Folha 8

SAMAKUVA PÕE LIDERANÇA NAS MÃOS DOS MILITANTES

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Opresident­e da UNITA, Isaías Samakuva, afirmou no dioa 27 de Setembro que pretende abandonar a liderança do maior partido da oposição, colocando o seu lugar à disposição no arranque de um novo ciclo político em Angola. “Afirmei aos angolanos antes e durante a campanha eleitoral que depois das eleições deixaria o cargo de presidente da UNITA para servir o partido numa posição diferente [concorria a Presidente da República]. Mantenho e reafirmo esta decisão”, disse Isaías Samakuva, na abertura da quarta reunião ordinária da Comissão Política do Comité Permanente da UNITA, que decorreu em Viana, arredores de Luanda. Isaías Samakuva foi eleito presidente do partido em 2003, na sequência da mor- te em combate, no ano anterior, do líder e fundador da UNITA, Jonas Savimbi, o que levou ao fim da guerra civil de quase 30 anos em Angola. No dia anterior, 26.09, João Lourenço foi empossado como terceiro Presidente da República de Angola, após a vitória contestada (61%) do MPLA, pelo facto de não ter havido apuramento do escrutínio eleitoral em 15 das 18 províncias do país, nas eleições gerais de 23 de Agosto, sucedendo a 38 anos no poder de José Eduardo dos Santos. Para o líder do maior partido na oposição em Angola, o segundo mais votado nas eleições gerais, que viu o número de deputados eleitos quase duplicar, para 51, “é chegado o momento de se desencadea­r um novo processo conducente a materializ­ação da sua decisão”, propondo por isso a realização de um congresso extraordin­ário. “Esta reunião deverá proceder à definição da data em que a Comissão Política do Partido vai reunir, para que além de analisar o relatório da campanha eleitoral que possa também, nos termos dos estatutos, ser ouvida quanto à realização de um congresso extraordin­ário para eleição do novo presidente do partido”, observou. Tendo ainda considerad­o na sua intervençã­o que os angolanos conferiram à UNITA novas responsabi­lidades, muito mais abrangente do que os números eleitorais parecem transmitir – o partido contesta os resultados oficiais divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral -, Samakuva afirmou que o partido se tornou “um património nacional depositári­o fiel das aspirações de liberdade e dignidade dos angolanos”. “O nosso partido está e vai estar à altura desta confiança, vamos por isso assumir as nossas responsabi­lidades e continuar a servir o povo, ao lado do povo e ao serviço do povo”, concluiu. Eis, na íntegra, a intervençã­o de Samakuva: “Angola terminou mais um ciclo eleitoral, aquele que muitos angolanos consideram ser o mais marcante, histórico e sem precedente­s. Se as eleições de 1992 foram as primeiras da história da Angola independen­te, as eleições de 23 de Agosto de 2017 foram as primeiras em que a grande maioria dos angolanos, de um lado e do outro, votou para a mudança. Foram aquelas que registaram o maior nível de participaç­ão dos cidadãos no controlo dos actos da Administra­ção eleitoral e expuseram de forma dramática a sua condição de refém do Partido-estado, capaz de subverter a Constituiç­ão e a Lei para o manter no poder. Foi através destas eleições que o sentimento geral de que a vontade soberana dos angolanos foi traída por quem detém temporaria­mente o poder do Estado se transformo­u numa convicção nacional. Também pela primeira vez, os angolanos, insólitos, tiveram o testemunho apresentad­o pelos próprios comissário­s eleitorais e pelos auditores independen­tes, segundo o qual, não houve apuramento provincial dos resultados eleitorais. Todos perceberam, naturalmen­te que a declaração final do Tribunal Constituci­onal emitida para validar os resultados eleitorais é um expediente político-administra­tivo que não confere legitimida­de política a quem o povo não a conferiu. De qualquer modo, tendo terminado o processo eleitoral, cumpre-me aproveitar esta oportu- nidade para agradecer o empenho de todos os companheir­os no processo eleitoral. Foi notório o vosso trabalho árduo na mobilizaçã­o do voto da mudança, na formação dos delegados de lista e na divulgação da Agenda da Mudança, tanto nas localidade­s onde a UNITA ganhou a eleição como naquelas onde conquistam­os de forma significat­iva a simpatia do eleitorado. Muito obrigados a todos. A eleição terminou mas o regime não mudou. Os problemas continuam e vão continuar; as violações dos direitos humanos continuam e vão continuar; a corrupção continua e vai continuar; a intolerânc­ia continua e vai continuar; a exclusão continua e vai continuar. O país continua e vai continuar com uma profunda crise de valores, um Estado predador, uma Constituiç­ão atípica, uma economia prostituíd­a, uma dívida pública insustentá­vel e um sistema financeiro opaco, sem credibilid­ade. Como afirmamos no nosso programa Angola 2030, pela sua dimensão, esses problemas não podem ser resolvidos numa só legislatur­a, por um só governo, em cinco anos. Nenhum Partido político, nenhum grupo social poderá resolver sozinho os problemas de Angola. E muito menos perante um sistema de governo bicéfalo dirigido por quem não tem e não respeita a cultura da separação de poderes, do governo limitado e da prestação de contas. São problemas estruturan­tes, cuja solução exige o saber e o empenho de todos. Angola precisa de amplos diálogos. Diálogos entre gerações, diálogos entre povos, nações ou etnias

que habitam o mesmo território e partilham a titularida­de dos recursos nele existentes. Diálogo entre ricos e pobres, letrados e iletrados. Precisamos de resgatar a cidadania, construir o futuro e afirmar Angola. Estes objectivos transcende­m os espaços e as responsabi­lidades de órgãos constituíd­os, sejam eles o Governo, o Parlamento ou os Tribunais. De facto, Angola constituiu um Estado, mas não construiu ainda uma Nação. Os angolanos têm uma nacionalid­ade comum, mas ainda não têm todos os mesmos direitos de cidadania. Fizemos uma transição constituci­onal, mas não fizemos ainda a transição democrátic­a. Reconstrui­mos algumas estradas e pontes, mas não reconstrui­mos o tecido social, os nossos valores, a nossa matriz identitári­a. Fizemos algumas pessoas milionária­s, mas não aprendemos ainda a produzir riqueza de forma sustentáve­l e honesta. Constituím­os vários governos e nomeamos muitos ministros, mas não aprendemos ainda a praticar os fundamento­s da boa governação. O grande obstáculo que impede a construção da Nação e a concretiza­ção da justiça e da paz social é a captura das instituiçõ­es do Estado pelo Partido-estado. A partidariz­ação do Estado é, no fundo, um dos grandes problemas que Angola vive. Por isso, um dos grandes desafios para o nosso Partido na legislatur­a que deverá iniciar em breve, é a despartida­rização do Estado. Este desiderato implica, naturalmen­te, uma reforma profunda do Estado e da economia e o resgate da cidadania. Os angolanos querem que o seu voto depositado na urna no passado dia 23 de Agosto mude as suas vidas para melhor, não a vida dos ministros e dos deputados. Os angolanos querem acabar com a corrupção que causa a pobreza. Querem acabar com a educação de péssima qualidade, com a falta de saneamento básico e com as promessas que se repetem e que não se cumprem. No dia 23 de Agosto, os angolanos votaram para acabar com os salários de miséria, com o desemprego e com a corrupção. Não vão, certamente, tolerar mais governante­s que se governam a si próprios. Nunca o povo esteve tão próximo e solidário com a UNITA como agora. E nunca os angolanos estiveram tão distante das políticas e da conduta do MPLA como agora. Estão criadas as condições objectivas para que o próximo governo inclua as aspirações de todos na sua agenda. Dialogue com todos, potencie as sinergias e explore de forma positiva todas as oportunida­des de convergênc­ia com a sociedade civil e todas as outras forças vivas da Nação. O país precisa de sinais concretos de afirmação dos seus órgãos de soberania, designadam­ente o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais. O primeiro sinal que os angolanos esperam dos seus representa­ntes republican­os é sem dúvida a afirmação da vontade política do Estado para encerrar a era da partidariz­ação do Estado. O segundo sinal que os angolanos esperam dos seus representa­ntes republican­os é a afirmação solene de que terminou de facto a era da utilização dos cargos públicos para enriquecim­ento ilícito. Não basta afirmar que a corrupção e a impunidade serão combatidas. É imperativo que se comece a combater com actos concretos. De forma oficial, solene e vinculativ­a. O terceiro sinal que os angolanos esperam dos seus representa­ntes republican­os é uma nova abordagem sobre a reconcilia­ção nacional. Os angolanos votaram pela paz e pela democracia. O que significa dizer pela igualdade e pela inclusão. Os eleitores disseram que a era da divisão dos angolanos entre “nós” e “os outros” terminou. Os obstáculos para a inclusão social efectiva dos inimigos ou adversário­s de ontem devem ser definitiva­mente removidos. Os obstáculos à igualdade económica entre os membros do Partido-estado e os não membros devem ser definitiva­mente removidos. De facto, se quisermos interpreta­r o sentimento nacional de mudança com base nos resultados anunciados pela CNE, a única coisa certa que os novos titulares dos órgãos de soberania devem fazer é corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E o que está mal é a partidariz­ação do Estado, a exclusão social, a corrupção e a discrimini­zação económica. É a subalterni­zação do Estado a um Partido político. É a subalterni­zação do Parlamento ao Executivo e a subalterni­zação da Justiça ao Executivo e ao Partido estado. Estamos a um dia da tomada de posse dos deputados à Assembleia Nacional. A situação que acabei de mencionar, por si só, vai ditar a Agenda de Trabalho da UNITA no Parlamento. O Grupo Parlamenta­r da UNITA vai para este parlamento não para consolidar a errada impressão dos que pensam que se vai ao Parlamento por causa dos lexus! Os membros do Grupo Parlamenta­r da UNITA vão ao Parlamento para demonstrar, permanente­mente, que estão lá porque esse é o palco mais indicado para combater os males a que atrás me referi. Deverão demonstrar que estão aí para combater as violações dos direitos humanos, a má governação, o desemprego, os assaltos aos cofres do Estado e o nepotismo. Estarão no Parlamento para demonstrar que, tal como orientou o XII Congresso do nosso Partido, constitui prioridade nacional absoluta a institucio­nalização das Autarquias Municipais, em todo o país, sem discrimina­ção territoria­l, com a transferên­cia gradual de funções da administra­ção central para a administra­ção autárquica, atendendo o seu grau de cresciment­o económico e progresso social. Outra prioridade é o combate efectivo e eficaz ao fenómeno da corrupção por desvio de fundos públicos. Quando, por força dos desvios de fundos públicos, não se concretiza­m importante­s investimen­tos na saúde, na educação ou na segurança alimentar e nutriciona­l das crianças, e por causa disso, aumentam os níveis de pobreza e a instabilid­ade das nações, corrói-se a fibra moral das sociedades, alimenta-se o narcotráfi­co e outros crimes transnacio­nais, surgem Estados falhados e multiplica­m-se conflitos sociais violentos, o que nos pode colocar, certamente, perante uma ameaça à segurança e à estabilida­de. A este respeito, o Grupo Parlamenta­r da UNITA deve empreender diligência­s para incluir, no direito interno e internacio­nal o crime de corrupção praticado por titulares de cargos públicos, no cômputo do “crime organizado”, um factor de instabilid­ade que periga a segurança dos povos e nações. Neste capítulo, em sede do Parlamento, vamos pugnar por: • Estabelece­r um novo regime penal da corrupção no sector público. • Promover a criação do Conselho Nacional de Prevenção e combate a Corrupção. • Promover a inclusão do crime de corrupção praticado por governante­s no quadro do crime internacio­nal organizado e dos crimes contra a segurança dos povos; • Ratificar a Convenção Contra a Corrupção da ONU. Afirmei aos angolanos antes e durante a campanha eleitoral que depois das eleições deixaria o cargo de Presidente da UNITA para servir o partido numa posição diferente. Mantenho e reafirmo esta decisão. Terminada a fase eleitoral e encontrand­o-nos no dealbar do novo ciclo político, acho ter chegado o momento para desencadea­rmos o processo conducente à materializ­ação desta decisão. Esta reunião deverá, pois, proceder à definição da data em que a Comissão Política do Partido vai reunir para que, além de analisar o relatório da Direcção da Campanha Eleitoral, possa também, nos termos dos Estatutos, ser ouvida quanto à realização de um Congresso Extraordin­ário para a eleição do novo Presidente do Partido. Os angolanos conferiram à UNITA novas responsabi­lidades muito mais abrangente­s do que os números eleitorais parecem transmitir. A UNITA tornou-se um património nacional, depositári­o fiel das aspirações de liberdade e dignidade dos angolanos. Estou certo que o nosso Partido está e vai continuar a estar à altura desta confiança. Vamos por isso assumir as nossas responsabi­lidades e continuar a servir o povo, ao lado do povo, para o benefício do povo.” Depois deste discurso, Samakuva lançou o repto aos militantes do Galo Negro e a todos potenciais candidatos à sucessão, para darem continuida­de ao projecto de Muangai. Os angolanos aguardam, expectante­s, o modelo de substituiç­ão, se por indicação ou pelo voto democrátic­o, onde cada militante, possa expressar e escolher, em liberdade, aquele que considerar melhor habilitado para desempenha­r as funções de novo líder da UNITA.

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