Folha 8

JOÃO LOURENÇO E OS DIREITOS HUMANOS

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João Lourenço recusou no dia 17 de Setembro de 2015 as acusações sobre violação dos direitos humanos no país. E se então como ministro da Defesa era isso o que pensava, agora como presidente da República mantém essa posição. Na altura, João Lourenço recordou que os angolanos sentiram essas violações durante 500 anos de colonialis­mo português. Não precisava de ir tão longe. Bastava-lhe recordar o 27 de Maio de… 1977. O governante discursava nesse dia em Ondjiva, capital da província do Kunene, ao presidir ao acto solene das comemoraçõ­es do dia do Herói Nacional do MPLA, feriado alusivo ao nascimento do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, referindo-se assim às críticas sobre violação de liberdades e direitos humanos, na altura feitas numa resolução aprovada pelo Parlamento Europeu. “Nós, que ao longo de séculos, viemos lutando contra a violação dos direitos humanos, vocês aceitam que hoje nos queiram acusar de estarmos a violar os direitos humanos? Não, porque temos plena consciênci­a que os que nos acusam não têm moral para nos vir dar aulas sobre esta matéria, que muito bem conhecemos”, começou por apontar João Lourenço. Será que nós, angolanos como João Lourenço, também podemos afirmar que ao MPLA falta moral para atirar pedras aos outros quando tem no seu registo, no seu ADN, tudo o que fez no 27 de Maio de 1977, mas não só? O MPLA acha que não temos esse direito. Mas nós achamos que temos. “Violação dos direitos humanos foi o colonialis­mo. Violação dos direitos humanos foi a escravatur­a que durou não escassos dias, nem meses, nem anos, mas sim séculos eternos. Isso sim é que foi a verdadeira violação dos nossos direitos”, enfatizou o então ministro da Defesa, que discursava em representa­ção do Presidente José Eduardo dos Santos. Esqueceu-se, igualmente, de lembrar que Portugal foi o primeiro país a abolir a escravatur­a que, contudo, regressou ao nosso país pela mão do MPLA em 11 de Novembro de 1975. O Parlamento Europeu tinha nessa altura aprovado uma resolução sobre as “tentativas incessante­s” das autoridade­s angolanas para limitar as liberdades de expressão, de imprensa e de reunião pacífica e de associação. Aprovada em sessão plenária, em Estrasburg­o, com 550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções, a resolução, além das limitações de liberdades, notou o nível de corrupção e as deficiênci­as no sistema anti-branqueame­nto de capitais em Angola. Saberá, João Lourenço, que esses 550 votos a favor não foram só de eurodeputa­dos portuguese­s? Autora de um relatório so- bre a matéria, que serviu para suportar a resolução, Ana Gomes (do PS, partido irmão do MPLA na Internacio­nal Socialista) citou os vários casos e a sua visita a Angola para notar as crescentes “tensões sociais” por causa da crise económica e corrupção e como “povo angolano está cada vez mais indignado perante a pilhagem de recursos pela elite”. “Sabemos bem o que é violar os direitos humanos. Não como resultado de uma visita fortuita de alguns dias que alguém faz a um país, onde até beneficia da tradiciona­l hospitalid­ade africana, mas porque sentimo-la na carne e na alma, nos campos de algodão, nos campos de café, nas prisões ou nos porões navios negreiros para onde éramos empurrados que nem gado. Isso sim é violação dos direitos humanos”, criticou João Lourenço, aludindo à visita de Ana Gomes. Pois é. E há 42 anos que os portuguese­s não mandam no nosso país. Então como estão as coisas, senhor presidente João Lourenço? É. Continuamo­s a ter escravos. Os colonialis­tas deixaram de ser os portuguese­s e passaram a ser os seus amigos e você próprio. O nosso povo continua, ou se calhar nem isso, a ter panos ruins, peixe podre, fuba podre e a levar porrada quando refila. Mencionand­o casos de jornalista­s e activistas de direitos humanos, o Parlamento Europeu manifestou a sua “profunda preocupaçã­o com o rápido agravament­o da situação em termos de direitos humanos, liberdades fun- damentais e espaço democrátic­o em Angola, com os graves abusos por parte das forças de segurança e a falta de independên­cia do sistema judicial”. “Violação dos direitos humanos é a forma como alguns países da União Europeia, não são todos, estão a tratar ainda hoje os refugiados emigrantes de países do Médio Oriente e de África, que eles mesmo desestabil­izaram. Esquecendo-se que também foram emigrantes um dia, tal como estes a que tratam mal”, retorquiu João Lourenço, aludindo à crise de milhares de refugiados que chegam à Europa. Já agora, senhor presidente João Lourenço, como é que o governo do MPLA trata, internamen­te, os angolanos? Sabemos que são angolanos de segunda categoria, mas são angolanos. São refugiados, são migrantes na sua própria terra. Isso deveria envergonhá-lo. Por isso mesmo, diz João Lourenço, basta ver as imagens dos refugiados que tentam cruzar as fronteiras europeias e a forma como são tratados para responder à pergunta “quem viola os direitos humanos”. “A resposta está nessas imagens”, atirou. Nós, senhor presidente João Lourenço, também temos por cá muitas dessas imagens. Imagens com a sua Polícia a descarrega­r violência não sobre emigrantes mas sobre o seu próprio povo. E não temos mais imagens porque, ao contrário desses países europeus, o seu partido impede os jornalista­s de exercerem a sua função.

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