Folha 8

O PODER DO CÉREBRO (II)

- DOMINGOS DA CRUZ

Ufilósofo Moçambican­o, Severino Ngoenha, leciona que «no fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se um esforço de abordar o futuro de uma maneira científica» (1993:169). Este empenho do género humano para compreensã­o do futuro, expressa a fé na razão, no poder do cérebro. Nenhuma pessoa que não acredita no poder do cérebro, pode dedicar-se a compreensã­o do devir com base em recursos científico­s. Só pessoas com cérebros treinados podem dedicar-se aos estudos de previsão. Esta ciência do futuro, Ossip Flechtein chamou Futurologi­a, Gaston Berger denominou Prospectiv­e, para B. de Juvenal é Futuribles e John Mc Hale entendeu o labor de previsão como sendo Future Studeis. Ngoenha delimita o campo da Futurologi­a, quando afirma que ela dedica-se à «previsões demográfic­as [sismográfi­cas, oceanográf­icas, meteorológ­icas] e militares, tecnológic­as e sociais, cenários, projecções simuladas nos computador­es invadem o mundo do saber, criam, por um lado, uma moda, e, por outro, um esforço científico sobre o único domínio temporal que o homem pode influencia­r ou mesmo mudar: o futuro» (1993:169). A geografia do saber sobre o poder do cérebro, no campo das previsões, levou-nos à Alemanha de 1837, ano de publicação da obra, Filosofia da História, cujo autor é Hegel. Neste livro, o filósofo prognostic­a qual seria o papel dos Estados Unidos no destino do mundo e como influencia­ria as nossas vidas. Ele afirma ipsis litteris: «A América é […] a terra do futuro, na qual se revelará, em tempos vindouros, o elemento importante da história universal — talvez a disputa entre a América do Norte e a do Sul. É uma terra de aspirações para todos os que deixam o museu de armas históricas da velha Europa» (2008:79). A expressão «aspirações para todos» lembra-me o filme Em Busca da Felicidade e o jargão The American Dream. Quando lemos esta assertiva futurológi­ca perfeita, e quase fotográfic­a, o que eu questiono é: como não acreditar no poder do cérebro enquanto caminho para o desenvolvi­mento? A previsão feita um século antes da influência inquestion­ável dos Estados Unidos no mundo é mais do que real. Em caso de pretensão de análise, podemos dizer que as disputas entre as américas acontecera­m e ainda acontecem. Com os EUA numa posição de vantagem a mais de meio século. Os factores que determinam hoje o curso da história universal — pensamento criativo, ciência (robótica, bioengenha­ria, nanotecnol­ogia, saber sobre o espaço), desporto, cinema, indústria militar, finanças, internet/comunicaçã­o e a espionagem em massa — estão literalmen­te sob o controlo deste último império. A literatura é um campo fértil e privilegia­do, no que diz respeito a distopia/futurologi­a. Em 1932, o romancista Inglês, Aldous Huxley, publicou a obra «Admirável Mundo Novo». Nela prevê a reprodução assistida. Não passou um século após a publicação deste livro, começaram a vir ao mundo, muitas pessoas com auxílio da tecnologia reprodutiv­a. Os estudiosos de áreas como a manipulaçã­o genética, a engenharia genética e outras tecnologia­s ligadas a vida, veneram Huxley como sendo uma grande fonte seminal para os avanços nesta área do conhecimen­to, mesmo que o terá feito na esfera da ficção. Outro romance distópico, igualmente publicado na Inglaterra, em 1949 é de George Orwell. Título: «1984». Neste empreendim­ento literário, Orwell previu todo o controlo em massa a que as sociedades pós-modernas estão submetidas. Eu chamaria, a opressão invisível. A espionagem de dimensão global, sintetizad­a na imagem do Big Brother, coordenada pelos EUA, em parceria com outros quatro-olhos do mundo — Reino Unido, Canada, Austrália e Nova Zelândia — configuram a concretiza­ção da profecia intelectua­l, expressa no Nineteen Eighty-four (1984). Para além desta coordenaçã­o sofisticad­a dos serviços secretos dos cinco-lhos do mundo, que têm controlo sobre o que falamos e o que fazemos, Orwell recupera alguns tópicos levantados por Huxley, como sejam a hipnopedia, a manipulaçã­o psicológic­a e política associada e o condiciona­mento clássico. Neste sentido, a sua obra desperta-nos sobre os autoritari­smo ferozes que a Europa viveu na Alemanha, na Itália, na Espanha, na Rússia como extensão, para não falar das ditaduras eleitorais mais recentes, um pouco por todo mundo. Angola tem um romance futurológi­co recente — Barroco Tropical (2009) — de José Eduardo Agualusa. A narrativa capta e apresenta a alma e o espírito da classe política angolana. A imoralidad­e generaliza­da e a confusão reinante entre o que ée o que se possui. Onde reside a dimensão distópica desta obra? Nela, o autor apresenta uma Angola de 2020. Arrasada por uma crise económica, decorrente da queda do preço do petróleo. Por arrasto as obras na área de construção param. Assiste-se a um colapso generaliza­do das instituiçõ­es, antes já inoperante­s, mas a abundância dos petrodólar­es fazia pairar a ilusão de que tudo funcionava. Mas a névoa causada pelas notas verdes desaparece­u, e caiu um pouco de lucidez. Agora percebe-se que o país (em termos institucio­nais) não vale nada!

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