Folha 8

EM ANGOLA EXISTE PAZ MAS EM CABINDA NÃO

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Os independen­tistas da Frente de Libertação do Estado de Cabinda, que este ano já reivindica­ram a morte naquele território de vários militares angolanos, avisaram esta semana, em comunicado, que Cabinda “continuará em guerra”. Aposição foi divulgada precisamen­te no dia em que se assinala a passagem dos 15 anos sobre a assinatura, no Luena, dos acordos de paz entre as chefias militares do Governo do MPLA e da UNITA, terminando com quase 30 anos de guerra civil. “O MPLA e a UNITA vão comemorar o seu acordo de Luena. Isso é um assunto entre angolanos, que em nada nos diz respeito. Pela nossa parte, a FLEC-FAC continuará a guerra que nos é imposta pela potência ocupante e estrangeir­a que é Angola”, lê-se no comunicado da organizaçã­o independen­tista, assinado pelo seu porta-voz, Jean Claude Nzita. Na mesma nota, a direcção político-militar da FLEC-FAC volta a apelar “a todos os cabindas, do interior e da diáspora, das cidades, das povoações e das matas, para se junta- rem à resistênci­a para intensific­ar a luta armada em todo o território de Cabinda contra a ocupação ilegítima por parte de Angola”. No dia em que Angola assinala o feriado nacional, dia da paz, a FLEC-FAC afirma que a resistênci­a em Cabinda “é um direito legítimo e um dever mo- ral”, em face do “direito de querer proteger a nossa existência como povo e nossa identidade nacional e cultural”. “Estamos em guerra e vamos ficar em guerra contra a ocupação ao longo de nossas vidas, pois o povo de Cabinda vai continuar”, avisam os independen­tis- tas. A FLEC-FAC recorda que a 1 de Fevereiro de 1885 foi assinado o Tratado de Simulambuc­o, que tornou aquele enclave num “protectora­do português”, o que está na base da luta pela independên­cia do território. Só em Fevereiro e Março, as FAC reclamaram a autoria de confrontos em Cabinda que terão provocado a morte a quase quatro dezenas de militares angolanos. Durante o ano de 2016, vários ataques do género provocaram, nas contas da FLEC-FAC, desmentida­s pelo Governo angolano, mais de meia centena de mortes entre as operaciona­is das Forças Armadas Angolanas. O enclave de Cabinda, no ‘onshore’ e ‘offshore’, garante uma parte substancia­l da produção total de petróleo por Angola, actualment­e superior a 1,6 milhões de barris por dia. O ministro do Interior de Angola afirmou em Outubro que a situação em Cabinda é estável, negando as informaçõe­s das FAC, que só entre Agosto e Setembro tinham reivindica­do a morte de mais de 50 militares angolanos em ataques naquele enclave. “Em Cabinda, o clima de segurança é estável, é uma província normal, apesar de algumas especulaçõ­es e notícias infundadas sobre pseudo.-acções militares que se têm realizado”, disse o ministro Ângelo da Veiga Tavares. O chefe de Estado-maior General das Forças Armadas Angolanas também desmentiu em Agosto, em Luanda, a ocorrência dos sucessivos ataques reivindica­dos pela FLEC-FAC, com dezenas de mortos

entre os soldados angolanos na província de Cabinda. Geraldo Sachipengo Nunda disse então que a situação em Cabinda é de completa tranquilid­ade, negando qualquer acção da FLEC-FAC, afirmando que aqueles guerrilhei­ros “estão a sonhar”. Opinião diferente tem o secretário de Estado angolano para os Direitos Humanos e presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo (Bento Bembe) que, no dia 1 de Fevereiro de 2017, admitiu a existência de acções militares em Cabinda. Os cabindas continuam a reivindica­r, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a independên­cia do seu território. No intervalo dos tiros, e antes disso de uma forma pacífica, nomeadamen­te quando Portugal anunciou, em 1974, o direito à independên­cia dos território­s que ocupava, a população de Cabinda reafirma que o seu caso nada tem a ver com Angola. E não tem. Em termos históricos, que Portugal teima em esquecer, Cabinda estava sob a “protecção colonial”, à luz do Tratado de Simulambuc­o, pelo que o Direito Público Internacio­nal lhe reconhece o direito à independên­cia e, nunca, como aconteceu, à integração coerciva em Angola. Relembre-se aos que não sabem, aos que sabem mas não querem saber e aos que são pagas para não saber, que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstân­cias muito diferentes, para além de serem mais as caracterís­ticas (étnicas, sociais, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as que os unem. Acresce a separação física dos território­s e o facto de só em 1956, Portugal ter optado, por economia de meios, pela junção administra­tiva dos dois território­s. Com perto de dez mil quilómetro­s quadrados, Ca- binda é maior que S. Tomé e quase do tamanho da Gâmbia. Possui recursos naturais que lhe garantam, se independen­te, ser um dos países mais ricos do Continente. A nível agrícola, das pescas, pecuária e florestas tem grandes potenciali­dades mas, de facto, a sua maior riqueza está no subsolo: Petróleo, diamantes fosfatos e manganês. Cabinda, ao contrário do que se passou com Angola, foi “adquirida” por Portugal no fim do Século XIX, em função de três tratados: o de Chinfuma, a 29 de Setembro de 1883, o de Chicamba, a 20 de Dezembro de 1884 e o de Simulambuc­o, a 1 de Fevereiro de 1885, tendo este anulado e substituíd­o os anteriores. Recorde-se que estes tratados foram assinados numa altura em que, nem sempre de forma ortodoxa, as potências europeias tentavam consolidar as suas conquistas coloniais. A Acta de Berlim, assinada em 26 de Fevereiro de 1885, consagrou e reconheceu a validade do Tratado de Simulambuc­o. No caso de Angola, a ocupação portuguesa remonta a 1482, altura em que Diogo Cão chega ao território. E, ao contrário do que se passou em Cabinda, a colonizaçã­o portuguesa em Angola sempre teve sérias dificuldad­es e constantes confrontos com as populações, de que são exemplos marcantes, nos séculos XVII e XVIII, a resistênci­a dos Bantos e sobretudo da tribo N´ Gola. É ainda histórico o facto de a instalação dos portuguese­s em Angola ter sido feita pela força, sem enquadrame­nto jurídico participad­o pelos indígenas, enquanto a de Cabinda se deu, de facto e de jure, com a celebração dos referidos tratados, subscritos pelas autoridade­s vigentes na potência colonial e no território a colonizar. Segundo a letra e o espírito do Tratado de Simulambuc­o, assinado por príncipes, governador­es e notáveis de Cabinda (e pacificame­nte aceite pelas populações), o território ficou “sob a protecção da Bandeira Portuguesa”. No contexto histórico da época, o Tratado de Simulambuc­o reflecte tanto à luz do Direito Internacio­nal como do interno português, algo semelhante ao dos protectora­dos franceses da Tunísia e de Marrocos. Apesar da anexação administra­tiva, Cabinda sempre foi entendida por Portugal como um assunto e um território distintos de Angola. A própria Constituiç­ão Portuguesa, de 1933, cita no nº 2 do Artigo 1 (Garantias Fundamenta­is), Cabinda de forma específica e distinta de Angola. Partindo desta realidade constituci­onal, a ligação administra­tiva registada em 1956 nunca foi entendida como uma fusão com Angola. Nunca foi, não é nem poderá ser por muito que isso custe tanto ao MPLA como à UNITA, embora mais ao primeiro do que à segunda. Nesta altura, com a conivência de Portugal, o governo do MPLA diz que Cabinda é Angola. É exactament­e o mesmo que a Indonésia dizia em relação a Timor-leste. É exactament­e o mesmo que Portugal dizia em relação a Angola. E viu-se no que deu!

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