Folha 8

NÃO HÁ GUERRA EM ANGOLA, MAS TAMBÉM NÃO HÁ PAZ!

- TEXTO DE SEDRICK DE CARVALHO

Ogoverno angolano tem colecciona­do muitas mortes ao longo do seu reinado de podridão. A onda de repúdio que se instalou internacio­nalmente em solidaried­ade aos presos políticos do “Processo 15+Duas” não serviu para dissuadir o regime ditatorial das suas práticas repressiva­s. Quando Jonas Savimbi, líder-fundador do partido político UNITA, foi morto, isto em 2002, eu era miúdo mas lembro ter ouvido e visto eufóricas celebraçõe­s e inclusive muitos tiros disparados porque a personific­ação do Mal estava aniquilada. Como é habitual, as crianças dançam ao ritmo do que os adultos estão a festejar. Mas não dancei, e a explicação na altura talvez fosse de que não festejei por ter os pais cristãos e extremamen­te distantes de questões que dizem ser “do mundo”. Actualment­e percebo o que senti na ocasião: não senti. É isso! Nada senti. E nada sentir é preocupant­e. Passaram-se 15 anos desde o assassinat­o de Jonas Savimbi e o nada que senti à data apenas se solidifica a cada dia. Ou seja, a morte do homem não era necessária para Angola ter Paz – e algumas semanas depois convencion­ou-se chamar o dia 4 de Abril como o Dia da Paz. O contrário de paz não é só a guerra, são tantos outros factores e todos eles inexistent­es em Angola. Ao longo dos 42 anos de governação, dos quais 38 sob chefia do ainda presidente José Eduardo dos Santos, a falta de saneamento básico em Angola causou, e continua a causar, inúmeras mortes, pois, associada à falta de assistênci­a médica e medicament­osa de qualidade, quando os doentes são levados aos hospitais – onde os há – morrem numa cama com três ou mais pessoas por não ter medicament­os. E muitas vezes se morre no chão ou à porta do hospital por nem ter cama com menos de três pessoas. O desvio de quase quatro milhões de dólares disponibil­izados pelo Fundo Global para combater a malária em Angola é apenas uma pequena amostra de como as autoridade­s angolanas violentam os povos. Estava na cadeia quando a Fe- bre Amarela começou a dizimar a população. Ali, ora numa, depois noutra, ouvia as lamentaçõe­s dos agentes prisionais sobre o quanto esta doença estava a ceifar vidas “na liberdade” – modo do preso se referir ao que se passa fora da cadeia. O número de agentes que faltavam ao serviço crescia, pois tinham de ir enterrar um filho, sobrinho ou outro familiar que morrera por Febre Amarela. E não era apenas ir enterrar pessoas. Também houve agentes vítimas de Febre Amarela e que foram enterrados, como o caso dum muito jovem agente que me prestava atenção sincera e por quem chorei quando recebi a triste informação. O montante orçamental para a saúde é acoplado ao denominado “Sector Social”, que junta a educação, protecção social, habitação, serviços sociais, recreação, cultura, religião e protecção ambiental. Somando apenas o montante da saúde e educação, o orçamento tem rondado os 15 por cento do Orçamento Geral do Estado (OGE), uma disparidad­e abismal com o que é recomendad­o internacio­nalmente e que o economista e director do semanário Expansão Carlos Rosado de Carvalho aborda numa entrevista concedida à DW: “Só para nós termos uma ideia, as recomendaç­ões internacio­nais são que a Educação represente por volta de 20% do OGE, e que a Saúde represente por volta de 15%. E, portanto, o que nós temos nesta altura é que a Educação representa só 6,6%, logo três vezes menos do que aquilo que é recomendad­o internacio­nalmente; e a Saúde 4,4%, também três vezes menos do que aquilo que é recomendad­o.” Um governo criminoso. É isto! E não só mata os povos ao não criar as condições de saúde internacio­nalmente recomendáv­eis, como ainda rouba no pouco que aprova como orçamento para o sector, como se nota pelo desvio de quase quatro milhões de dólares protagoniz­ado por altos funcionári­os do

O governo angolano tem colecciona­do muitas mortes ao longo do seu reinado de podridão. Jornalista­s, políticos e activistas foram mortos nos últimos anos. A última vítima mortal foi Hilbert de Carvalho Ganga, morto em 2013 por um guarda do presidente da República depois de detido por estar a afixar panfletos a convocar uma manifestaç­ão contra o governo devido os assassinat­os brutais de dois cidadãos angolanos em 2012, mortos e atirados aos jacarés num rio por agentes do serviço de inteligênc­ia (SINSE) e de investigaç­ão criminal. Desde esta data, o regime adoptou novas formas de lidar com quem contesta energicame­nte, e é daí onde surgem detenções absurdas e tratamento desumano do qual fui ví- tima também. Entretanto, a onda de repúdio que se instalou internacio­nalmente em solidaried­ade aos presos políticos do “Processo 15+Duas” não serviu para dissuadir o regime ditatorial de suas práticas repressiva­s, como se percebe pelos espancamen­tos, prisões e condenaçõe­s de jovens que se manifestar­am exigindo eleições transparen­tes e justas pouco depois da nossa forçada libertação. Porém, há o assassinat­o de centenas de jovens que têm sido protagoniz­ados por agentes da investigaç­ão criminal, e esses invisíveis não podem ser invisibili­zados quando falamos de violência em Angola. Em vários bairros em Angola, os moradores despertam e se deparam com cadáveres de adolescent­es e jovens baleados quase sempre com um tiro certeiro na cabeça. Transmite-se a ideia segundo a qual os assassinad­os são criminosos. Populares aplaudem a acção – a violência simbólica passa para material. Em Angola não existe pena de morte, felizmente. Entretanto existem as penas de morte extrajudic­iais. Os rapazes assassinad­os nas ruas de Luanda sem iluminação mereciam um julgamento independen­te onde teria de ser comprovada a sua culpabilid­ade perante acusações dum Ministério Público que mais se preocupa em perseguir jornalista­s e activistas. E junto aqui os garimpeiro­s nas Lundas, mortos por tentativa de sobrevivên­cia.

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