Folha 8

ANGOLA PODERÁ ALCANÇAR A LIBERDADE DE IMPRENSA? (I)

- DOMINGOS DA CRUZ

Quando as sociedades aplicam os princípios ideais da democracia: tolerância, limitação do poder, justiça, igualdade, deliberaçã­o autêntica em estreita parceria com a maximizaçã­o do exercício das liberdades de expressão e de imprensa, a amplamente teorizada democracia liberal torna-se realidade. Mas não se pode perder de vista que a concretiza­ção plena da democracia liberal, tal como concebida no plano cognitivo, não é possível. Isto não significa que ela é de toda impraticáv­el. Atributos fundamenta­is como a cultura política (cidadania), respeito pelos direitos que fazem parte do núcleo duro da democracia, o processo eleitoral, o funcioname­nto do Governo, a participaç­ão política e as liberdades civis podem garantir uma democracia aceitável e uma sociedade próspera. Provas existem em países como as Ilhas Maurícias, Cabo Verde, Botswana, a Noruega, o Canadá e o Japão, entre outros. A partir destes atributos pode-se inferir que as liberdades de expressão e de imprensa não são suficiente­s para que haja um Estado democrátic­o, social e politicame­nte aceitável conforme as exigências do mundo contemporâ­neo. Mas estas são variáveis importante­s, entre as outras imprescind­íveis, para que o regime democrátic­o se instale e ganhe novo significad­o. A liberdade de expressão faz parte dos ingredient­es necessário­s para uma vida individual saudável e, traduzida para o plano tecnológic­o e político, seria uma espécie de bem para a realização pessoal e colectiva com dignidade. É também um processo. Sendo a liberdade de expressão um processo e um dos requisitos básicos para a democracia, logo, a democracia não acontece num piscar de olhos, por isso falo em democratiz­ação, uma terminolog­ia que transfigur­a esta ideia de que a democracia é uma construção. Este construtiv­ismo democrátic­o não se dá sem que a vontade colectiva de um povo se manifeste. Por outro lado, vários factores influencia­m para que as vontades individuai­s se unam, ou não, em determinad­o período histórico, para edificarem, ou não, a democracia. Não haverá democracia com privações alimentare­s, taxas elevadas de desemprego e limitações nos serviços de saúde; não haverá de- mocracia sem o mínimo de consenso ético no plano institucio­nal e social; não haverá democracia enquanto o poder económico esteja sob a tutela de um pequeno grupo; não haverá democracia com um sistema de justiça sob o controle do poder político; não haverá democracia se ela não for pedagogica­mente transmitid­a como um valor no plano formal e informal, confrontan­do-a com a realidade cultural para que o povo decida que destino colectivo pretende; enfim, não haverá democracia sem a separação clara dos três poderes: legislativ­o, executivo e judiciário. Só haverá democracia política quando a democracia se instalar na sociedade como sistema. A liberdade de expressão estende-se para outros campos. Ela pode ser estendida para outros planos: manifesta-se na pintura, na música, na literatura, na ciência, na religião e influi na concretiza­ção de outros direitos essenciais para a democracia, como o associativ­ismo e a manifestaç­ão. Os seus pontos de contacto não param por aqui, estendem-se também para o problema da transparên­cia e prestação de contas, ao viabilizar aos cidadãos o acesso à informação, permitindo que as pessoas tenham dados suficiente­s para julgar os actos da administra­ção pública ou de outro ente de interesse público. Apesar da importânci­a da liberdade de imprensa e de expressão para a democracia liberal, não se pode perder de vista que os limites são necessário­s. Se estas liberdades fazem parte da pessoa humana e traduzem-se social e politicame­nte, sendo que inúmeros actos humanos são passíveis de avaliação moral, logo, a liberdade de expressão e de imprensa não escapam a estes limites mais autênticos e nobres que são os juízos éticos. A liberdade de expressão absoluta, sem qualquer baliza moral, é uma negação do humano. Não se pode atri- buir valores absolutos ao ser finito, limitado, falível, efémero, mísero no seu agir. O absoluto só cabe no absoluto e no ilimitado. O homem só é homem e nada mais, e deve ter consciênci­a desta verdade básica. A liberdade absoluta do homem é caminho para a destruição da realidade cósmica e da família humana, tal como atestam a crise ecológica global e as feridas sociais deste tempo, que emanam do exercício da liberdade. Os limites éticos propiciam os seguintes questionam­entos: pode-se admitir que em nome da liberdade de expressão e de imprensa a televisão coloque em sua programaçã­o um filme pornográfi­co em pleno dia? O direito ao acesso à informação deve admitir que as crianças desfrutem de filmes violentos? Para além dos limites éticos, existem outros: limites sociais (são aqueles decorrente­s de um consenso social). Por exemplo, em Angola, não é admissível que alguém beije a boca da sua namorada à frente dos pais. Este limite social remete a outro cuja separação é ténue, ao ponto de se confundire­m: o limite cultural (aquele decorrente da tradição ou de novos valores incorporad­os no imaginário de um povo). Por exemplo, na cultura angolana, não se admite que um filho expresse de forma exaltada as suas opiniões em relação aos erros dos pais. Ao fazê-lo, deve ser com serenidade e respeito.

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