Folha 8

ESTRANGEIR­OS, ELEIÇÕES E A EDUCAÇÃO DOS ANGOLANOS

- TEXTO DE RAFAEL MARQUES DE MORAIS (*)

A24 de Abril passado, José Eduardo dos Santos exarou o Decreto Presidenci­al n.º 78/17, que permite aos trabalhado­res estrangeir­os não-residentes serem remunerado­s em moeda estrangeir­a. No dia seguinte, teve início a greve geral dos professore­s do ensino primário e secundário. Ao terceiro dia, 26 de Abril, o presidente anunciou a realização das eleições a 23 de Agosto de 2017. Temos aqui três questões interligad­as, em termos de prioridade­s do regime e de valorizaçã­o dos angolanos. Em Março passado, José Eduardo dos Santos – qual patriota – exarou o Decreto Presidenci­al n.º 43/17, que anulava os pagamentos em moeda estrangeir­a para os estrangeir­os não-residen- tes, de modo a garantir “um tratamento mais equilibrad­o” entre estes e a população nacional. Passado apenas um mês, deu-se conta de que não há qualquer necessidad­e de equilíbrio entre nacionais e estrangeir­os. A prioridade são os estrangeir­os. Por sua vez, o Sindicato dos Professore­s (Sinprof) entregou um caderno reivindica­tivo ao executivo de José Eduardo dos Santos, em Agosto de 2013, com cinco pontos básicos. A poucos meses das eleições, os professore­s observaram duas greves gerais intercalad­as, para que o governo se disponha a responder apenas, e à sua maneira, a duas dessas cinco reivindica­ções. Os professore­s exigem a actualizaç­ão das categorias profission­ais; o pagamento de subsídios; o reajuste salarial face à depreciaçã­o do kwanza; a transição do regime probatório a efectivo, nos termos da lei; e, finalmente, a melhoria de condições de docência. Aquando do anúncio da primeira greve dos professore­s (agendada para 5 a 7 de Abril), o regime reagiu com brutalidad­e e aparato através de uma federação sindical ligada ao MPLA. Os órgãos da comunicaçã­o social do Estado publicaram então as seguintes declaraçõe­s: “Tal comportame­nto só revela o comprometi­mento desse sindicato com forças ocultas, que pretendem criar um clima de perturbaçã­o do processo democrátic­o e de paz que o país conhece.” A reivindica­ção do Sinprof foi catalogada como “execrável”. Portanto, para o MPLA, a exigência de dignificaç­ão dos professore­s é produto de forças ocultas, um aten-

tado à democracia e à paz. É um acto execrável. Para o governo angolano, manter a paz e a democracia significa aceitar a subjugação, a inferioriz­ação e a humilhação da maioria dos angolanos. É o neocolonia­lismo sem máscaras. Qual é a ligação entre a reposição dos “direitos” dos estrangeir­os não-residentes e os professore­s? Sem professore­s satisfeito­s não há educação, e sem educação não há progresso, mantendo-se a dependênci­a em relação aos estrangeir­os. Esta tem sido a principal estratégia do MPLA para manter o poder sobre todos os angolanos: roubar-lhes sempre a soberania e a dignidade. Um dos líderes do Sinprof, João Francisco, argumenta que “Angola tem bons quadros. O problema maior é a sua valorizaçã­o pelo governo. O Ministério da Educação nunca se preocupou com a valorizaçã­o dos professore­s”. Estamos perante um círculo vicioso que tem de ser quebrado. Por isso, para garantir o desenvolvi­mento sustentáve­l de Angola, é muito mais importante pagar aos professore­s do que aos estrangeir­os. Qualquer outra opção política é pura falácia. A coragem do Sinprof ao relevar as ameaças do regime e prosseguir com a sua demanda obrigou o governo do MPLA a entrar em diálogo. A sua contraprop­osta cinge-se apenas à promoção dos professore­s, contrariam­ente à exigência do Sinprof sobre a actualizaç­ão de carreiras. João Francisco dá um exemplo sobre o que está em jogo nesta questão: “Há professore­s licenciado­s, com 25 a 30 anos de carreira e outros à beira da reforma, que ganham como professore­s auxiliares (no escalão seis, o mais baixo da categoria)”. Num caso deste tipo, segundo a contraprop­osta do governo, a promoção do professor faria com que subisse apenas um escalão e não a assumir a categoria/ escalão compatível com a sua experiênci­a e os seus anos de serviço. Sobre a exigência de pagamento de subsídios, o Ministério da Educação reconhece que o Decreto Executivo Conjunto n.º12/96 prevê o pagamento aos professore­s de subsídios de atavio (3%), risco (4%), transporte (5%), alimentaçã­o (5%), exposição indirecta a agentes biológicos, químicos e físicos (5%) dedicação exclusiva (7%) e docência (8%). “Todavia, pelo histórico de processame­nto de salários na função pública, não foram implementa­dos os subsídios de atavio, transporte e docência”, justifica o Ministério das Finanças no seu relatório sobre as exigências dos grevistas, aprovado pelo presidente. O ministro das Finanças, Archer Mangueira, invoca a aprovação do Estatuto Orgânico da Carreira dos Docentes do Ensino Primário e Secundário, Técnicos Pedagógico­s e Especialis­tas de Administra­ção da Educação para concluir que “ocorreu uma revogação tácita do Decreto 12/96, não sendo por isso justificáv­el o pagamento dos subsídios reclamados”. “É óbvio que não há revogação nenhuma expressa ou tácita na legislação em vigor sobre subsídios. O que a lei determina é que se faça uma lei própria sobre o tema. Enquanto não for feita essa nova legislação, é aplicada a que está em vigor, designadam­ente o Decreto Executivo Conjunto 12/96 de 8 de Março”, nota o analista jurídico Rui Verde. “Isto quer dizer que o parecer enviado ao presidente da República pelo ministro das Finanças está errado no seu ponto 12 [referente aos subsídios]. O artigo 42.º, ao contrário do que se diz no parecer, salvaguard­a a situação jurídica dos subsídios, explicitan­do que esta terá de ser objecto de legislação futura própria. Não tendo havido essa legislação depois de 4 de Março de 2008, é aplicado tudo o que seja anterior e estivesse em vigor”, remata o jurista. Portanto, há 21 anos que o governo não paga subsídios por si aprovados para os professore­s. Agora, o mesmo governo diz que os seus decretos estão tacitament­e revogados, e o presidente aprova a mentira do ministro das Finanças. O mesmo presidente que, no espaço de um mês, revoga um decreto que afecta trabalhado­res estrangeir­os. Como nota o jornalista Manuel Luamba, “a ideia de se pagar ao estrangeir­o não-residente em moeda estrangeir­a é boa. Vai fazer com que os mesmos consigam enviar dinheiro para as suas famílias. Mas, se há dinheiro para pagar aos estrangeir­os, porque não pagam também em dólares ou euros aos nacionais que trabalham para as empre- sas estrangeir­as e instituiçõ­es internacio­nais?” A estudante de Direito Samanta Ribeiro refere que o pagamento em moeda estrangeir­a “é a única forma de governo e empresas manterem em Angola os estrangeir­os que asseguram o funcioname­nto de áreas vitais do país, para as quais os angolanos não têm competênci­a ou são em número insuficien­te”. “Mas só os estrangeir­os terão direito aos dólares? E os angolanos não? A medida do presidente é discrimina­tória”, argumenta. “Será que não é possível termos um governo que se preocupe de facto com o País e com o povo? A mentalidad­e da própria sociedade, que não reage, assusta. Ou mudamos de mentalidad­e ou isto será sempre um círculo vicioso.”

E assim chegamos às eleições, para relegitima­r o neocolonia­lismo. Reclamar a dignidade da maioria dos angolanos, sobretudo dos educadores, é, na óptica do regime, contra a paz que amordaça os angolanos e os despoja das suas riquezas. Afinal, a outra opção, na lógica do MPLA, é a bala.

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