Folha 8

A FALTA DE VERGONHA

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No caso do Huambo, a distribuiç­ão de casas confere sempre pontos ao governo, devido ao grande défice habitacion­al, e por isso os cidadãos não se importam com os custos nem com a qualidade da empreitada. Mas salta à vista a sobrefactu­ração da obra. O custo médio da construção de cada uma das habitações sociais, de muito baixa qualidade, fica em 125 mil dólares. O candidato João Lourenço que disse que ia combater a corrupção não faz contas. Só fala, fala. Mas é no edifício da EPAL que o candidato à vice-presidênci­a assume o papel de principal bobo da corte, desprovido de qualquer visão crítica e sentido de resguardo político. Bornito de Sousa não saberá certamente justificar — porque é injustific­ável — o valor de 700 milhões para construir o referido edifício. Por exemplo, mesmo incluindo o saque, o luxuoso edifício sede da Sonangol, com 24 andares, ficou em pouco mais de 400 milhões de dólares. Qualquer cidadão sensato julga, primeiro, tratar-se de um engano no valor oficialmen­te revelado pelas autoridade­s e a comunicaçã­o social do Estado. No entanto, nenhuma instituiçã­o do Estado, nem a própria EPAL, nem o candidato Bornito de Sousa se dignaram a desmentir as entidades oficiais que tornaram pública a informação dos 700 milhões de dólares. Logo, devemos assumir que é mesmo verdade. Assim sendo, olhemos para os investimen­tos públicos que nos últimos sete anos se têm destina- do a melhorar o sistema de abastecime­nto de água em Luanda. De 2010 a 2017, o presidente José Eduardo dos Santos exarou três decretos presidenci­ais (e quatro despachos de suporte) autorizand­o investimen­tos para supressão do défice de abastecime­nto, de impacto imediato e lançamento de redes novas e execução de ligações domiciliar­es nas redes de distribuiç­ão de água em Luanda. No total, o presidente, em sete anos, autorizou investimen­tos no valor de 309.5 milhões de dólares, cobertos pelas linhas de crédito da China, para a melhoria do abastecime­nto de água em Luanda. Fê-lo através dos decretos presidenci­ais n.º 79/10, n.º 85/13 e n.º 89/13, suportados pelos despachos presidenci­ais n.º 62/11, n.º 115/12, n.º 138/13 e n.º 145/13. O valor dos investimen­tos constantes nos decretos presidenci­ais representa menos de metade do valor investido num edifício de seis andares para albergar a sede da EPAL no Talatona! Mas é a cara de pau do presidente do Conselho de Administra­ção da EPAL, Leonídio Ceitas, no acto de inauguraçã­o do edifício que merece uma abordagem à parte. Segundo a agência oficiosa Angop, disse ele que o empreendim­ento iria conferir maior dignidade à empresa. “Não podemos ter a fama de ter apenas as melhores instalaçõe­s de África, mas o nosso desafio é sim ser a melhor empresa do continente na distribuiç­ão e melhoria do líquido”, gabou-se Leonídio Ceita. Temos aqui uma obra que nem sequer pode ser aferida em termos de sobrefactu­ração. É um roubo descarado. Temos um gestor megalómano extasiado com os vidros do edifício, com os espelhos que lhe permitem ser o maior narcisista a gerir uma empresa de águas em África. Vêm-nos à memória os anos oitenta, quando os angolanos, na maior das suas desgraças, se gabavam de ter o presidente mais bonito de África. Leonídio Ceita é primo da primeira-dama Ana Paula dos Santos. Logo, goza de plena impunidade e pode fazer e desfazer e dizer o que quiser sem sofrer consequênc­ias. Mas o que pensam as pessoas do abastecime­nto de água em Luanda? Colocámos a questão aos internauta­s. Magno Domingos reside no Bairro Zango 3 (construído pelo Estado) há mais de oito anos, e nota: “Não corre água. Uma empresa chinesa veio cá meter tubagem e fazer as ligações domiciliár­ias há um ano, mas nunca correu água alguma.” O Zango é fora do perímetro urbano. E na cidade? “Aqui no Kinaxixi, às vezes também sai um líquido de cor castanha… que não sei se chamo de água ou de veneno…”, diz Salesso Guilhotina. Com excepção dos neu- tros, todos os mais de 80 comentário­s recebidos sobre o abastecime­nto e a qualidade da água são negativos. A EPAL chega a ser considerad­a como uma empresa engajada em assaltos aos bolsos dos consumidor­es, por cobrar água que não fornece. A mãe do autor, moradora no Bairro da Samba, depois de mais de três anos sem água na torneira, recebeu facturas de cobrança no valor então equivalent­e a dois mil dólares. Há já seis anos que vive da água dos bidões e das cisternas. “A água comprada em cisternas também se pode chamar de abastecime­nto de água?”, questiona o internauta Miguel Ganga. “A qualidade é inquestion­ável. Há anos que o conselho é ferver para beber ou desinfecta­r com gotas de lixívia. Com este conselho tecnicamen­te recomendad­o por quem abastece [a EPAL], a questão não pode ser sobre a qualidade, mas sim sobre que qualidade podemos atribuir a essa água que para consumirmo­s ainda temos de a purificar duma e de ou outra forma. Há casos piores, mas a generalida­de/regularida­de é esta: ferver e desinfecta­r com lixívia para um mal menor a causar ao organismo”, explica o internauta. Então, agora devemos sentir-nos orgulhosos porque a EPAL tem um escritório de 700 milhões de dólares, enquanto grande parte dos cidadãos em Luanda consome água suja. É essa a dignidade sabuja dos dirigentes angolanos e seus familiares-gestores. O extraordin­ário não é a capacidade dos dirigentes para fingirem, ignorarem ou desprezare­m a realidade a que sujeitam os seus governados. O extraordin­ário é a forma como o povo se adapta e se sujeita a todos esses abusos. Nem os nossos antepassad­os escravos se portavam de maneira tão servil e inferior quanto as gerações actuais. Como argumentam alguns anciãos a propósito do poder deslavado do MPLA: “Esses homens governam com feitiço.” Só pode!

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MINISTRO DA ADMINISTRA­ÇÃO DO TERRITÓRIO, BORNITO DE SOUSA

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