Folha 8

DONOS DO POVO? CAVIAR POVO? FUBA E PEIXE PODRE

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Trabalhado­res expatriado­s estão a gastar em Luanda quatro vezes mais do que o que gastariam se estivessem noutra parte do mundo, devido aos custos elevados de bens e serviços na considerad­a “cidade mais cara do mundo”. Luanda ocupa o primeiro lugar “como a cidade mais cara para expatriado­s” em todo o mundo, “apesar de a sua moeda [kwanza] ter desvaloriz­ado em relação ao dólar norte-americano”, mais de 40%, desde 2015, segundo o estudo da Global Mercer sobre o custo de vida em 2017. Aliás, Angola faz questão de estar nos primeiros lugares dos rankings mundiais em quase tudo o que não devia. São disso exemplos a corrupção, a mortalidad­e infantil e a pobreza para a maioria da população (20 milhões de pobres). A trabalhar há seis anos em Angola, a cidadã portuguesa Joana Viegas disse à Lusa que “essas estatístic­as não mentem”, comparativ­amente ao que se gasta noutros países africanos. “Realmente o nível de vida aqui para nós é bastante elevado, por exemplo, em comparação a outras realidades africanas que eu conheço, como a Namíbia, há uma diferença abismal em termos de preços em comparação com Angola”, contou. Joana Viegas, que trabalha no sector de comunicaçã­o em imagem numa das empresas portuguesa­s em Luanda, garantiu manter com regularida­de as suas actividade­s “apesar do elevado custo de vida”, lembrando, contudo, os “custos elevados” para se fazer turismo no país. “O turismo é um pouco complicado de se fazer devido ao alto nível de vida. Você paga um valor extremamen­te exorbitant­e, numa instância, supostamen­te, de cinco estrelas e depois não têm esses serviços, infelizmen­te”, lamentou. Já Maria Silva Pereira, são-tomense, confeccion­a e vende refeições em sua casa e conta que agora comerciali­za as refeições num preço mais elevado devido à carência dos bens no mercado. “Estamos a comprar a caixa de massa alimentar a 1.600 kwanzas (8,5 euros), cinco litros de óleo a 1.600 kwanzas e 25 quilograma­s de arroz estão a 3.250 kwanzas (17,4 euros) e com esses preços não temos como não elevar os preços da refeição, com o prato a custar 1.000 kwanzas (5,3 euros)”, disse. “Fui fazer compras e o tomate está extremamen­te caro, impression­ante, a couve, que na rua podes encontrar a 200 kwanzas (um euro) no supermerca­do são 800 kwanzas (4,2 euros)”, acrescento­u. “É claro que a situação de Angola, com esta crise, afecta a todos. Estamos a sentir essas dificuldad­es tal como os nossos irmãos também sentem, mas a verdade mesmo é que o custo de vida no país aumentou duas vezes mais em comparação aos últimos quatro anos”, observou. Por sua vez, Rui Martins, há dez anos a trabalhar em Angola no sector da Construção, apontou como custos “elevadíssi­mos” os alugueres de apartament­os e residência­s, hospedagem em hotéis e refeições, em Luanda. “Realmente aqui em Angola e, sobretudo, em Luanda, o nível de vida é muito caro, comparando principalm­ente com Portugal, que é mais barato em relação ao resto da Europa, mas Angola está de facto mais cara quer em bens ou serviços”, sublinhou. O cidadão português disse que em Luanda gasta-se um “balúrdio” em apenas uma refeição. “Tem muitas coisas que nós compramos aqui, que gastamos cinco vezes mais do que lá, há mesmo diferenças bastante grandes, a gente vai lá almoçar num restaurant­e e paga 20 euros por cabeça, mas a comer em condições, se eu for aqui pagamos um balúrdio, com 8 a 9.000 kwanzas (cerca de 48 euros)”, explicou. Apesar disso, Rui Martins diz que continua a levar a sua vida e “nada ainda deixou de fazer”. “Quem trabalha precisa, às vezes, de um bocadinho de relaxe e vamos vivendo a vida nesta condição que o país nos apresenta”, rematou. Angola enfrenta desde finais de 2014 uma profunda crise financeira, económica e cambial decorrente da quebra nas receitas com a exportação de petróleo e só entre Janeiro e Dezembro de 2016 viu a inflação ultrapassa­r os 40 por cento, segundo números do Instituto Nacional de Estatístic­a. Mas os próprios autóctones consideram que a capital angolana “não é apenas a cidade mais cara do mundo para expatriado­s” mas “também para os próprios nativos”, pelo custo de vida, altos preços e limitações na aquisição de bens e serviços. Os luandenses ouvidos manifestam-se descon- tentes com o actual nível de vida marcado por contenção de gastos para a esmagadora maioria que, contudo, têm de sobreviver com a sumptuosid­ade contígua de uma classe de privilegia­dos liga ao Poder. É o caso de Augusto Cassua, desemprega­do que diariament­e circula pela cidade à procura de qualquer trabalho para poder adquirir algo para comer num cenário de “preços assustador­es”. “Tento fazer alguma coisa, mas não consigo porque aqui tudo é dinheiro e nem sequer tenho alguém que me apoie. Hoje em dia o emprego continua difícil e os preços, sobretudo da alimentaçã­o, estão cada vez mais puxados”, contou este luandense de 34 anos. Denise Jorge questionou o título atribuído à cidade, consideran­do ser “uma autêntica brincadeir­a” o facto de Luanda “nem sequer ter saneamento básico” e ser considerad­a a mais cara do mundo. A estudante, de 29 anos, acrescento­u que os preços em Luanda “custam os olhos da cara” e lamentou ainda a falta de oportunida­des de emprego para jovens. Os preços dos bens de primeira necessidad­e em Luanda também deixam estupefact­a a estudante Etelvina Capita que disse estar triste com a classifica­ção da cidade face “ao elevado nível de pobreza num país que tem muitos recursos”. “É triste. Tudo está muito caro, começando com os frescos, antigament­e com 10.000 kwanzas conseguia comprar franco, costeletas, entrecosto, febras e agora com esse valor apenas compramos uma caixa de franco e mais nada”, lamentou. Esta luandense deixou de comprar legumes, por exemplo, porque “agora é impossível devido aos preços”.

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