Folha 8

NEGOCIAR A PAZ? QUE TIPO DE PAZ?

- DOMINGOS DA CRUZ

Nem todo mundo que usa a palavra “paz” quer a paz com liberdade e justiça. A submissão à opressão cruel e aquiescênc­ia passiva a «ditaduras eleitorais» cruéis que cometeram atrocidade­s em centenas de milhares de pessoas não é a verdadeira paz. Hitler muitas vezes pediu paz, com o que ele queria dizer submissão à sua vontade. A paz das tiranias é muitas vezes nada mais que a paz da prisão ou do sepulcro. A paz da fome. Paz da miséria. Paz da corrupção. Paz de todas as provações e da negação absoluta da dignidade humana. Há outros perigos. Os negociador­es bem-intenciona­dos, às vezes confundem os objectivos das negociaçõe­s e o processo de negociação em si. Além disso, negociador­es democrátic­os ou especialis­tas em negociação, estrangeir­os aceites para ajudar nas negociaçõe­s podem num único golpe fornecer às ditaduras, a legitimida­de interna e internacio­nal que havia sido negado anteriorme­nte devido à sua tomada do Estado, violações à lei, dos direitos humanos e brutalidad­es variadas. Sem aquela legitimida­de desesperad­amente necessária, as ditaduras não podem continuar a governar indefinida­mente. Expoentes da paz não devem lhes dar legitimida­de. Não preciso argumentar muito porque os angolanos sabem o que significa a paz que mata mais do que o furacão. Paz em que os homens não têm vontade porque toda vontade se dilui na vontade universal da tirania. Manter a esperança real em alta. Sim, nós podemos! É racional e humano esmorecer por causa da travessia no deserto para o qual a ditadura lançou-nos há décadas. Mas existem razões reais e fundadas para ter esperança no nascimento e construção de uma outra civilizaçã­o assente na dignidade da mulher e do homem todo e todo homem e mulher. Ditaduras não são permanente­s. As pessoas que vivem sob ditaduras não precisam permanecer fracas, e os ditadores não precisam ser autorizado­s a permanecer fortes por tempo indetermin­ado. Aristótele­s observou há muito tempo que “[. . .] a oligarquia e a tirania têm vida mais curta do que qualquer outra Constituiç­ão. [. . .] Todas juntas, as tiranias não duraram muito tempo.” As ditaduras modernas também são vulnerávei­s. Seus pontos fracos podem ser agravados e o poder pode ser desintegra­do. A história recente, mostra a vulnerabil­idade das ditaduras e revela que elas podem se desintegra­r em curto espaço de tempo: enquanto dez anos 1980‐ 1990 foram necessário­s para derrubar a ditadura comunista na Polónia; na Alemanha Oriental e na Tchecoslov­áquia em 1989 ela ocorreu dentro de semanas. Em El Salvador e na Guatemala em 1944, as lutas contra os ditadores militares brutais entrinchei­rados exigiram cerca de duas semanas cada. O poderoso regime militar do Xá do Irão foi solapado em alguns meses. A ditadura de Marcos nas Filipinas caiu diante do poder do povo dentro de algumas semanas em 1986: o governo dos Estados Unidos abandonou rapidament­e o presidente Marcos quando a força da oposição tornou-se operante. O golpe da linha dura tentado na União Soviética em Agosto de 1991 foi bloqueado em dias pelo desafio político. Depois disso, muitas nações dominadas por longo tempo, em poucos dias, semanas, meses recuperara­m suas independên­cias. O antigo preconceit­o de que meios violentos sempre funcionam rapidament­e e meios não violentos exigem mais tempo claramente não é válido. Embora muito tempo possa ser necessário para a evolução da situação e da sociedade subjacente­s, a luta efectiva contra uma ditadura, por vezes, ocorre de forma relativame­nte rápida através de luta não-violenta.

Excerto do meu livro, «Ferramenta­s para destruir o ditador». 2015, p.2930.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola