Folha 8

COMO A ODEBRECHT LHE ENSINOU A USAR A SANITA

- TEXTO DE RAFAEL MARQUES DE MORAIS ( *)

Orecente depoimento à Procurador­ia-geral da República Federativa do Brasil de Emílio Odebrecht, patrono e antigo presidente da multinacio­nal brasileira Odebrecht, contém revelações importante­s: por exemplo, como esta multinacio­nal ensinou os angolanos a usarem a sanita. “Para ter uma ideia, nós não tínhamos condições de ficar em residência­s, a não ser com uma reforma total, porque eles pegavam a privada e botavam flores, não usavam a privada, então a finalidade da privada era para servir de vaso”, afirmou Emílio Odebrecht. Ora, quando a Odebrecht veio para Angola, certamente não alugava casas nos musseques, onde, a bem da verdade, muitas residência­s precárias, de autoconstr­ução, não tinham sanitas nas casas de banho, mas sim buracos no chão. A Odebrecht alugava em áreas urbanas, onde residia e reside a elite do MPLA. Esta menção de um certo “romantismo” da classe média e dirigente do MPLA que, segundo Emílio Odebrecht, usava as sanitas como vasos para flores e não para de- fecar, surge então como exemplo da desqualifi­cação dos angolanos em geral. De acordo com o brasileiro, até à chegada da Odebrecht a Angola, em 1984, a mão-de-obra local era “completame­nte desqualifi­cada”. O angolano “era aquele braçal terra-terra”, como consequênc­ia do colonialis­mo, já que “os portuguese­s ocupavam todas as camadas”. José Eduardo dos Santos, que tudo confiou à Odebrecht, incluindo a diplomacia angolana, também não é poupado: Emílio Odebrecht dá-nos a conhecer um presidente inepto, sem ideias e totalmente dependente de empresário­s estrangeir­os para fazer o seu trabalho. Chegamos a conhecer até um presidente choraminga­s, que faz uma confissão a Emílio Odebrecht: “Doutor, eu optei por fazer uma parceria estratégic­a com os russos, os soviéticos, porque fui expulso pelos Estados Unidos, porque eles priorizara­m a UNITA.” Diante disto, paternal, Emílio Odebrecht explica como “eles [angolanos] não tinham acesso aos Estados Unidos. Nós conseguimo­s inclusive com a OEA [Organizaçã­o dos Estados Americanos]… ele não gosta que eu fique falando disso, dói nele, mas um dia ele vai aprender que isso tem valor, esses intangívei­s. Então nós construímo­s a entrada desse pessoal lá para Angola ter uma presença formal dentro dos Estados Unidos, por intermédio da OEA. Esse foi um trabalho que o Brasil, por nosso intermédio, fez”. Portanto, segundo se depreende a partir do depoimento, foi a Odebrecht, a pedido de José Eduardo dos Santos, quem conseguiu o reconhecim­ento de

Angola pelos Estados Unidos da América. O regime do MPLA queixa-se sempre do imperialis­mo dos Estados Unidos. Todavia, José Eduardo dos Santos ansiava – até de forma humilhante – ser reconhecid­o pelos americanos, e fez apenas uma parceria estratégic­a de conveniênc­ia com a União Soviética. Este episódio revela um estadista sem carácter político, um então falso marxista-leninista, um falso democrata, um falso capitalist­a, um falsário político. Em alternativ­a, o revelador desta confissão eduardiana, Emílio Odebrecht, é um grande mentiroso. Cabe à presidênci­a esclarecer. Mas Emílio Odebrecht não se fica por aí. Também afirma que foi a Odebrecht quem ensinou o presidente a gizar um plano director de desenvolvi­mento para o interior de Angola. Ou seja, para o presidente e o MPLA, Angola era apenas Luanda, até que o Sr. Emílio lhes abriu os olhos para o resto do país. Esse plano, aparenteme­nte, foi inculcado na cabeça do presidente antes do fim da guerra. “Não se limitar a Luanda. Principalm­ente com a iminência da paz. Com a vinda da paz, era importante a interioriz­ação”; explica o ex-presidente da Odebrecht. Até ao alcance da paz, o presidente não sabia nada de nada, nem os quadros do MPLA. Aí veio a Odebrecht, outra vez, segundo o Sr. Emílio, com a sua quarta fase de intervençã­o em Angola, a diversific­ação do investimen­to, incluindo o plano energético para o país. Como exemplo, Emílio Odebrecht destaca que “eles [angolanos] são carentes de açúcar, nós fizemos um investimen­to lá, que é o investimen­to maior que existe na área de açúcar e álcool, onde a produção é 90% açúcar, que eles importam 100%. Então esse investimen­to foi feito e é um sucesso”. Quantos angolanos já viram e consomem o açúcar produzido pela Biocom em Malanje? Este é o sucesso a que Emílio Odebrecht se refere. A Biocom foi constituíd­a há dez anos pela Odebrecht, pela Sonangol, pelo actual vice-presidente, Manuel Vicente, pelo ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, e pelo general Leopoldino Fragoso do Nascimento. Trata-se de mais um esquema altamente corrupto da multinacio­nal brasileira com o círculo restrito do poder de José Eduardo dos Santos. Recentemen­te, a Odebrecht foi obrigada a pagar uma multa de nove milhões de dólares no Brasil, depois de ter sido condenada, em 2015, por uso de trabalho escravo e tráfico de pessoas na Biocom. Prova de que a Odebrecht controla os dirigentes angolanos com quem tem negociado é o modo como o Sr. Emílio explica que o regime confiou dois biliões de dólares à Odebrecht para Luanda. “Aquilo lá era um lixeiro.” Odebrecht gaba-se também de a sua empresa ter criado um plano de saneamento para Luanda e para o país. “Então hoje você vai para Angola, ela tem as principais vias hoje, são todas asfaltadas, e tem todo um programa de lixo, hoje controlado. Tem uma empresa, parece que belga ou francesa, que explora o programa do lixo”, afirma Emílio Odebrecht. Basta ver, aliás, o lixeiro actual construído pela Odebrecht, a Vala de Drenagem n.º 1, em Luanda, que desemboca na praia pequena da Samba. Parece claro que em Angola, com o seu racismo indisfarçá­vel, as mentiras e as gabarolice­s, Emílio Odebrecht encontrou uma elite neocolonia­l do MPLA com a qual forma um perfeito par de salteadore­s. (*) Maka Angola

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EMÍLIO ODEBRECHT “DEFECANDO” O AMIGO ANGOLANO
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