ANGOLA PODERÁ ALCANÇAR A LIBERDADE DE IMPRENSA? (I)
Quando as sociedades aplicam os princípios ideais da democracia: tolerância, limitação do poder, justiça, igualdade, deliberação autêntica em estreita parceria com a maximização do exercício das liberdades de expressão e de imprensa, a amplamente teorizada democracia liberal torna-se realidade. Mas não se pode perder de vista que a concretização plena da democracia liberal, tal como concebida no plano cognitivo, não é possível. Isto não significa que ela é de toda impraticável. Atributos fundamentais como a cultura política (cidadania), respeito pelos direitos que fazem parte do núcleo duro da democracia, o processo eleitoral, o funcionamento do Governo, a participação política e as liberdades civis podem garantir uma democracia aceitável e uma sociedade próspera. Provas existem em países como as Ilhas Maurícias, Cabo Verde, Botswana, a Noruega, o Canadá e o Japão, entre outros. A partir destes atributos pode-se inferir que as liberdades de expressão e de imprensa não são suficientes para que haja um Estado democrático, social e politicamente aceitável conforme as exigências do mundo contemporâneo. Mas estas são variáveis importantes, entre as outras imprescindíveis, para que o regime democrático se instale e ganhe novo significado. A liberdade de expressão faz parte dos ingredientes necessários para uma vida individual saudável e, traduzida para o plano tecnológico e político, seria uma espécie de bem para a realização pessoal e colectiva com dignidade. É também um processo. Sendo a liberdade de expressão um processo e um dos requisitos básicos para a democracia, logo, a democracia não acontece num piscar de olhos, por isso falo em democratização, uma terminologia que transfigura esta ideia de que a democracia é uma construção. Este construtivismo democrático não se dá sem que a vontade colectiva de um povo se manifeste. Por outro lado, vários factores influenciam para que as vontades individuais se unam, ou não, em determinado período histórico, para edificarem, ou não, a democracia. Não haverá democracia com privações alimentares, taxas elevadas de desemprego e limitações nos serviços de saúde; não haverá de- mocracia sem o mínimo de consenso ético no plano institucional e social; não haverá democracia enquanto o poder económico esteja sob a tutela de um pequeno grupo; não haverá democracia com um sistema de justiça sob o controle do poder político; não haverá democracia se ela não for pedagogicamente transmitida como um valor no plano formal e informal, confrontando-a com a realidade cultural para que o povo decida que destino colectivo pretende; enfim, não haverá democracia sem a separação clara dos três poderes: legislativo, executivo e judiciário. Só haverá democracia política quando a democracia se instalar na sociedade como sistema. A liberdade de expressão estende-se para outros campos. Ela pode ser estendida para outros planos: manifesta-se na pintura, na música, na literatura, na ciência, na religião e influi na concretização de outros direitos essenciais para a democracia, como o associativismo e a manifestação. Os seus pontos de contacto não param por aqui, estendem-se também para o problema da transparência e prestação de contas, ao viabilizar aos cidadãos o acesso à informação, permitindo que as pessoas tenham dados suficientes para julgar os actos da administração pública ou de outro ente de interesse público. Apesar da importância da liberdade de imprensa e de expressão para a democracia liberal, não se pode perder de vista que os limites são necessários. Se estas liberdades fazem parte da pessoa humana e traduzem-se social e politicamente, sendo que inúmeros actos humanos são passíveis de avaliação moral, logo, a liberdade de expressão e de imprensa não escapam a estes limites mais autênticos e nobres que são os juízos éticos. A liberdade de expressão absoluta, sem qualquer baliza moral, é uma negação do humano. Não se pode atri- buir valores absolutos ao ser finito, limitado, falível, efémero, mísero no seu agir. O absoluto só cabe no absoluto e no ilimitado. O homem só é homem e nada mais, e deve ter consciência desta verdade básica. A liberdade absoluta do homem é caminho para a destruição da realidade cósmica e da família humana, tal como atestam a crise ecológica global e as feridas sociais deste tempo, que emanam do exercício da liberdade. Os limites éticos propiciam os seguintes questionamentos: pode-se admitir que em nome da liberdade de expressão e de imprensa a televisão coloque em sua programação um filme pornográfico em pleno dia? O direito ao acesso à informação deve admitir que as crianças desfrutem de filmes violentos? Para além dos limites éticos, existem outros: limites sociais (são aqueles decorrentes de um consenso social). Por exemplo, em Angola, não é admissível que alguém beije a boca da sua namorada à frente dos pais. Este limite social remete a outro cuja separação é ténue, ao ponto de se confundirem: o limite cultural (aquele decorrente da tradição ou de novos valores incorporados no imaginário de um povo). Por exemplo, na cultura angolana, não se admite que um filho expresse de forma exaltada as suas opiniões em relação aos erros dos pais. Ao fazê-lo, deve ser com serenidade e respeito.