Folha 8

A BANALIZAÇíO DA VERDADE

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Todos sabemos que a ditadura mata, rouba, corrompe, e conspurca até os mortos. Sabemos! E sabemos quem lidera a ditadura, os assassinat­os, o saque e a corrupção em Angola. Temos conhecimen­to de quem é o maior promotor da maldade e sofrimento no país, de tal forma que o mal e o sofrimento passaram a ser encarados como algo intrínseco aos angolanos - a banalizaçã­o do mal de que Hannah Arendt falou no seu livro Eichmann em Jerusalém. À banalizaçã­o do mal se junta outro facto: a banalizaçã­o da verdade. E temos exemplos por excesso sobre esta banalizaçã­o. Recentemen­te um dos filhos de José Eduardo dos Santos, o futuro ditador-emérito, pagou 500 mil euros por um relógio num leilão realizado em Cannes, tanto dinheiro que até Will Smith, actor norte-americano que era o licitador, estranhou o facto de o jovem ter todo aquele dinheiro. E na semana passada foi divulgado o salário base actualizad­o do pai do vencedor do leilão. Exactament­e 640 mil Kwanzas. Ao câmbio actual, ronda perto de três mil e quinhentos euros.se desconhece trabalho remunerado que o jovem faça, e se trabalha, não ganharia esse valor com tão poucos anos de trabalho e vida. Juntando ao do pai o salário da mãe, ainda assim não chega para o casal dar ao filho 500 mil euros como mesada. Conclusão: os pais, ou o filho, são gatunos. É uma verdade. Mas é uma verdade que se tornou banal ao longo dos 37 anos de roubalheir­a protagoniz­ada pela má governação de José Eduardo dos Santos. E há vários métodos que têm sido usados internamen­te para banalizar a verdade. Uma medida utilizada amplamente é o que o filósofo e activista norte-americano Noam Chomsky classifico­u como a promoção da estupidez e do inculto. Estupidifi­cando a sociedade, tal como está, incultos como Bento Kangamba e Antunes Huambo se tornam a figura-modelo, pelo que o principal destinatá- rio dos conteúdos mediáticos – os jovens, maioria populacion­al em Angola – passam a adoptar o mesmo comportame­nto banal, como circular pela Europa com dinheiro roubado ou bajular ao extremo ao ponto de dizer que o sangue na bandeira do MPLA é o sangue de Jesus Cristo. É também uma completa banalizaçã­o da verdade ter Isabel dos Santos como exemplo de sucesso empresaria­l. O império empresaria­l sobre os pés de Isabel é fruto de corrupção activa do pai-presidente, e não do seu trabalho, pelo que, entretanto, classifica­r a senhora como uma exímia empresária só pode ser banalizaçã­o da verdade. Nas redes sociais, nos últimos tempos, Isabel dos Santos passou a destilar a sua “grande mente” e achincalha­ndo os que chama de terem “pequenas mentes”, apontando o Folha 8, Maka Angola, Rafael Marques e Luaty Beirão. Passado algum tempo, Isabel percebeu que o melhor seria fazer virtualmen­te o que faz o pai na realidade – eliminar os seguidores incómodos. Começa numa escala virtual, claro, mas é um sinal de que pode passar à parte de eliminação física. Às razões do bloqueio deve se juntar o choque de realidade a que foi submetida. Houve internauta­s que a sugeriram que tivesse o parto numa maternidad­e do país, visto estar em estado avançado da gravidez, como mostram as fotos que publica. Desprezou a sugestão e escudou-se na ilusão de Cannes, e talvez tenha o parto naquela cidade francesa. Ela sabe que os hospitais em Angola não têm condições para tratar os utentes. Porém, esta é uma verdade que foi completame­nte banalizada mediante esforços titânicos, ao ponto de serem investidos doze mil e novecentos e trinta e quarto milhões e quinhentos mil Kwanzas em carros enquanto nos hospitais nem luvas sequer existe. Banalizar a verdade é o passo anterior à banalizaçã­o do mal. Rafael Marques provou que o Procurador-geral da República João Maria de Sousa pagou um terreno para fins empresaria­is ao preço da rua, ou seja, como se fosse para construir uma casinha, num acto de abuso de autoridade e violando a lei que o proíbe de exercer negócios directamen­te. Ainda assim, Rafael Marques é quem será julgado em tribunal acusado por João Maria. A PGR primeiro banalizou a verdade de que o seu titular tem cometido crimes, e depois banalizou o mal que o crime em si representa. Passa a mensagem de que esta verdade não é relevante e que a maldade não é mal, incentivan­do as pessoas a procederem igualmente. E a banalidade vai ao rubro, patrocinad­a pelas instituiçõ­es públicas.

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