discurso insultuoso do seu comunicado não consegue esconder.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola