SE A JUSTIÇA NÃO FUNCIONA O ESTADO DE DIREITO MORRE
Quarenta e dois anos depois da independência, 15 anos após a chegada da paz, o número de magistrados do Ministério Público em Angola continua a ser insuficiente e faz com que os cidadãos em conflito com a lei em Angola sejam, continuem a ser, interrogados por polícias (em muitos casos impreparados) ou por outras autoridades aleatórias que determinam, sem critério objectivo e jurídico, a manutenção da sua prisão ou soltura. A constatação é descrita no terceiro relatório da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), denominado “Angola: O Sector da Justiça, os Direitos Humanos e o Estado de Direito”, relativo ao período entre 2013 e 2015, divulgado em Luanda. O documento revela que em 2003 existiam em Angola 173 procuradores, que actuavam em vários níveis, passando o número para 375, em 2016, contudo, a demanda processual actual ainda é maior. Esta evolução no recurso à justiça, mesmo sabendo-se que ela raramente funciona como deve, era previsível. Mas, como em tudo em Angola, o que é previsível torna-se imprevisível, tal é tese oficial de quanto pior… melhor. Sempre para os mesmos. Apesar do aumento, “há falta de procuradores em todos os órgãos de polícia criminal, na direcção Nacional de Inspecção e Investigação de Actividades Económicas e nos seus órgãos provinciais e municipais, assim como nas esquadras de Polícia Nacional”. O estudo refere também que, apesar dos progressos verificados, o Ministé- rio Público continua ainda a enfrentar alguns desafios no que toca aos recursos financeiros, a relação com a polícia de investigação e a luta contra a corrupção. De acordo com o relatório, a relação com a polícia de investigação melhorou nos últimos seis anos, mas em algumas províncias a relação de proximidade, aliada à falta de condições dignas de trabalho dos magistrados, dos investi- gadores e dos instrutores “ainda são um obstáculo à afirmação da independência e da eficiência do Ministério Público em relação aos polícias”. “O que faz com que os magistrados não tenham capacidade de reacção contrária às violações à lei e aos direitos e liberdades praticadas pelos investigadores ou oficiais da polícia”, sublinha o documento. Um decreto presi- dencial de 2014 passou para a tutela do Ministério do Interior ao invés do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, o Serviço de Investigação Criminal, encarregue de proceder à investigação dos indícios criminais, adoptar meios de prevenção e repressão da criminalidade, efectuar detenções, revistas, buscas, apreensões e realizar a instrução preparatória dos processos-crime, recolher provas e formar corpo de delito. O relatório argumenta que a instrução preparatória dos processoscrime deve ser feita sob direcção, condução e fiscalização da ProcuradoriaGeral da República (Ministério Público). Nas recomendações, o relatório alerta que o insuficiente número de magistrados judiciais e do Ministério Público não serve para invocar “permanente- mente”, como razão, a morosidade processual, “pois onde há melhores condições de trabalho é possível haver mais decisões judiciais”. Na visão da AJPD (uma organização que considera que o nível do respeito pelos Direitos Humanos é um indicador do estado de consolidação ou não do Estado de Direito Democrático e tem impacto no curso do desenvolvimento económico e social), a Justiça não acompanhou o plano de modernização, no que aos princípios e ao Estado de Direito Democrático diz respeito e, em consequência, “o modelo de organização policial continua militarista, autoritário e tendencialmente partidário, contrariando assim o artigo 210 da Constituição da República de Angola”