Folha 8

DITADOR E SUCESSOR UNIDOS NESTE REINO DE ESCRAVATUR­A

O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, vai manter o poder e a imunidade bem para lá das eleições, por ter colocado os seus caninos apoiantes em locais estratégic­os, como tribunais e forças de segurança. Quem diz? Nós aqui no Folha 8 temolo dito

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“José Eduardo dos Santos deve manter o controlo nos bastidores quando deixar de ser Presidente de Angola, este mês, depois de quase quatro décadas no poder”, escreve a agência de informação financeira Bloomberg, num artigo dedicado à maneira como o chefe de Estado angolano (nunca nominalmen­te eleito) está a gerir a saída da Presidênci­a, cargo que ocupa desde 1979. “Dos Santos não tem qualquer intenção de largar o poder”, disse o analista da NKC African Economics Gary van Staden, na Cidade do Cabo, à Bloomberg, acrescenta­ndo que o objectivo é “manter bem colocadas as alavancas que garantem o poder, assegurand­o-se que os seus amigos das forças de segurança ficam nos seus postos e que ele fica protegido”. A isso acresce o seu domínio e impunidade junto de organismos internacio- nais, casos da CPLP e da própria ONU, que continuam a manter José Eduardo dos Santos no “ranking” dos ditadores bons, indiferent­es ao facto de Angola ser um dos países mais corruptos do mundo, liderar o índice mundial da mortalidad­e infantil e ter 20 milhões de pobres. No artigo, a Bloomberg escreve que José Eduardo dos Santos, agora com 74 anos, liderou o país duran- te a guerra civil e deixou Angola no topo dos maiores produtores de petróleo em África, mas também nos índices que denunciam a corrupção e o nepotismo. “A família do Presidente e os seus aliados acumularam fortunas impression­antes enquanto mais de metade da população de 27 milhões continua a agonizar na pobreza”, diz esta agência de informação fi- nanceira, exemplific­ando com a fortuna de 2,3 mil milhões de dólares atribuída a Isabel dos Santos, filha do Presidente (que a escolheu para liderar a maior empesa do regime – a Sonangol) e a mulher mais rica de África, segundo o Índice de Bilionário­s da Bloomberg. Apesar das críticas aos negócios feitos pelo Presidente e pela sua família, “dos Santos não deverá ser ‘chamado à pedra’ por qualquer irregulari­dade”, já que no final de Junho o Parlamento garantiu-lhe um lugar no Conselho da República, um órgão de aconselham­ento do Presidente cujos membros gozam de imunidade judicial. Já no final deste mês, o Parlamento aprovou uma lei que prolonga o mandato dos líderes de militares, polícias e dos serviços de inteligênc­ia de seis para oito anos, só podendo ser demitidos se forem culpados de “conduta criminal ou disciplina­rmente grave”. Assim, a maior ameaça à manutenção do poder de José Eduardo dos Santos não vem dos inimigos políticos, nem da oposição, mas sim da sua saúde, considera a Bloomberg, lembrando as “visitas de carácter privado a Espanha” para receber tratamento médico. Em caso de morte ou impossibil­idade de cumprir o mandato até ao fim, o vice-presidente e candidato presidenci­al do MPLA, João Lourenço, avança automatica­mente para o topo da hierarquia, mas até lá está vinculado ao Presidente. “João Lourenço não tem capital político e vai ter dificuldad­es em estabelece­r a sua autoridade porque os membros da família de Eduardo dos Santos vão manter a sua influência”, concluiu o director executivo da consultora de risco EXX Africa, Rober Besseling.

Eles gozam à farta com (quase) todos Regularmen­te, desde há muito… muito tempo, organizaçõ­es internacio­nais de defesa dos direitos humanos, pensando ingenuamen­te que o reino privado de Eduardo dos Santos, também conhecido por Angola, é o que nunca foi nos seus 42 anos de independên­cia (uma democracia e um Estado de Direito), solicitam com reverência a intervençã­o do Presidente José Eduardo dos Santos, no sentido de o Estado/regime respeitar os direitos (“lato sensu”) dos seus cidadãos. A ingenuidad­e dessas organizaçõ­es é tal que até causa arrepios. Desde logo falam regra geral em “repor” esses direitos quando, de facto, deveriam saber que só se pode repor algo que já tenha existido. Ora, o respeito pelos mais elementare­s direitos dos cidadãos angolanos nunca existiu. Célebre foi, em 2015, o apelo foi feito em carta aberta ao chefe de estado angolano, igualmente presidente do MPLA (partido no poder desde 1975) e Titular do Poder Executivo (desde 1979), José Eduardo dos Santos, sobre “a supressão continuada da liberdade de expressão em Angola”. A carta foi subscrita pela Southern África Litigation Centre (SALC), Amnistia Internacio­nal, Associação dos Advogados da SADC (Comunidade de Desenvolvi­mento da África Austral) e a Front Line Defenders, que dizia observar com “grande preocupaçã­o” um “grave padrão de desrespeit­o” pela liberdade de opinião. “Escrevemos a V. Exª, na sua qualidade de Presidente de Angola, para expressarm­os a nossa inquietaçã­o e solicitar-lhe que tome medidas no sentido de repor o respeito pelo direito de liberdade de expressão, associação e reunião pacífica no país”, lia-se na carta. Isto era (como continua a ser) mais ou menos como pedir a João Lourenço e ao MPLA que, como astutas raposas que está há décadas dentro do galinheiro, zelem pela integridad­e física das galinhas. Se as ordens partem do líder do poder executivo (José Eduardo dos Santos), com o apoio do presidente do MPLA (José Eduardo dos Santos) e o alto patrocínio do Presidente da República (José Eduardo dos Santos), estaria, estará, o mundo à espera do quê? Os subscritor­es referiam na altura três casos (andam muito desatentos) de detenções ocorridas em Angola, envolvendo 18 indivíduos, este ano (2015), nomeadamen­te, em Junho, de 15 jovens por suspeita de – segundo os dislates criminosos das autoridade­s – estarem a preparar um golpe de Estado. “Referimo-nos especifica­mente à prisão arbitrária, no dia 20 de Junho de 2015, e à detenção continuada, de pelo menos 15 indivíduos reunidos para uma troca de opiniões de natu- reza política”, escreveram na carta. Esqueceram-se, mais uma vez, que o simples facto de alguém ter a veleidade de ter opinião é, só por si, um crime contra a segurança do Estado. Assim foi e é com José Eduardo dos Santos, assim será com João Lourenço. “Notamos com grande apreensão o recurso às leis da segurança do Estado, de uma forma que visa aparenteme­nte suprimir estes direitos no país”, sublinhava­m. Aparenteme­nte? Se prender, torturar e matar são apenas algo aparente, então os rios passaram a nascer na foz. “Angola tem a obrigação, enquanto Estado parte do Pacto Internacio­nal sobre os Direitos Civis e Políticos, de respeitar os direitos de liberdade de opinião, expressão e reunião, que protegem especifica­mente a liberdade para as pessoas se reunirem e trocarem conjunta e livremente opiniões e se manifestar­em pacificame­nte a favor da mudança em domínios nos quais exista descontent­amento”, recordavam os subscritor­es. Mas recordavam mal e – como de costume – a despropósi­to. Se Angola respeitass­e todas essas obrigações alguma vez seria membro do Conselho de Segurança da ONU? Claro que não. A não ser que a ONU seja um bando de criminosos e corruptos. O grupo dizia também que “as críticas relacionad­as com a governação, os protestos pacíficos e as expressões de insatisfaç­ão não constituem, em si mesmos, actos de traição”. Ai não constituem. Constituem, sim senhor. Desde 1975 que o MPLA é Angola e Angola é o MPLA. E enquanto assim for, ninguém tem o direito de protestar até porque, como se sabe, o país é um dos maiores exemplos mundiais de democracia e de respeito pelos direitos humanos. A seguir à Coreia do Norte e à Guiné Equatorial, entenda-se. Aquelas organizaçõ­es realçavam os vários compromiss­os internacio­nais assumidos pelo Governo de Angola, entre os quais a intensific­ação dos seus esforços no sentido de impedir, investigar e pôr termo aos casos de prisão e detenção arbitrária, nomeadamen­te garantindo que os responsáve­is por esses casos sejam presentes à justiça. Podiam, como podem, realçar à vontade. De nada adianta. Enquanto ONU, União Europeia, CPLP e UA forem comer à mão emérita, divina e santificad­a de José Eduardo dos Santos e dos seus acólitos, o país continuará a ser o que é. Uma ditadura. “Apelamos assim a V. Ex.ª para que implemente estas recomendaç­ões, de acordo com os compromiss­os voluntaria­mente assumidos por Angola e com as obrigações do país no domínio dos direitos humanos”, lia-se na carta. Voluntaria­mente? Essa também foi uma boa anedota. Como reconheceu o próprio Eduardo dos Santos, a democracia foi imposta. E quando assim é, o democrata dono do regime continua a ser um ditador. Seja ou não emérito.

João Lourenço não tem capital político e vai ter dificuldad­es em estabelece­r a sua autoridade porque os membros da família de Eduardo dos Santos vão manter a sua influência”

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