ABREU PAXE APRESENTA O PROVÉRBIO COMO ELEMENTO PRODUTIVO DA CULTURA ANGOLANA
A tese de doutoramento de Abreu Castelo Vieira dos Paxe, “A migração fractal do provérbio: práticas, sujeitos e narrativas entrelaçadas”, apresenta-se como um roteiro seguro para compreender a natureza do provérbio, mas também para compreender a realidade
Abreu Paxe nos mostra que é preciso compreender que não há composição cultural, social ou política que se apresente estática. Da mesma forma, mostra que o provérbio não é visto apenas como dado da tradição congelada. É, por outro lado, matéria prima que potencializa a reflexão e a recriação, elemento capaz de fazer expandir a força que o alimenta e o torna vivo, atuante. É essa potência que a tese explora, com uma compreensão crítica bastante apurada. O estudo dos testos de panela e das esteiras, em Cabinda, região norte de Angola; dos desenhos sobre areia e da arte rupestre, na Lunda, região leste; assim como das danças de pastores na região sul do país revelam que o provérbio não é apenas escrito ou falado, mas que ele pode também apresentar-se como dança, gesto, escultura, grafismo, imagem. Essa noção expandida do provérbio permite mostrar que ele move-se em uma trama bastante rica de linguagens, de elementos e de expressões semióticas. Essa compreensão faz com que Paxe construa aproximações entre a força e a potência dos provérbios, nas suas mais diversas manifestações, e as obras de criação da atualidade, tais quais as esculturas de Mansongui Afonso, as danças do grupo Bismas das Acácias e as músicas angala. Segundo Paxe, “estes últimos artistas assimilaram os procedimentos gráfico-visuais, a coreografia das danças de pastores, os ritmos e as sonoridades destes mesmos rituais de ocitita, ou do olondungo (...)”. Observa-se, assim, uma relação de mediação criadora entre as múltiplas expressões do provérbio e as diferentes manifestação artística na atualidade: as evocações dos provérbios angolanos são, portanto, permeadas por uma inteligência do presente. Nas palavras de Paxe: “(...) o, provérbio não deixou de estabelecer uma espécie de relação de corpo com as coisas. A ideia de bor- dado, que faz a inclusão do outro mesmo que de partida esse outro seja diferente, acalenta as incertezas de não se acomodar em formatos acabados e/ ou já batidos, ou em frases feitas para caracterizá-lo e nem cabe numa operação binária de antigo vs novo, tradicional vs moderno. Claro que aqui tomamos o moderno como elemento da fixação, do que é essência; por outro lado, do que seria o incidente, ou seja, o provérbio não cabe na oposição entre o que seria o convencional e o incidental. Ele subsiste nas imagens da crise e está sempre em busca de outras vozes”. A observação sobre a abertura do pro- vérbio, sua subsistência às crises e sua busca por outras vozes aproxima daquilo que Walter Benjamin já observava como potencialidade das narrativas e também dos provérbios, capazes de elaborar experiências as quais, depois de muito tempo, ainda podem suscitar reflexão e desenvolver-se, conservando suas forças germinativas. Paxe compreende essa plasticidade e essa perenidade a partir daquilo que denomina migração fractal. Essa imagem/ conceito ajuda a visualizar a manutenção da importância social e cultural do provérbio, as ramificações que ele é capaz de realizar, seus desdobramen- tos e a complexa teia de imagens, gestualidades e sonoridades ligadas a ele, as quais permanecem significativas, expandem-se e/ou desdobram-se em diversas expressões da atualidade angolana. Ao ressaltar a importância e a produtividade dos provérbios no tecido da cultura angolana, a tese conduz uma relevante discussão sobre o patrimônio imaterial angolano e sobre a necessidade de sistematizar seu registro e conduzir sua valorização nos campos da produção de conhecimento e de ensino formal. Entender que o provérbio faz parte de uma cultura viva e atuante, a qual penetra os mais diversos espaços sociais, pode ser um dos caminhos para valorizar sua discussão e sua integração no âmbito da educação, seja ela básica ou superior. A experiência comunicável através do provérbio, sua capacidade de síntese difusora de sabedoria, conhecimento e recados sociais, assim como sua potência de construir diálogo com os contextos nos quais circula convence-nos da importância do registro e discussão propostos pela tese. Os conselhos, questões e propostas elaboradas por Paxe apresentam um interessante ensejo para o debate: vale muito a leitura.
*Doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua-portuguesa pela Universidade de São Paulo (Brasil). E-