A CARA DA MORTE
Questionado pela imprensa sobre a razão por que, desde tão tenra idade, decidiu fotografar conflitos armados, Jean-charles mostra-se algo defensivo. Após a cobertura da Guerra do Golfo (1991) e da guerra civil na Argélia (1992), o fotojornalista concluiu que, nesse contexto, “a morte tem sempre a mesma cara”. Escapou-lhe por diversas vezes. Em situação de emboscada, os primeiros tiros eram-lhe normalmente dirigidos. “Eu era o único branco estrangeiro na frente de combate. Não sei se era um alvo, mas aconteceu várias vezes os primeiros tiros serem dirigidos à minha posição. Pensariam, certamente, que era um mercenário.” Nunca a morte esteve tão perto como em finais de 1994, no Huambo. Gutner estava a dormir no edifício vizinho do posto de comando – previa-se ofensiva para o dia seguinte. “Não sei porquê, de repen- te uma voz dentro de mim disse: `não te mexas’. Abri os olhos e percebi que a 20 centímetros do meu corpo passou uma torrente de balas. A UNITA estava a atacar o posto; tinham deixado as linhas de defesa e decidido atacar durante a noite. Ao meu lado, soldados tombavam, mas eu mantive-me imóvel. Nunca me vou esquecer dessa voz dentro de mim. Se me tivesse levantado, teria levado com os tiros no peito.”esse foi um dos motivos que o levaram a abandonar a fotografia de guerra, mais tarde, em 1997. Outro foi o nascimento da sua primeira filha. “Em Maio de 1997, depois de ter filmado as repercussões da queda do regime de Mobutu, no Zaire, regressei a Luanda e dediquei-me a outro tipo de trabalho. Fiquei mesmo alguns anos sem fotografar.” Era Angola surge 22 anos após a conclusão desse trabalho fotográfico. “A proximidade das eleições angolanas [marcadas para 23 de Agosto] dá pertinência temporal à promoção do fotolivro. É importante que as pessoas se lembrem de como era o país há 15 anos, no momento em que terminou a guerra civil. A geração que tem agora 20 anos não viveu essa realidade e já exerce o direito de voto. O livro, infeliz- mente, não está à venda em Angola. Não me parece, por enquanto, que Angola sinta muito interesse pela sua História. Mas eu considero fundamental que saibamos de onde vimos para podermos determinar para onde vamos.” Actualmente, Gutner mantém um vínculo profissional com agência SIPA Press e continua a fotografar, mas sobre temas mais ligeiros – sobretudo sobre vinho, comida, o mundo agrícola francês e temas da actualidade. O seu fotolivro pode ser adquirido através do site da Amazon espanhola, inglesa e americana.