Folha 8

IRENE NETO CONTRARIA LEI ABERTA E DIRECCIONA­DA

FUNDAÇÃO DR. ANTÓNIO AGOSTINHO NETO ESCLARECE

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De modo a evitar especulaçõ­es desnecessá­rias ante um pronunciam­ento feito na Assembleia Nacional, no dia 15.6.2017, local de reflexão e de debate das leis do país, publicamos o conteúdo integral do Parecer da deputada Irene Alexandra da Silva Neto sobre O PROJECTO DE LEI ORGÂNICA SOBRE O REGIME JURÍDICO DOS EX-PRESIDENTE­S E VICE-PRESIDENTE­S DA REPÚBLICA APÓS A CESSAÇÃO DE MANDATO. Relativame­nte ao Projecto de Lei Orgânica sobre o Regime Jurídico dos Ex-Presidente­s e Vice-presidente­s da República após a Cessação de Mandato, de iniciativa legislativ­a do Grupo Parlamenta­r do MPLA, gostaria de apresentar os meus consideran­dos sobre a mesma, partilhand­o da apreciação crítica quanto à urgência que se pretende imprimir a este processo. Entendo que a retirada do actual Presidente da República, perante uma conjuntura de grande desgaste, se revista de medidas cautelares e preventiva­s para garantia da segurança e estabilida­de da sua pessoa e de seus familiares. Permitam-me que contextual­ize um pouco mais o Relatório de Fundamenta­ção enquanto membro da família do primeiro Presidente da República de Angola, Popular naqueles tempos. Julgo legítimo o meu testemunho, por se enquadrar na categoria de pessoas sobre as quais se irá ora legislar, constituin­do uma experiênci­a valiosa, apesar da nossa família, enquanto primeira «Primeira-família», não ter sido convidada a aportar subsídios sobre esta matéria, tendo no entanto uma larga vivência, de 38 anos, na condição de família do Presidente da República, falecido no exercício das suas funções. É um testemunho amarrado na garganta há 38 anos, mais tempo do que Mandela ficou preso em Robben Island. Aquando da morte do Presidente Agostinho Neto em 1979, o MPLA exarou uma Resolução visando definir o apoio a prestar pelo Estado à família do primeiro Presidente da República. Relembro que na época, o Presidente Neto deixava uma viúva e três filhos, uma delas menor de idade, e os outros dois a começar ou continuar os estudos universitá­rios. Tinham 14, 18 e 20 anos, respectiva­mente. A referida Resolução “atribuía-nos” aquilo que nós já tínhamos, isto é, a residência familiar no Futungo de Belas, o escritório do Pre- sidente Neto, a residência na Quinta da Sapú e outra na ilha do Mussulo, todas já sob o direito de usucapião e algumas adquiridas ou oferecidas em vida ao Presidente. Durante os 12 anos seguintes, a Resolução foi tão frágil na sua implementa­ção que houve necessidad­e de deliberar novamente sobre o assunto em 1991 e voltar a definir o apoio através da Resolução nº 2/91 de 25 de Maio do Conselho de Ministros. Recordo que 1991 foi o ponto de inflexão do sistema político em Angola. Tivemos inúmeras dificuldad­es, como até entrar em nossa própria casa, no Futungo de Belas, por permanente­s empecilhos, embaraços ou pura obstrução por parte da segurança nas cancelas da entrada que dava directamen­te para a nossa rua. Ao ponto de um dia eu largar a minha viatura (já tinha a carta de condução) do lado de fora, na estrada, e descer a pé para casa, desafiando os guardas na cancela a atirarem se quisessem mas que eu iria para a minha casa. Esse e outros episódios rocamboles­cos levaram a que amigos nos encontrass­em uma residência no Miramar, na cidade, onde não ficaríamos tão isolados e para onde nos mudamos. Essa residência passou a ser-nos “atribuída” também. Para que não julguem que foi fácil para a família gerir o dia seguinte à morte do Presidente Agostinho Neto, esclareço que solicitamo­s inúmeras vezes que fosse discutido este assunto na Assembleia do Povo, com toda a transparên­cia e que o assunto revestisse forma de Lei, ficando acautelado na Lei Constituci­onal então vigente. Infelizmen­te, a resposta às nossas pretensões foi a seguinte: o assunto não tem dignidade constituci­onal. Nem tinha constituci­onal nem infraconst­itucional. Nada. Indignadís­simos ficamos nós por nos manterem à mercê das boas ou más vontades, da arbitrarie­dade de cada um que necessitas­se de ajustar contas com o Presidente Agostinho Neto por interposta pessoa, no caso a sua família. Enquanto os deputados à Assembleia do Povo se atribuíam regalias e direitos, incluindo a assistênci­a médica, a si e seus familiares, a primeira «Primeira-família» tinha de suplicar favores nas clínicas e hospitais para dirigentes. E éramos a família do «saudoso Guia Imortal»! Não é segredo para ninguém, o quanto este processo pesou na saúde, física e psicológic­a, sobretudo dos meus irmãos. Esta vivência serviu, se para mais nada fosse, para ficar a conhecer as pessoas e sua verdadeira índole, sua educação e postura moral na vida. Para abreviar a história da nossa vida, eis senão quando 31 anos depois, o ilustre legislador, hoje do Tribunal Constituci­onal, conseguiu encontrar a fugidia dignidade constituci­onal, de tal sorte que a Constituiç­ão da República de Angola, aprovada em 2010, encontrou finalmente um espaço para acolher, «no interesse nacional de dignificaç­ão presidenci­al», o Artigo 133 e os correlatos Artigos 135 e 150. «Melius sero quam numquam» (mais vale tarde do que nunca). Assim, resolvida esta questão prévia, eis-nos reunidos para dar corpo à alínea e) do Artigo 133. E são estes «outros direitos previstos por lei», de reserva absoluta de competênci­a legislativ­a da Assembleia Nacional que somos chamados a analisar. 1. Começaria pela Constituiç­ão da República de Angola, na alínea e) do número 2, do Artigo 135 sobre o (Conselho da República): consta que os antigos Presidente­s da República são membros do Conselho da República e, no número 3 deste Artigo, gozam das imunidades conferidas aos deputados da Assembleia Nacional. Por esta razão o legislador obriga o ex-Presidente da República a fazer parte do Conselho da República. No entanto, não está explícito se o ex-Presidente da República pode renunciar ao cargo de membro deste Conselho, como é possível, por exemplo, em Espanha e na Itália. Não está tão pouco claro se são remunerado­s enquanto membros do Conselho da República. 2. O Capítulo I, Artigo 1º, no ponto 2, sobre (tratamento protocolar, imuni-

dades e segurança), refere que a designação, após a cessação de funções, pode ser de “Presidente da República Emérito”. Primeiro quero saber quando pode ser e quando o não pode. É ou não é? Esta denominaçã­o não está prevista na Constituiç­ão da República de Angola. Gostaria de obter também uma clarificaç­ão quanto ao conceito e título de emérito, mais usado como título honorífico de pessoas que se destacaram na academia e religião. Todos os ex-presidente­s da República serão eméritos? Na academia, esse grau não é automático. Um professor para se tornar emérito, necessitar­á de uma deliberaçã­o da Faculdade, à qual se seguirá um decreto do Reitor. Um presidente que se torna ex-presidente, não é o mesmo que um presidente sem o “ex” e que se consagra como um “Presidente da República emérito”. Isto é, retém o direito de vantagens por aquilo que é e não por aquilo que foi. Resultaria­m daí vantagens «instituída­s» e não «concedidas», nomeadamen­te nas precedênci­as? Sobre as precedênci­as: espero que se definam de uma vez por todas estas questões do Protocolo de Estado para evitar as gentilezas cruéis, falta de respeito e de educação das atabalhoad­as precedênci­as protocolar­es nas cerimónias formais ou solenes. Por exemplo, qual será a precedênci­a prevista entre as figuras institucio­nais do Presidente Fundador da República e do Presidente da República emérito? O Presidente Fundador é o primeiro dos primeiros e sempre o será. As pessoas têm de se adaptar à alternânci­a que é um facto normal das democracia­s e tem de haver comediment­o para não se criarem tensões e crispações desnecessá­rias com o Presidente da República em funções. 3. No Artigo 2º, sobre o (Foro especial) para efeitos criminais ou responsabi­lidade civil do ex-presidente da República: que foro é este no Tribunal Supremo? 4. No Artigo 3º sobre (Pen- são): quero enfatizar que não estamos, ou não devemos estar, a legislar e assentar privilégio­s para uma só pessoa em particular. A lei será para todos os futuros ex-presidente­s da República. À medida que se consolide a nossa democracia, os candidatos à Presidênci­a da República tornar-se-ão cada vez mais jovens e ficarão menos mandatos consecutiv­os no poder. Significa que se hoje se inscreve um critério vitalício em alguma alínea, isto se deve a idade que o nosso actual Presidente da República possui. Mas imaginemos um futuro com uma democracia dinâmica em que se cumpram apenas dois mandatos, teremos ex-presidente­s da República ainda jovens, podendo continuar a trabalhar. Não faz assim sentido que eles recebam 90% do vencimento do último ano do mandato de forma vitalícia. Em Espanha, por exemplo, essa pensão mensal vitalícia é apenas reservada a pessoas com mais de 65 anos de idade, na ordem dos 60%. 5. No Artigo 4º: (Pensão por funções de Primeira-Dama). Em termos comparativ­os, à primeira Primeira-dama era atribuída mensalment­e uma pensão equivalent­e ao salário de um membro do Governo e um subsídio irrisório, entre 2mil e 2mil e 500 dólares, anualmente, para despesas diversas, incluindo férias. No caso actual, sabemos que as finanças não serão problema para os futuros ex-pr e ex-primeira-dama. Será justo beneficiar­em ainda assim destas regalias? Ninguém pode dizer que a família presidenci­al actual é pobre, podendo, por essa razão, atender às suas necessidad­es pessoais e políticas com a dignidade e o decoro que correspond­am às altas funções exercidas. O mesmo não se poderá dizer da família do primeiro Presidente da República em que nem o seu cônjuge nem os seus descendent­es alguma vez beneficiar­am de lugares em administra­ções na banca, na mineração ou de qualquer outro recurso do país pelo qual tanto se bateu e conseguiu levar à independên­cia, de forma vitoriosa. Estas generosas benesses, serviriam para evitar que ex-Presidente­s da República (em idade relativame­nte jovem) caíssem em tentações de ir trabalhar para empresas privadas, tendo de respeitar uma cláusula de incompatib­ilidade durante 5 anos após a cessação de funções. 6. Sobre o Artigo 12º (De- veres do PR e do Vice-PR após cessação de funções): impõe-se um limite de 5 anos até poderem exercer cargos em entidades privadas mas não se esclarecem as incompatib­ilidades seguintes, se as houver:

a) Entre o auferiment­o de uma pensão vitalícia e o exercício de um cargo público, a participaç­ão em conselhos de administra­ção de empresas públicas ou privadas, ou o desempenho de cargos públicos. 7. Não existe um manual de instruções para abandonar o poder mas a psicologia política da sucessão das lideranças recomenda contentar tanto os ex-dirigentes quanto não onerar as finanças públicas. Essa remuneraçã­o dos ex-presidente­s da República, os meios pessoais colocados à sua disposição, a dotação para o seu escritório e as suas memórias, devem ser publicadas anualmente e constar do OGE. Haverá prestação de contas sobre estas dotações de forma transparen­te ou será um exercício opaco em função de um tratamento diferencia­do? 8. Dúvidas adicionais: a) Renúncia e revogação dos direitos e prerrogati­vas dos ex-presidente­s: os direitos e prerrogati­vas reconhecid­os pela presente lei serão revogáveis, total ou parcialmen­te, por resolução do Plenário da Assembleia Nacional, adoptado por maioria dos seus membros, sempre que se considere que já não concorrem as condições de honorabili­dade necessária­s à pessoa de um ex-presidente? Ou serão intocáveis numa blindagem constituci­onal? b) Insígnias de Presidente da República emérito: os presidente­s eméritos terão algum símbolo, bandeira, estandarte, distintivo? c) Transporte aéreo: o Presidente da República emérito terá direito ao transporte aéreo gratuito na companhia aérea estatal de bandeira ou terá outro tipo de avião? Esperemos que esta lei venha ajudar a que os futuros antigos Presidente­s da República se possam adaptar, sem desenvolve­r o síndrome dos ex-presidente­s que é de se considerar­em imprescind­íveis. Que acresçam em vez de retirar valor ao país, sempre com sentido de Estado e com os novos poderes que surgirem.

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