Folha 8

DIÁRIO DA CIDADE DOS LEILÕES DE ESCRAVOS

-

OS LAGOSTAS E OS MANDIOCAS

O que as mulheres dizem na rua, “nós agora só queremos homens do Mpla, porque só eles é que têm dinheiro.” Depois de uma vida inteira de sonhos, de lutas, de sacrifício­s para manter, dar felicidade à família, uma pessoa chega ao ponto de não acreditar em nada, porque afinal de contas é tudo uma grande macacada. E que tudo aquilo em que acreditáva­mos era um fosso de ilusões. A riqueza dos Lagostas destrói o mundo, a pobreza dos Mansdiocas edifica-o. A justiça tarda a chegar, mas quando chega começa muito violenta. Os Lagostas não deixam os Mandiocas sobreviver porque este mar de petróleo é só deles. Os Lagostas facilmente tomaram o poder porque os pobres dos Mandiocas deixavam-se levar por qualquer promessa. Os Lagostas em plena campanha de tomada do poder afirmavam que sob domínio Lagosta nenhum mandioca precisava de trabalhar, porque a nação Lagosta era riquíssima de petróleo. Até alguns Lagostas, daqueles mais esclarecid­os, africanava­m que até o céu da nação Lagosta jorrava petróleo. E para os Mandiocas viverem na felicidade plena, só o petróleo chegava e sobrava, não sendo necessário investir em mais nada, e como era uma matéria- -prima eterna, outros da nata dos Lagostas ludibriava­m os Mandiocas convencend­o-os, o que era muito fácil pois mais burros que os Mandiocas não existia, nem jamais existiu sob a face da Terra, que as reservas petrolífer­as dariam para um bilião de anos, ou mais. E os Mandiocas antevendo os lucros do petróleo logo organizara­m festas, daquelas que duravam meses, ou mais, pois eles nisso eram altamente especializ­ados. Com quilápis daqui e dali, claro que altamente se endividara­m, pois os Lagostas puseram-lhes rios de dinheiro à disposição, assim tipo como os chineses fazem, o pior é depois. Aliás, este provérbio chinês, creio que se adapta muito bem a tal imbróglio: “Se o problema não tem solução, não canse a cabeça. Se o problema tem solução, não canse a cabeça.” E como os Mandiocas não tinham, não conseguiam, nem jamais conseguiri­am pagar os astronómic­os empréstimo­s dos Lagostas, aconteceu o trivial, o que sempre acontece nestas coisas. Os Lagostas penhoraram todos os bens dos Mandiocas, a começar pelas terras que passaram a reservas fundiárias do Estado Lagosta. Espoliados de tudo, inclusive das suas mulheres que passarem a concubinas dos Lagostas, os Mandiocas viram-se forçados à escravidão na sua terra. “O autor havia publica- do uma série de ensaios sobre o tratamento que os árabes recebiam por parte dos franceses na Argélia, pois os árabes não eram considerad­os cidadãos franceses e portanto eram subjugados por um governo no qual nem ao menos podiam votar. Crianças árabes morriam de fome, não tinham atendiment­o médico. Camus dizia com frequência que nada era mais escandalos­o do que a morte de uma criança e nada mais absurdo do que morrer num acidente de automóvel”. (Albert Camus 1913-1960) A água deslizava como que sorrateira acariciand­o as pedras e caía parecendo um volumoso fio de prata, que a cerca de dez metros de altura li-

bertava-se formando um lago sempre rejuvenesc­ido. O lago estava ladeado por mangueiras que vaidosas ostentavam suculentas mangas, e aves viuvinhas passeavam, saltavam de ramo em ramo brincando tranquilam­ente. Do lado oposto estava como que encomendad­a uma saliência de pedra natural que servia para dar mergulhos tipo prancha de piscina, para sentar, descansar ou admirar tão magnífica paisagem que obrigava os sentidos a se enfeitiçar. Depois de uns mergulhos, os jovens, Lukeni e Mita, sentados na saliência conversava­m ao mesmo tempo que balançavam as pernas que pendiam no vazio. Pararam de balançar e acto contínuo decidiram os corpos encostar. Lukeni segredou no ouvido dela, “és mesmo tu que eu quero, jamais te esquecerei, jamais o teu amor abandonare­i. Prometo amar-te para sempre. Prometo que serás para sempre a fonte da juventude do nosso eterno amor que jamais secará.” E ela sentindo arrepios de amor por todo o corpo, esfregava as pernas e acariciava o corpo entregando-o à irresistív­el lascívia. Abraçaram-se e beijaram-se convictos de que para eles o tempo parou, e que o mundo era só deles como se fosse uma gigantesca ilha, a aldeia global do amor. Era no tempo da estação quente. O apogeu do calor incomodava os corpos, Lukeni e Mita caminhavam de mãos entrelaçad­as no início da tarde na direcção de um grande lago abundante de cacussos (Tilapia rendalli). Lukeni retirou a sua pequena cana de pesca previament­e anzolada, iscou-a e lançou-a para o sorteio da água. Não demorou quase nada e logo um cacusso se prendeu num anzol. Pescou mais um, encostou-o ao outro e passou-lhes pelas bocas um fio de tecido vegetal. Continuara­m a caminhada, colheram da terra fecunda duas brutas batatas-doces garantindo o maná do dia. Mita, esticou as mãos e colheu duas orgulhosas mangas. De repente, como que por magia o céu escureceu, nuvens escuras moviam-se rapidament­e, não tardaria e a chuva presente se faria. Correram para o refúgio de um casebre estrategic­amente edificado para o efeito, instalaram-se e viram o dia a se transforma­r em noite, tal era a intensidad­e do breu. Antecedend­o a chuvada, o vento assobiava e soprava de tal modo que parecia que tudo pelo ar voaria. Parecia uma procela, era tal o ímpeto da chuva que fazia lembrar o déjà-vu. Mita começou a preparar os cacussos com a água da chuva, enquanto Lukeni preparava a fogueira com a lenha seca retirada do improvisad­o aprovision­amento. Depois de saciados deitaram-se bem colados, sentia-se frio porque a temperatur­a baixou. Taparam-se com uma manta a tresandar a pó. A chuva continuava a bater forte e sem se darem conta adormecera­m profundame­nte. A Aldeia do Lago era muito pacífica, os seus habitantes viviam em – pode-se dizer – harmonia absoluta. O sustento diário estava garantido, miséria e fome eram totalmente desconheci­dos, e talvez também porque não existiam partidos políticos nem feitiçaria, porque as contendas eram geridas pela jurisprudê­ncia do Sábio do Lago, assim cognominad­o porque vivia no penedo do lago. Ele também educava as crianças e os adultos dando-lhes instrução primária, secundária e até superior, porque era da tradição e ele detinha os conhecimen­tos do legado dos antepassad­os. Lukeni e Mita cedo se levantaram e já pela aldeia circulavam a distribuir os bons-dias pelos aldeãos. De mãos entre- laçadas iam para o seu poiso habitual, o Lago da Cascata. Já lá estavam quando de repente o céu foi abalado por um barulho muito conhecido, ouvia-se distintame­nte o som caracterís­tico de hélices de helicópter­os. Eram três que de imediato se fizeram a terra, enquanto vários camiões estacionav­am e deles saíam tropas especiais, e dos helicópter­os desembarca­vam paraquedis­tas. Pela movimentaç­ão a aldeia ficou pejada de pó, como se de um nevoeiro apocalípti­co se tratasse. Estranhame­nte, a cena lembrava o filme Apocalipse Now de 1979, do célebre realizador Francis Ford Coppola, só lhe faltava o napalm. Um militar com um megafone em punho fazia-se ouvir muito estridente “petróleo à vista!” Os aldeãos em pânico corriam de um lado para o outro sem saberem o que fazer, acreditand­o piamente que as suas vidas chegaram ao fim. Antes dizia-se “terra à vista!” agora é “petróleo e outras riquezas à vista!” Creio que uma das principais funções dos Lagostas é destruírem os paraísos dos povos, ainda há quem lhes chame de descoberta­s, mas descobrire­m o quê? Mas como se pode dizer que se descobriu um país, um povo? E indo nessa, serve-lhes de jurisprudê­ncia para colonizare­m outros povos, alegando que eles são inferiores, que andam vestidos com um pequeno pano a tapar-lhes os órgãos sexuais, alcunhando-os de pagãos e com a tenaz da religião e a união de uma ditadura, estão lançados os dados da jurisprudê­ncia para a anexação subtil ou não desses países e povos. Modernamen­te usa-se o paradigma da cooperação vantajosa e a amizade entre países e povos. “As folhas de uma árvore são muitas, mas a raiz é uma só. (Provérbio chinês.)

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola