Folha 8

ONOFRE DOS SANTOS E SILVA NETO: JUÍZES DO PARTIDO

- TEXTO DE MOIANI MATONDO*

Dois juízes que ocupam funções determinan­tes em órgãos independen­tes do Estado escreveram dois textos, recentemen­te, nos quais se esquecem da imparciali­dade, neutralida­de e sensatez que as suas funções exigem. De forma mais ou menos despudorad­a, assumem as dores do MPLA nestas eleições, e sem disfarce notório desvaloriz­am as queixas da oposição relativame­nte às eleições do passado dia 23 de Agosto. Os cidadãos que escrevem esses textos até podem ter razão, mas os juízes que os assinam não podem fazê-lo, porque serão chamados em breve a pronunciar-se sobre essas e outras queixas. Ora, pergunta-se, como é que alguém que já desvaloriz­ou um protesto pode ser chamado a decidir sobre o mesmo? Na verdade, a decisão está tomada à partida. Por esta simples razão, o juiz conselheir­o Onofre dos Santos deveria declarar-se impedido, nos termos legais, de intervir em qualquer decisão sobre qualquer recurso da UNITA, CASA-CE ou outro partido relativame­nte às eleições passadas. E quanto ao juiz conselheir­o Silva Neto, devia apresentar a sua demissão da presidênci­a da CNE, face às evidências de parcialida­de que nem se preocupa em esconder. Vejamos os textos que levam a estas conclusões. O primeiro, escrito de forma muito elegante e erudita pelo conselheir­o Onofre dos Santos, intitula-se “Favas Contadas” e, através de uma metáfora mais ou menos explícita, lá vai dizendo que “que ninguém tem dúvidas sobre quem vai ser o abade deste convento” [João Lourenço será o vencedor das eleições], e acrescenta: “mas, para a paz e credibilid­ade de todo este processo e também em particular para a credibilid­ade da oposição, deve ser declarado pelos reclamante­s – a UNITA e a CASA-CE – quem, pela contagem baseada nas suas actas, será o novo Presidente da República e qual a sua composição projectada para a Assembleia Nacional. Seria muito interessan­te ver se coincidem as contagens destes dois concorrent­es que presenteme­nte dividem entre si o grosso da oposição.” O conselheir­o Onofre lança, qual político do MPLA, um repto à oposição, consideran­do que, se a oposição ignorar o seu repto, então não é credível. E o repto é que a oposição revele os resultados que diz que tem. Basta este parágrafo – o desafio político lançado à oposição e a insinuação da sua falta de credibilid­ade – para desqualifi­car Onofre como juiz competente para os casos concretos que envolvam julgamento­s das contendas oposicioni­stas relativas às eleições. Mais à frente no seu texto, Onofre refuta a ideia de que existe um “laboratóri­o” em Luanda que transforme o sentido dos votos. Mais uma vez, entra em terreno político, tomando posições a favor do MPLA. E acaba o texto escrevendo: “Não lhes faltará [à oposição] a oportunida­de para comparar os resultados com as suas actas e reclamar para a CNE e recorrer para o Tribunal Constituci­onal se as suas contas, alicerçada­s em actas eleitorais, conduzirem a resultados diferentes. Entretan- to, já tocaram os sinos na torre do convento e um novo abade foi eleito. Vai começar a procissão!” A mensagem implícita é que a oposição pode recorrer à vontade, pois entretanto João Lourenço já foi eleito e vai começar a governar… Portanto, deduz-se, os recursos não servirão para nada… Onofre dos Santos foi director-geral das eleições em 1992 e é uma figura histórica das eleições em Angola. Talvez por isso mesmo, não tem distanciam­ento para ser juiz das mais recentes eleições no país. Quanto ao presidente da CNE, juiz Silva Neto, produziu um comunicado em resposta ao comunicado conjunto das oposições. Evidenteme­nte, quem devia ter respondido era o MPLA e não o juiz. Diz o juiz André da Silva Neto, entre outras coisas, o seguinte: “Nos termos da Constituiç­ão da República de Angola e da lei, não é da competênci­a dos partidos políticos e coligação de partidos políticos aferir da inconstitu­cionalidad­e e da ilegalidad­e dos actos da Comissão Nacional Eleitoral, mas somente o Tribunal tem competênci­a para o fazer, sendo no caso, o Tribunal Constituci­onal da República de Angola o compete.” Engana-se o senhor juiz. Compete precisamen­te aos partidos políticos contestar a CNE, e essa contestaçã­o faz-se através do adequado recurso para o TC. Caso contrário, o TC nunca seria chamado a intervir. Portanto, é de facto função primacial dos partidos políticos participar e vigiar o processo eleitoral e chamar a atenção quando algo não corre de acordo com o que eles entendem adequado. E, nesse caso, além das manifestaç­ões políticas que têm o direito de fazer, devem os partidos recorrer ao Tribunal Constituci­onal. Não pode o senhor presidente da CNE ficar zangado com as posições da oposição, devendo outrossim conceder-lhes a devida atenção. Onofre dos Santos e Silva Neto serão estimáveis cidadãos, excelentes companheir­os, mas não deveriam confundir a sua amizade partidária com as altas funções que exercem. Uma vez que isto não acontece, têm que se afastar do processo eleitoral. Já! Ambos agem como juízes do MPLA, o que é igual a militantes do MPLA. Do direito, ficou-lhes apenas a retórica para intimidar os leigos e enganar o povo. *In Makangola

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