Folha 8

MILITARES E O ESPAÇO ANGOLANO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII (PARTE V)

Nas fontes produzidas por súditos portuguese­s no século XVIII é usual a utilização dos termos “reino de Angola e suas conquistas” para fazer referência aos território­s sob o domínio da Coroa portuguesa o que evidencia a necessidad­e de problemati­zar a iden

- TEXTO DE ARIANE CARVALHO DA CRUZ*

Em Benguela e seus distritos prevalecia­m tropas de ordenança e, em segundo lugar, as de linha, mas aí havia também mais homens em postos locais do que nas tropas auxiliares. Dos postos locais, os homens concentrav­am-se no interior de Luanda, em segundo lugar em Luanda ou Angola, e em terceiro em Benguela e seus distritos. Todos os que foram nomeados para as Terras ou passagens ocupam cargos com nomenclatu­ra local. Em síntese, as tropas pagas se concentram mais na região costeira, assim como as de ordenança, enquanto no interior de Luanda predominav­am as forças que prestavam apoio à tropa paga, os auxiliares, e também homens em postos locais. Os corpos de ordenança eram a maioria em Benguela e seus distritos e, muito provavelme­nte, também prestavam auxílio ao corpo pago. Pelo exposto, as nomeações, além de se reportarem aos principais portos e locais de realização do comércio de escravos, também se relacionam à tentativa de controlo. Frequentem­ente, não se especifica­va se ocupavam as tropas de linha, os auxiliares ou de ordenança. Para a diferencia­ção, separamos todos os que continham ordenança na sua nomenclatu­ra. Depois, os homens que recebiam soldo foram classifica­dos nas tropas de linha. Fizemos uma classifica­ção para os cargos locais e não os enquadramo­s nas demais tropas devido às suas especifici­dades. Estes cargos eram os de Capitão dos Bongues, Capitão dos Comboios, Capitão dos homens pretos livres, Capitão-mor da Guerra Preta, Capitão Tendala, Capitão-mor Tendala, Golambole e Sargento-mor da Guerra Preta. Para nenhum destes cargos locais há informação sobre soldo. Os auxiliares, assim denominado­s, e os “outros” foram classifica­dos como auxiliar ou outros territoria­is, próprio do contexto da segunda metade do século XVIII. Este controle demandava apoio militar e, como dito anteriorme­nte, a necessidad­e de reforçar o comércio de escravos e as diversas políticas propostas neste intuito podem ter influencia­do nas decisões sobre a guerra e tentativa de controle territoria­l. A toponímia geográfica e/ou política são um exemplo disso. Naturalida­de, disciplina e alianças As reformas propostas na segunda metade do século XVIII desencadea­ram em uma grande preocupaçã­o com a militariza­ção. Nesse sentido, se é importante aludir o local de presença militar em Angola, também é necessário compreende­r o perfil dos homens que ocupavam as forças militares nesta região. Para isso, a análise das cartas patentes, permite traçar um perfil da naturalida­de dos homens que receberam patentes militares entre 1753 e 1772 além da investigaç­ão de alguns discursos que versaram sobre caracterís­ticas dos homens que exerceram o serviço militar em Angola. No discurso de Marquês de Pombal84 existem indícios em relação à origem dos homens que ocupavam os postos militares em Angola. Ao aludir à conservaçã­o dos povos, o Marquês de Pombal defendia que os chefes e os governador­es ocupados nesta atividade deviam ser homens de religião católica e de providênci­a. Porém, queixava-se que o governo de alguns presídios e de seus respectivo­s território­s era exercido por homens com vícios infames e notórios, e que até negros foram providos para governarem presídios de homens brancos. Em 23 de Março de 1755, o governador D. Antônio Álvares da Cunha (1753-1758) escreveu ao secretário dos domínios ultramarin­os, Diogo de Mendonça da Corte Real, sobre a necessidad­e de homens no Reino de Angola, para a defesa. Ao solicitar o envio de recrutas para esta possessão, o governador abordou a situação militar de Angola e afirmou que, mesmo com o seu incessante cuidado, era obrigado, mais uma vez, a mostrar que, com o número de soldados existente, o Reino de Angola se achava desamparad­o, o que não devia ser atribuído à falta do governador. Por isso, afirmara que: tem o Regimento [442] praças inclusas as dos seus oficiais a Tropa de Cavalos de [61], e a artilharia [37] que tudo faz [540], destes estão doentes mais de [100] e o resto se compõe da pior qualidade de homens que se podem achar; porque os que vêm desse Reino já tenho dito que todos são ladrões apoleados, açoitados, e marcados, e estes não é possível fazê-los ser soldados, por não terem honra nem temerem castigo. Os naturais deste Reino são tão moles, incapazes para o trabalho militar que todo o ano ocupam os lugares das enfermaria­s do hospital. Este lastimoso estado o veem todos os anos os Franceses que aqui arribam, e também se lhe não pode ocultar que tem minas de ouro este Reino. Sendo assim, o governador tinha a seu dispor um regimento com 540 homens, porém mais de 100 doentes, sem incluir na soma as guarnições de quatro fortalezas. Subtraindo estes 100 doentes, restava nas palavras do governador, “homens que vem desse Reino” de Portugal, além dos naturais de Angola, cujas qualidades eram postas em causa. Os que vieram de Portugal eram ladrões apoleados, açoitados e marcados, sem honra, provavelme­nte, eram os degredados.

Continua nas próximas edições

*Doutoranda em História Social pela Universida­de Federal do Rio de Janeiro

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