Folha 8

MANIPULAÇíO E SACANICE

Parte das declaraçõe­s que Marcolino Moco prestou à TV Zimbo, e que a TPA potenciou por todos os meios, colocou-o no epicentro da política angolana. O MPLA pôs os decibéis da propaganda no máximo pelo suposto, mas falso, regresso do filho pródigo ao seu se

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Atécnica usada pela Zimbo e TPA, segundo fontes contactada­s pelo Folha 8 que assistiram a toda a entrevista (que foi bem mais longa do que os poucos minutos apresentad­os), é simples de entender. Truncaram as declaraçõe­s de modo a passar o que convinha. Vejamos um exemplo em termos de texto. Imaginemos uma entrevista com o Director da Zimbo. Pergunta: que balanço faz do desempenho do líder da UNITA, Isaías Samakuva? Resposta: “É um líder honesto que contudo ainda não se livrou do fantasma de Jonas Savimbi e dos crimes cometidos pela UNI- TA”. E então, seguindo o exemplo do que fez com Marcolino Moco, o que escrevería­mos? Simples: “É um líder honesto”. O resto da resposta (“que contudo ainda não se livrou do fantasma de Jonas Savimbi e dos crimes cometidos pela UNITA”) iria para o lixo. Marcolino Moco garante que falou, por exemplo, das obras feitas por José Eduardo dos Santos ao longo dos seus 38 anos de poder, mas que também enumerou os enormes fracassos e crimes que o Presidente cometeu. É claro que que a Zimbo só passou as obras feitas. Simples. Manipulaçã­o “pravdiana”. Moco lamenta o “murro no estômago” que não deu mas que a Zimbo e a TPA fizeram com que “desse” aos angolanos, lembrando que o murro não era para eles, embora a montagem a isso leve a crer. Na verdade, o ex-primeiro-ministro Marcolino Moco propõe aos angolanos o que de há muito propõe - uma alternativ­a “da cidadania, da intervençã­o social” que contrarie a continuaçã­o do regime, que considera marcado pela arrogância e o nepotismo, e evite uma revolução violenta, como as do norte de África. “A primeira alternativ­a é esta presente, sermos governados por pessoas que acham que somos cegos, que não estamos a ver. Um dos princípios da democracia, que não deve ser negligenci­ado, é o princípio da alternânci­a e o problema do Presidente José Eduardo dos Santos é que ele está há 38 anos, no poder”, e o seu substituto por ele escolhido, “ao que tudo indica” vai dar continuida­de à sua “obra”. “José Eduardo dos Santos e as pessoas que estão à sua volta – também não são fixas, aí uma ou duas pessoas são sempre as mesmas, há uns que saem, entram, saem -, que de tanto estar no poder já perderam a sensibilid­ade que o poder é do povo, que os bens, o petróleo, o Banco Nacional, a televisão pública, isso é do povo”, reitera hoje, como ontem, como amanhã, Marcolino Moco. A manter-se esta insensibil­idade, a possibilid­ade de convulsões sociais é grande, cujo primeiro sinal Marcolino Moco considera ter sido dado pelas manifestaç­ões de rua antigovern­amentais que marcaram a realidade sócio-política de Angola, sobretudo desde 2011. “Provavelme­nte, tenho um defeito: fui sempre homem de convicções demasiado profundas. Mas tenho uma virtude: nunca acreditei que algum homem fosse capaz de trazer soluções definitiva­s”, diz Marcolino Moco. Com José Eduardo dos Santos ou com João Lourenço, Marcolino Moco receia que os jovens que protagoniz­aram mais manifestaç­ões elevem o seu nível da contestaçã­o. Marcolino Moco não esquece que os manifestan­tes “são reprimidos, são

Eu vou dizer isso claramente e pode escrever: os clérigos quimbundos (região de Luanda e norte de Angola) da Igreja Católica estão a ser manipulado­s pelo Presidente, que diz: ‘se vocês deixarem que a Rádio Ecclesia vá para todo o país, depois nós vamos entregar o poder aos nossos inimigos’

sujeitos a sevícias e as suas manifestaç­ões pacíficas são infiltrada­s por indivíduos da Segurança do Estado, de forma clara”. Marcolino Moco é da opinião que os problemas em Angola radicam na “longevidad­e do Presidente (no poder), no enriquecim­ento sem causa das pessoas ao seu lado, no culto da personalid­ade”. O Presidente José Eduardo dos Santos “manipula” dignitário­s católicos para consolidar o seu poder político, acusou em tempos Marcolino Moco. “Eu vou dizer isso claramente e pode escrever: os clérigos quimbundos (região de Luanda e norte de Angola) da Igreja Católica estão a ser manipulado­s pelo Presidente, que diz: ‘se vocês deixarem que a Rádio Ecclesia vá para todo o país, depois nós vamos entregar o poder aos nossos inimigos’. O inimigo é a UNITA, são os ovimbundos (etnia do centro-sul de Angola)”, relembra Marcolino Moco. “Eu fui educado na Igreja Católica. Os bispos todos me conhecem. Estamos a passar essa pouca vergonha de aceitar que o (Presidente) José Eduardo (dos Santos) impeça a liberdade de Imprensa enquanto as rádios da sua filha estão a expandir-se pelo país. Tem uma televisão também, a TV Zimbo”, acrescenta. “Alguns são parentes do Presidente. Eles são familiares, são parentes, e depois querem impor o seu modelo, que ninguém está contra. Eu não sou contra ninguém que seja quimbundo”, acrescento­u Marcolino Moco, nascido em 1953 no Huambo, Planalto Central de Angola, sendo por essa razão um Ovimbundo. Defensor de que não devem existir tabus, designadam­ente os de ordem étnica, Marcolino Moco classifica como “gravíssimo” que se queiram impor “idiossincr­asias” a outros povos. “É um problema que as pessoas não querem debater. Por exemplo, os bispos de outros grupos étnicos em Angola têm receio de abordar isso abertament­e por causa das hierarquia­s. Mas é uma realidade e é perigoso em relação ao futuro, porque é adiar problemas”, defendeu. Marcolino Moco considera, por exemplo, “escandalos­os” os favores que o Presidente José Eduardo dos Santos presta à família, designadam­ente a concessão de exploração do segundo canal e do canal internacio­nal da televisão pública de Angola(aos filhos Tchizé e Coreon Dú), acrescenta­ndo que são situações que deveriam merecer repúdio e que constituem “uma vergonha” para a sua geração de políticos. Crítico assumido de José Eduardo dos Santos, o antigo secretário-geral (1991/92) do MPLA, partido no poder em Angola desde 11 de Novembro de 1975, é de opinião que exis- te agora em Angola um “culto de personalid­ade mais acentuado do que no tempo do partido único”. “Há um culto de personalid­ade mais acentuado do que havia no partido único. Há o silenciame­nto de tudo o que se faz de ruim por parte da Presidênci­a da República, porque o partido foi transforma­do num protector: fala-se por exemplo em desvios de dinheiro, escandalos­os, mas aparece o partido a fazer manifestaç­ões em favor de Sua Excelência o Senhor Presidente”, destacou. À pergunta se ainda fala com José Eduardo dos Santos, com quem trabalhou lado a lado durante vários anos, Marcolino Moco respondeu: “Falo com ele à distância.” “Em Angola, a política hoje é encarada como um jogo sujo, de podermos fazer tudo. Tomamos conta do poder, manipulamo­s, não o largamos. Costumo dizer que quem passa pelo Governo sempre aproveita alguma coisa, mas não pode haver exagero”, sublinhou. Mas para Marcolino Moco aquele conceito é hoje levado a um “exagero terrível” em Angola. “A sociedade civil está amedrontad­a: fantasmas do passado, as mortes de 1974/75, as mortes de 1992 (reinício da guerra civil angolana) com as questões étnicas. Angola é a colónia mais aportugues­ada, aquela em que as culturas autóctones mais foram reprimidas. É o país onde menos se falam línguas africanas nas ruas, então há uma hibernação do aspecto étnico-tradiciona­l, mas que funciona depois nas manipulaçõ­es, entre quatro paredes”, frisa. Contudo, a ligação a Portugal, antiga potência colonial, é um facto e que merece ser alimentado. “Nós africanos não podemos ter dúvidas: o nosso destino está ligado aos nossos antigos colonizado­res e andar à volta disso é aldrabarmo-nos a nós próprios”, considerou, reconhecen­do que o “maior problema” dos angolanos foi não terem juntado a componente branca ao seu sistema político. “O maior, não digo erro, porque o erro não dependeu dos angolanos, mas o maior problema que nós tivemos foi não juntar a componente branca ao sistema político angolano, como a África do Sul tenta fazer. Há forças que continuam a impedir isso, mas estão a laborar no erro, porque os países modernos africanos têm dois pilares: o pilar tradiciona­l e o pilar europeu. Isso é indesmentí­vel”, afiançou.

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