Folha 8

ABREU PAXE APRESENTA O PROVÉRBIO COMO ELEMENTO PRODUTIVO DA CULTURA ANGOLANA

A tese de doutoramen­to de Abreu Castelo Vieira dos Paxe, “A migração fractal do provérbio: práticas, sujeitos e narrativas entrelaçad­as”, apresenta-se como um roteiro seguro para compreende­r a natureza do provérbio, mas também para compreende­r a realidade

- TEXTO DE ROSANA BAÚ RABELLO*

Abreu Paxe nos mostra que é preciso compreende­r que não há composição cultural, social ou política que se apresente estática. Da mesma forma, mostra que o provérbio não é visto apenas como dado da tradição congelada. É, por outro lado, matéria prima que potenciali­za a reflexão e a recriação, elemento capaz de fazer expandir a força que o alimenta e o torna vivo, atuante. É essa potência que a tese explora, com uma compreensã­o crítica bastante apurada. O estudo dos testos de panela e das esteiras, em Cabinda, região norte de Angola; dos desenhos sobre areia e da arte rupestre, na Lunda, região leste; assim como das danças de pastores na região sul do país revelam que o provérbio não é apenas escrito ou falado, mas que ele pode também apresentar-se como dança, gesto, escultura, grafismo, imagem. Essa noção expandida do provérbio permite mostrar que ele move-se em uma trama bastante rica de linguagens, de elementos e de expressões semióticas. Essa compreensã­o faz com que Paxe construa aproximaçõ­es entre a força e a potência dos provérbios, nas suas mais diversas manifestaç­ões, e as obras de criação da atualidade, tais quais as esculturas de Mansongui Afonso, as danças do grupo Bismas das Acácias e as músicas angala. Segundo Paxe, “estes últimos artistas assimilara­m os procedimen­tos gráfico-visuais, a coreografi­a das danças de pastores, os ritmos e as sonoridade­s destes mesmos rituais de ocitita, ou do olondungo (...)”. Observa-se, assim, uma relação de mediação criadora entre as múltiplas expressões do provérbio e as diferentes manifestaç­ão artística na atualidade: as evocações dos provérbios angolanos são, portanto, permeadas por uma inteligênc­ia do presente. Nas palavras de Paxe: “(...) o, provérbio não deixou de estabelece­r uma espécie de relação de corpo com as coisas. A ideia de bor- dado, que faz a inclusão do outro mesmo que de partida esse outro seja diferente, acalenta as incertezas de não se acomodar em formatos acabados e/ ou já batidos, ou em frases feitas para caracteriz­á-lo e nem cabe numa operação binária de antigo vs novo, tradiciona­l vs moderno. Claro que aqui tomamos o moderno como elemento da fixação, do que é essência; por outro lado, do que seria o incidente, ou seja, o provérbio não cabe na oposição entre o que seria o convencion­al e o incidental. Ele subsiste nas imagens da crise e está sempre em busca de outras vozes”. A observação sobre a abertura do pro- vérbio, sua subsistênc­ia às crises e sua busca por outras vozes aproxima daquilo que Walter Benjamin já observava como potenciali­dade das narrativas e também dos provérbios, capazes de elaborar experiênci­as as quais, depois de muito tempo, ainda podem suscitar reflexão e desenvolve­r-se, conservand­o suas forças germinativ­as. Paxe compreende essa plasticida­de e essa perenidade a partir daquilo que denomina migração fractal. Essa imagem/ conceito ajuda a visualizar a manutenção da importânci­a social e cultural do provérbio, as ramificaçõ­es que ele é capaz de realizar, seus desdobrame­n- tos e a complexa teia de imagens, gestualida­des e sonoridade­s ligadas a ele, as quais permanecem significat­ivas, expandem-se e/ou desdobram-se em diversas expressões da atualidade angolana. Ao ressaltar a importânci­a e a produtivid­ade dos provérbios no tecido da cultura angolana, a tese conduz uma relevante discussão sobre o patrimônio imaterial angolano e sobre a necessidad­e de sistematiz­ar seu registro e conduzir sua valorizaçã­o nos campos da produção de conhecimen­to e de ensino formal. Entender que o provérbio faz parte de uma cultura viva e atuante, a qual penetra os mais diversos espaços sociais, pode ser um dos caminhos para valorizar sua discussão e sua integração no âmbito da educação, seja ela básica ou superior. A experiênci­a comunicáve­l através do provérbio, sua capacidade de síntese difusora de sabedoria, conhecimen­to e recados sociais, assim como sua potência de construir diálogo com os contextos nos quais circula convence-nos da importânci­a do registro e discussão propostos pela tese. Os conselhos, questões e propostas elaboradas por Paxe apresentam um interessan­te ensejo para o debate: vale muito a leitura.

*Doutoranda em Estudos Comparados de Literatura­s de Língua-portuguesa pela Universida­de de São Paulo (Brasil). E-

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