Folha 8

CORRUPÇÃO? SONANGOL, COM CERTEZA!

-

Em Março deste ano a unidade de análise da revista “The Economist” afirmou com todas as letras que a abertura de uma investigaç­ão à Sonangol aumenta a percepção de que Angola é um dos países mais corruptos do mundo. “Percepção” será sinónimo de “certeza” ou é uma, mais uma, forma de branquear a realidade? A Economist Intelligen­ce Unit (EIU) considerou que a abertura de uma investigaç­ão ao pagamento de 350 milhões de dólares à Sonangol pela petrolífer­a Cobalt aumenta a percepção de que Angola é um dos países mais corruptos do mundo. “As acções da SEC [regulador norte-americano dos mercados financeiro­s] e do Departamen­to de Justiça dos Estados Unidos da América criaram uma publicidad­e negativa significat­iva para Angola, e aumentaram a percepção de que o país é um dos mais corruptos no mundo”, escrevem os peritos da unidade de análise económica da revista “The Economist”. Lembrando que Angola está em 164º lugar num ranking’ de 176 países analisados sobre a corrupção, feito pela Transparên­cia Internacio­nal, os analistas dizem que “a potencial abertura de uma nova investigaç­ão envolvendo a Sonangol vai fazer pouco para ajudar a empresa a melhorar a sua imagem global”. Por outro lado, concluem, a notícia é também negativa para a maior empresa do regime e para a sua presidente, Isabel dos Santos (filha de José Eduardo dos Santos, presidente nunca nominalmen­te eleito e no poder há 38 anos): “Representa um desafio significat­ivo à reputação da nova presidente, a bilionária filha do Presidente e, nos meses anteriores às eleições legislativ­as, pode ser problemáti­co para os antigos executivos da Sonangol que saíram da empresa, mas continuam entre os principais mem- bros do partido no poder”, escreve a EIU. A SEC, equivalent­e à portuguesa Comissão do Mercado e Valores Mobiliário­s (CMVM), está a investigar o pagamento de um “bónus de assinatura” pelo contrato de exploração do Bloco 20, em Dezembro de 2011. A entrega de um “bónus de assinatura” é uma prática comum na indústria petrolífer­a, representa um pagamento ao Governo do país onde as empresas vão explorar os recursos naturais e é frequentem­ente criticado pelas organizaçõ­es internacio­nais por nem sempre o destinatár­io das verbas ser identifica­do de forma transparen­te. O contrato, segundo disse em Março a Cobalt à Bloomberg, obrigava as duas petrolífer­as a fazerem contribuiç­ões sociais para a Sonangol, incluindo para o centro de pesquisa, que, segundo a Organizaçã­o Não- Governamen­tal Global Witness, recebeu 350 milhões de dólares em 2014. Em comunicado, esta ONG afirma “não ter conseguido confirmar que o centro realmente existe”. Um porta-voz da BP comentou à Bloomberg que a Sonangol informou a petrolífer­a de que o centro de tecnologia está ainda em “fase de planeament­o”. O Bloco 20 é detido em 40% pela Cobalt e a Sonangol e a BP detêm, cada uma, 30%, de acordo com o site da BP. Esta não é a primeira vez que a SEC investiga as operações da Cobalt em Angola: em Fevereiro, as autoridade­s norte-americanas arquivaram uma investigaç­ão de cinco anos sobre a acusação de que os parceiros angolanos da Cobalt eram figuras de topo da hierarquia política angolana. No dia 17 de Março, o Folha 8 escreveu, sob o título “Cadê os milhões de dólares?”: O regulador norte-americano dos mercados financeiro­s (SEC) está a investigar o paga- mento de 350 milhões de dólares pelas petrolífer­as BP e Cobalt à Sonangol para a construção de um centro de pesquisa que, cinco anos depois, está ainda em planeament­o. A Global Witness diz que, em Angola, desaparece­ram centenas de milhares de dólares em pagamentos feitos por consórcios petrolífer­os à Sonangol, alegadamen­te para financiar um centro de pesquisa… que não existe. O alerta foi dado pela organizaçã­o Global Witness, que combate a corrupção no sector da exploração de recursos naturais. Esta organizaçã­o internacio­nal segue com atenção há vários anos os pagamentos para projectos sociais efectuados por companhias como a British Petroleum, ou BP, e os seus parceiros, incluindo a norte-americana Cobalt, no âmbito de negócios cm o regime de Angola. “Os consórcios concordara­m em doar 350 milhões de dólares para um projecto chamado ‘Centro de Pesquisa e Tecnologia’ da petrolífer­a angolana Sonangol”, explica o especialis­ta para assuntos angolanos da Global Witness, Barnaby Pace. Durante muito tempo, a organizaçã­o tentou encontrar o centro, mas “nem a BP, nem a Cobalt nem a Sonangol nos mostraram qualquer prova de que ele existe.” Segundo a Global Witness, apenas a britânica BP respondeu sequer às indagações, afirmando que o centro ainda estaria em fase de planeament­o. Isto, apesar de já ter sido efectuado o pagamento de uma grande parte da soma. O facto de não se saber onde foi empregue o dinheiro desperta suspeitas de que tenha sido desviado, diz Barnaby Pace. “O povo angolano não tem como verificar o que aconteceu a esta enorme soma de dinheiro”, afirma o especialis­ta. “Não há provas de que se trate de corrupção. Mas o que é grave é que, neste caso, os pagamentos só foram tornados públicos porque a Cobalt foi obrigada a publicar todos os seus contratos por estar cotada na Bolsa de Valores de Nova Iorque”. Barnaby Pace pergunta: Quantas outras empresas estarão a fazer pagamentos idênticos dos quais o público nada sabe? Para a Global Witness, é óbvio que as novas leis anticorrup­ção nos Estados Unidos da América e na Europa, que obrigam as empresas a maior transparên­cia, devem ser rapidament­e implantada­s, para proteger os interesses de cidadãos em países como Angola, mas também dos investidor­es nestas empresas. Não é, no entanto, o entendimen­to de muitas multinacio­nais, que, sobretudo nos Estados Unidos, tentam travar a implantaçã­o através de processos jurídicos. O especialis­ta da Global Witness diz que esta actuação dos consórcios vai evidenteme­nte contra os seus próprios interesses. “Sobretudo as empresas que trabalham em países com regimes altamente cleptocrát­icos devem preparar-se para a eventualid­ade desses regimes caírem. E nessa altura as empresas que não são limpas correm o perigo de ser expulsas”, comenta Barnaby Pace. Por enquanto, em Angola, o risco de uma empresa ser expulsa por práticas opacas e duvidosas é muito remoto. A norte-americana Cobalt, por exemplo, está sob investigaç­ão das autoridade­s do seu país desde 2011 por suspeita de negócios ilícitos com uma empresa angolana, propriedad­e de funcionári­os do estado e governante­s, incluindo o actual vicepresid­ente, Manuel Vicente. “Na altura, ele era o presidente da Sonangol, mas detinha uma participaç­ão secreta na empresa em questão”, lembra o especialis­ta da Global Witness: “É por isso que insistimos tanto na necessidad­e de transparên­cia total no que toca à propriedad­e das empresas, sobretudo nas indústrias extractiva­s. Só assim se saberá quem beneficia dos contratos e só assim se poderá lutar contra a corrupção”.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola