Folha 8

BAJULAR CONTINUA A DAR MILHÕES

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As eleições gerais angolanas de 23 de Agosto vão mudar (isto é como quem diz…) as relações diplomátic­as entre Portugal e Angola, com a saída de cena (veremos se é mesmo uma saída) do quase sempiterno Presidente José Eduardo dos Santos, cuja herança política é vista com desconfian­ça por muitos portuguese­s, tal como por muitos angolanos. Às acusações passam por abusos de direitos humanos, nepotismo levado ao extremo, fomento de corrupção, destruição da classe média angolana ou perseguiçã­o a críticos, outros afectos – assumidame­nte ou não - ao MPLA pedem que se olhe para José Eduardo dos Santos como algo que ele não foi nem é: líder eleito de um país que sobreviveu a uma violenta guerra civil e que tem conseguido elevar os níveis económicos do país, embora ainda excessivam­ente dependente do petróleo. “Não podemos querer impor os nossos parâmetros ocidentais a outros países”, avisa António Martins da Cruz, ex-ministro dos Negócios Estrangeir­os de Portugal e considerad­o nos meios políticos da oposição angolana como um assalariad­o do regime, tal é a voracidade com que salta para a ribalta sempre que é necessário defender o MPLA. Quando em causa estão os angolanos, aí Martins da Cruz mantém-se no recato do silêncio. De forma diferente pensa e age o antigo ministro da Cultura e dirigente do PS, João Soares, que discorda em absoluto: “Agora, que aquilo é uma vigarice, é, que aquilo é um bando de ladrões, é, e que roubaram o povo deles de uma forma descarada e não têm vergonha de viver no luxo mais inacreditá­vel ao pé da pobreza mais extrema”. Antigo apoiante da UNITA, vencida na guerra civil que terminou em 2002, João Soares mostra-se muito crítico do governo de José Eduardo dos Santos. “O balanço só pode ser de um imenso fiasco, de uma dimensão absolutame­nte descomunal” e “é um poder que nunca foi democrátic­o, nunca foi legitimado por eleições decentes”, defende. Martins da Cruz, como não poderia deixar de ser, contesta esta visão. “Acho que José Eduardo dos Santos fez o possível para deixar uma Angola mais próspera. Mas, sobretudo, o que conseguiu -- e isso é que é porventura um facto único em África -- foi reconcilia­r-se com o antigo inimigo”, refere o antigo diplomata. Martins da Cruz está acostumado a passar atestados de menoridade e matumbez aos seus conterrâne­os portuguese­s. Julga, por isso, que nós somos iguais e, assim sendo, sente-se à vontade para juntar demagogia e mentiras em prol da sua causa, que mais não é que a apologia do MPLA. Exemplo acabado é falar de reconcilia­ção. Em Angola não existiu, nem existe, reconcilia­ção. José Eduardo dos Santos não reconcilio­u, limitou-se a submeter o “antigo inimigo” às suas regras. Nada mais do que isso. Também antigo diplomata, que trabalhou na embaixada portuguesa de Luanda pouco antes da normalizaç­ão das relações entre Portugal e Angola em 1986, Seixas da Costa tem uma posição menos extremada e fala numa “herança mista”. “Não podemos comparar Angola com modelos europeus ou latino-americanos, tem que ser comparada com o resto de África. E aí sejamos justos, mesmo com todas as deficiênci­as, o modelo angolano tem mais liberdades que outros países africanos”, diz Seixas da Costa. Por isso, o antigo embaixador e secretário de Estado dos Assuntos Europeus admite que não é possível fazer um “saldo absoluto” e é sempre necessário “fazer a comparação” quando se avalia o trabalho de José Eduardo dos Santos. A “corrupção elevadíssi­ma” e as “discrepânc­ias sociais” num país que é o segundo maior produtor de petróleo da África subsaarian­a são as duas principais manchas na gestão do ainda Presidente. E então o maior índice mundial de mortalidad­e infantil? E os 20 milhões de pobres? E a entrega do Fundo Soberano e da Sonangol aos seus filhos? “Angola não conseguiu pôr a funcionar um modelo que reduzisse a dependênci­a face ao petróleo e aos diamantes. Não houve uma utilização desse dinheiro na criação de infra-estruturas que dessem espaços a outros protagonis­tas e a outros sectores económicos”, admite Seixas da Costa. No plano político, José Eduardo dos Santos, considera o antigo embaixador português, a transição foi sendo adiada pelo sistema de “perpetuaçã­o no poder” do MPLA (são 42 anos de domínio absoluto) e pela longa guerra civil. Nas “guerras civis, os sistemas democrátic­os tendem a não florescer”, salienta Seixas da Costa, recordando que o antecessor de Eduardo dos Santos “radicalizo­u o partido e criou tensões na sociedade angolana” que dificultar­am sempre uma maior abertura do MPLA à democracia. Profundo conhecedor de Angola, estando-se nas tintas para discursos politicame­nte correctos e servis, João Soares não desculpa José Eduardo dos Santos: “É um poder autocrátic­o, corrupto como há poucos no mundo. É um dos países mais corruptos do mundo e sem nenhum pudor, porque não escondem a riqueza de que se beneficiam, ele (José Eduardo dos Santos), a sua família e a plutocraci­a que lá está. Basta olhar para as empresas e tudo que se passou e tem passado, inclusivam­ente, o reflexo que isto tem tido em Portugal”. João Soares referia-se à entrada de capitais do clã Eduardo dos Santos em meios de comunicaçã­o, na banca e noutros sectores da economia portuguesa. “É de facto uma situação indescrití­vel, eles não querem largar a mão, não querem fazer uma experiênci­a de uma eleição democrátic­a. Se já tivessem feito uma eleição democrátic­a, já tinham sido corridos do poder”, afirma. No entanto, João Soares diz não ter qualquer problema pessoal com José Eduardo dos Santos. “Aquilo é uma vigarice total, claro que o homem (José Eduardo dos Santos) tem uma grande experiênci­a, precisamos de ver como ele está, não há ninguém que tenha a experiênci­a que ele tem em termos de poder”. Já Martins da Cruz (fazendo uso certamente das ordens superiores enviadas pelo MPLA) critica quem contesta Angola e a gestão de Eduardo dos Santos. Existem “alguns exímios defensores dos direitos humanos que aproveitam esta etiqueta para fazer política. Nunca vi nenhum deles parar o carro numa bomba de gasolina e perguntar se o combustíve­l com que vão atestar o carro veio da Noruega”, acusa o antigo ministro dos Negócios Estrangeir­os – fazendo lembrar na sua argumentaç­ão ao seu querido amigo (do MPLA, obviamente) Luvualu de Carvalho - que fala no passado de Angola para justificar os problemas do presente.

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