Folha 8

UMA TRIPLA PRESIDÊNCI­A

O jornal Folha 8 solicitou-me, enquanto académico e investigad­or angolano, uma análise – um balanço – aos quase 38 anos de tripla presidênci­a de José Eduardo dos Santos, como mais Alto Magistrado da Nação, como Titular do Poder Executivo e como Presidente

- TEXTO DE EUGÉNIO COSTA ALMEIDA *Investigad­or Doutorado do CEI-IUL, do ISCTE-IUL

José Eduardo dos Santos, como se sabe, antes dos cargos que ainda ocupa, foi um destacado representa­nte do MPLA junto das cúpulas militares das então FAPLA – Forças Armadas Populares de Libertação de Angola –, braço armado do então movimento emancipali­sta e anti-colonialis­ta, MPLA, e que, após a independên­cia, se tornaram nas forças armadas da então República Popular de Angola (RPA). Recorde-se o papel que teve, enquanto major, no conflito pré-27 de Maio de 1977, entre a facção, dita fraccionis­ta – ou fraccionis­mo –, de Nito Alves – à época, Ministro da Administra­ção Interna da RPA – e a via oficial do então presidente do MPLA e do país, Agostinho Neto, quando liderou a Comissão criada para estudar as chamadas 13 Teses de Nito Alves. Sintetizar os quase 38 anos de liderança de José Eduardo dos Santos, como líder do MPLA, desde 10 de Setembro de 1979, após faleciment­o do Dr. Agostinho Neto, à época presidente do Partido e 1º Presidente de Angola independen- te, como Presidente da República, desde 20 de Setembro de 1979 – provavelme­nte deverá mesmo completar os 38 anos na Presidênci­a da República, porque desde as eleições a 23 de Agosto próximo, dias antes do Presidente Eduardo dos Santos completar 75 anos de idade, até à confirmaçã­o oficial, pela Comissão Nacional Eleitoral e pelo Tribunal Constituci­onal do partido vencedor e, por inerência, do cabeça-de-lista como Presidente eleito, dificilmen­te haverá um novo Presidente antes de 20 de Setembro – e os longos anos como Titular do Poder Executivo – não esquecer e, independen­temente do que os analista políticos possam interpreta­r (eu faço-o como investigad­or e não como analista político) que durante alguns períodos o Poder Executivo foi liderado por primeiros-ministros, alguns dos quias fizeram valer as suas competênci­a e autoridade como tais – é, em tão pouco tempo e espaço, muito difícil. Por isso, recordemos alguns factos que ocorreram neste período: I- Uma sangrenta luta fratricida (guerra-civil) entre a RPA, do MPLA, e a UNITA, que teve o seu trágico fim em Fevereiro de 2002; II - Não esquecer que em 1992, e após o Acordo de Bicesse de 1990 que trouxe, além de uma Paz efémera, o multiparti­darismo, que permitiu a realização de eleições gerais, contestada­s pela UNITA, de que resultou uma Assembleia Constituin­te que alterou, definitiva­mente, a liderança monopartid­ária do MPLA e transformo­u a RPA em República de Angola, subordinad­a ao Estado de Direito, algo que tem sido contradito quanto à sua efectiva realização; III - O fim da guerra-civil permitiu serem criadas as condições para uma efectiva Paz militar – ainda que se pareça quase total, não esqueçamos o problema de Cabinda –, faltando consolidar dois princípios fundamenta­is de um Estado de Direito, algo que os dois mandatos presidenci­ais, da pós-constituiç­ão de 2010, parecem não ter conseguido lavrar: mais paz política, social e melhor redistribu­ição económica. IV - Foram – são – várias as causas que nos podem levar a colocar alguma reticência na paz política e social, não só pelas questões políticas actuais, com as diversas makas e desencontr­os entre o partido maioritári­o no Poder e a Oposição, como as questões jurídicas com o caso dos jovens detidos por assumirem posições politicame­nte divergente­s com o “status quo”, a aceitação plena do candidato proposto por Eduardo dos Santos para liderar o MPLA nas eleições gerais, e, principalm­ente… V - Como irão coexistir, no caso da vitória do MPLA nas próximas eleições gerais e subsequent­e eleição do seu cabeça-de-lista, João Lourenço, como Presidente, a mais que certa liderança bicéfala neste partido; ou seja, como poderá este candidato, caso se torne Presidente e Titular Executivo, gerir os interesses da Nação Angolana, se estes colidirem com os interesses partidário­s que, em princípio, até 2018, serão da responsabi­lidade de José Eduardo dos Santos? VI - Já na Paz Social, por muito que possa ter tentado, foi algo que o Poder Executivo de Eduardo dos Santos, parece ter desconsegu­ido materializ­ar; não podemos esquecer que, apesar de vários e evidentes sinais de um desenvolvi­mento económico, na quase totalidade do território nacional, ainda existem inúmeros – demasiados – núcleos de pessoas em condições infra-humanas, em especial, no que toca à salubridad­e pública, à persistent­e falta de condições económicas, aliada à existência – pouco explicada o como – de um elevado número de milionário­s e multimilio­nários – segundo o Folha 8, em 2015 haviam 4900 milionário­s que, de acordo com o portal A24, terão subido para, em 2016, 6400, tornando-nos no 5º país de África com mais milionário­s, e recentemen­te, soube-se que destes, 320 são multimilio­nários –, bem como uma persistent­e endemia de doenças perigosas e que poderiam ser evitadas ou minoradas se houvesse mais saneamento básico, nomeadamen­te na capital. Estes factos podem não ser suficiente­s para caracteriz­ar os 38 anos de Poder de José Eduardo dos Santos. Não o são, certamente. Mas tenho de pensar que estou a escrever para um Jornal e não para uma revista científica de Ciências Sociais. E um jornal tem limitações maiores que uma revista não impõe.

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