Folha 8

“DEUS”, O REI E O MALANDRO

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José Eduardo dos Santos foi o “escolhido de Deus”, se bem que muitos ainda pensem que ele próprio era o deus. E foi ele, numa dessas duas qualidades, quem escolheu o Malandro para o substituir. Teremos então João Lourenço, o Malandro, como o novo Kim Jong-un de Angola. Ou será o novo Teodoro Obiang? Assegurada que está a esmagadora vitória do MPLA nas eleições previstas para Agosto (nesta Angola o regime não deixa para amanhã o que pode ganhar hoje), o Folha 8 inicia já a campanha mundial para que o Malandro seja a figura do ano de 2017. Para um regime que tem nas suas estruturas militares o pelouro da Educação Patriótica das Forças Armadas Angolanas, não está nada mal passar o Malandro a ser o “escolhido do deus Eduardo”. Quanto a João Lourenço, o Malandro, poderemos começar já a escrever a sua história, recordando desde logo que ele é “o líder de um ambicioso programa de Reconstruç­ão Nacional”, que a “sua acção conduziu à destruição do regime de “apartheid”, que teve “um papel de primeiro plano na SADC e na CDEAO”, que “a sua influência na região do Golfo da Guiné permitiu equilíbrio­s políticos, tal como permitiu avanços significat­ivos na crise de Madagáscar”. Recordese que “Angola já foi um país ocupado por forças estrangeir­as” e que, “se por hipótese hoje Angola fosse a Líbia, o país estava novamente a atravessar um período de grande instabilid­ade e perturbaçã­o. Mas como o tempo não recua, Luanda é uma ci- dade livre”. Tudo graças ao Malandro. Como Angola não é a Líbia, embora o Malandro seja uma cópia de Muammar Kadafi, de quem aliás era amigo, ainda falta algum tempo até que o Povo derrote o ditador. Veremos os sinais que vão sair das urnas em Agosto. “Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus” e também ao “escolhido do deus Eduardo”) estava a ser cercada militarmen­te e bombardead­a por uma aliança militar e submetida a todos os outros membros dessa organizaçã­o bélica, que tinham escolhido para presidente de um qualquer CNT um “rapper” com nome de oxigénio, devidament­e ajudado por outro com apelido de marechal”, repetirá um dia destes o JM (Jornal do Malandro, ex-jornal de Angola) do alto da sua cátedra de correia de transmissã­o de um regime que colocou o país no topo do mais corruptos do mundo. Mas é bom registar e relembrar e antever as afirmações do JM. Desde logo porque, como sempre acontece nas ditaduras, ainda vamos ver os mesmos protagonis­tas embandeira­r em arco quando Eduardo dos Santos passar de bestial a besta. Para já o JM ainda está na fase de ensaios sobre o Malandro. (...) Falar de democracia num país que têm 68 por cento de gente a viver na miséria, e que trata os jornalista­s não afectos ao regime como inimigos, é o mesmo que dizer que os rios nascem no mar. E se o “escolhido do deus Eduardo”, o Malandro, assim quiser, um dia isso vai acontecer. “Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido do deus Eduardo”), este jornal não circulava e os seus jornalista­s não se atreveriam a escrever estas verdades porque eram logo massacrado­s como estão a massacrar os negros em Tripoli e outras cidades líbias “libertadas” pela aliança militar”, considerar­á o JM. Importa dizer, desde logo porque nem todas fomos comprados pelo regime, que o JM não tem jornalista­s ao seu serviço. Tem, apenas isso, funcionári­os do partido que escrevem o que lhes mandam e que, em muitos casos, não assinam os textos porque ficaria mal em vez do nome colocar a impressão digital. “Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido do deus Eduardo”), estávamos de novo a sofrer as investidas militares de regimes estrangeir­os aliados a uma frente de oportunist­as e intriguist­as que procuram ignorar quem combateu e deu tudo pela concórdia e harmonia entre os angolanos”, afirmará o órgão de propaganda do regime. Por regra, o JM sente um orgasmo especial em atacar os poucos jornalista­s que não foram comprados pelo regime do Malandro. Mas até isso acabou… está em vias de acabar. Tem, obviamente, todo o direito de o fazer. Para o pasquim do MPLA, “os órgãos de comunicaçã­o social portuguese­s, salvo raras excepções, em vez de reflectire­m a realidade portuguesa e europeia, andam entretidos a intrometer-se na política angolana”. Pois é, mas até esses arrepiaram caminho em direcção aos dólares da Sonangol, recordará o Malandro citando o exemplo de Paulo Catarro e até de outros que lhe seguir o exemplo. (...) Diz o JM, reflectind­o aliás a velha cartilha dos tempos (mesmo hoje a diferença é pouca) do partido único, que “os mentores desses exercícios de colonialis­mo retardado têm a mesma origem de sempre mas deixam de fora o rabo de quem lhes paga os disparates sem sentido.” Neste aspecto, reconhecem­os, o JM tem toda a razão. Quanto ao rabo, é verdade que no caso do Jornal do Malandro, ex-jornal de Angola, tal não se aplica… embora ainda se notem as marcas. Diz o órgão oficial do MPLA: “Se um jornal angolano escrevesse um editorial a sugerir que o presidente Cavaco Silva não se candidatas­se ao segundo mandato porque foi dez anos Primeiro-ministro e fez mais cinco na Presidênci­a, o alarido em Lisboa era tal que até a Ponte 25 de Abril vinha abaixo, como já caiu fragorosam­ente a revolução dos capitães”. Brilhante. Esquece-se o JM que, ao contrário do reino do seu mentor, Cavaco Silva – seja como primeiro-ministro ou presidente – sempre foi nominalmen­te eleito. Sabemos que a democracia “made in MPLA” não implica, antes pelo contrário, que seja necessário haver eleições. Aliás, não faria sentido eleger quem é o “escolhido de Deus” ou quem é o “escolhido do deus Eduardo”. “Se em Angola algum órgão de informação ousasse escrever que Alberto João Jardim não deve concorrer a um novo mandato de presidente do Governo Regional da Madeira, o alarido em Lisboa era tal que o edifício da Caixa Geral de Depósitos ruía, como está em ruínas o sistema financeiro europeu e a Zona Euro ameaça derrocada”, diz e muito bem o boletim oficial do regime. Esquece-se, mais uma vez, que também Alberto João Jardim foi eleito, ao con- trário do sumo pontífice do MPLA, que está no poder há 38 anos sem nunca ter sido nominalmen­te eleito. “O Presidente João Lourenço não governa. Ele é o líder de um povo que teve de enfrentar de armas na mão a invasão de exércitos estrangeir­os e os seus aliados internos”, escreverá o JM, repescando as regras dos áureos tempos em que se impunha que o povo é o MPLA, o MPLA é o povo. “João Lourenço foi o líder militar que derrubou o regime de “apartheid”, o mesmo que tinha Nelson Mandela aprisionad­o. João Lourenço só aceitou depor as armas quando a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir regimes livres e democrátic­os”, recorda com a sua habitual perspicáci­a o JM, mesmo sabendo que estará a plagiar o que escrevera sobre José Eduardo dos Santos. Pensamos que, neste aspecto, bem poderia ser menos modesto. É que foi graças a João Lourenço, o Malandro, que Portugal adoptou a democracia, que a escravatur­a foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar… “Os media portuguese­s pelo menos deviam reconhecer o que João Lourenço tem feito para que os portuguese­s não vão ao fundo com a crise. Eles mais do que ninguém deviam propor o seu nome para Prémio Nobel da Paz”, salientará um dia destes – com raro sentido de oportunida­de – o Jornal do Malandro. Também concordamo­s que Eduardo dos Santos e João Lourenço merecem o Prémio Nobel da Paz. E, já agora, o Jornal do Malandro merece – no mínimo – o Prémio Pulitzer.

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