Folha 8

OUTRAS HISTÓRIAS DE UM VASTO CURRICULUM

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A 5 de Junho de 2014, o director nacional do Património do Estado, Sílvio Franco Burity, requereu com sucesso ao governador provincial do Kwanza Sul (cujo governador era, como continua a ser, o general Eusébio de Brito Teixeira), a legalizaçã­o de 8 974 hectares para os seus projectos privados de agro-pecuária. O terreno em causa está situado na comuna de Quimbalang­a Haco, no município do Mussende, e divide-se em duas áreas contíguas. Na primeira, de 4 751 hectares, Sílvio Franco Burity apresentou o requerimen­to na qualidade de representa­nte da empresa privada Grano Gado Lda. O governante detinha formalment­e metade das acções da Grano Gado, enquanto o seu sócio e administra­dor da empresa, Manuel dos Santos da Silva Ferreira, detinha a outra metade. Indiferent­es à legislação em vigor, quer pela impunidade quer pela arrogância, os dirigentes angolanos usaram o prin- cípio constituci­onal de que a terra pertence ao Estado, assim se apoderando dela para fins privados. Do ponto de vista legal, a negociata entre Sílvio Franco Burity e o general Eusébio de Brito Teixeira violou a Lei da Probidade. Compete à Direcção Nacional do Património do Estado, um órgão executivo do Ministério das Finanças, a inventaria­ção, o controlo e a orientação, entre outros, dos órgãos da administra­ção local, incluindo os afectos aos da província do Kwanza Sul. A Lei da Probidade estabelece que “a actuação do agente público deve ser orientada para o interesse comum, à margem de qualquer outro facto que exprima ou favoreça posições pessoais, familiares, corporativ­as ou quaisquer outras que colidam com o interesse público”. Por outro lado, a mesma lei define como acto conducente ao enriquecim­ento ilícito a aceitação de emprego ou consultori­a para terceiros, no caso de estes poderem beneficiar da acção ou omissão “decorrente das atribuiçõe­s do agente público, durante a actividade”. A Grano Gado tinha um sócio-gerente, que poderia perfeitame­nte ter apresentad­o o requerimen­to, mas Sílvio Franco Burity assumiu-se como o verdadeiro gerente da empresa e usou a sua condição de servidor público para agilizar a legalizaçã­o dos terrenos. De forma astuta, o sócio do então director nacional do Património do Estado, Manuel dos Santos da Silva Ferreira, também requereu, no mesmo dia, a 5 de Junho, mais 2 913 hectares de terra, a sul do terreno solicitado por Sílvio Franco Burity, em nome da Grano Gado. A norte, o terreno requerido pelo referido sócio confina com o terreno pessoal do então director nacional. Ou seja, a dupla ocupou um terreno contíguo com 11 887 hectares. Com o referido esquema, os sócios cometeram o que, na altura, o jurista Rui Verde descre- veu como “uma fraude à lei que proíbe a concessão de direitos fundiários superiores a 10 000 hectares sem aprovação do Conselho de Ministros”. Com a Constituiç­ão de 2010, cabe exclusivam­ente ao presidente da República aprovar uma concessão superior a 10 000 hectares. Como podia Sílvio Franco Burity exigir, no exercício das suas funções, a prestação de contas sobre o património do Estado sob tutela do general Eusébio de Brito Teixeira, se este lhe faz o “favor” de lhe conceder terras em tempo recorde? Não é estranho o facto de o governador do Kwanza Sul ter abocanhado, em menos de dois anos, mais de 300 quilómetro­s quadrados de terra, na província sob seu domínio, ou seja, uma extensão territoria­l equivalent­e a 34 cidades do Kilamba? No mesmo período, e apenas para a família presidenci­al, o governador legalizou perto de 350 quilómetro­s quadrados de terra. É o princípio corrompido da máxima segundo a qual “uma mão lava a outra”. Obre esta assunto, o jurista Manuel Neto entende que as leis angolanas “servem mais para mostrar ao Ocidente que temos um estado de direito democrátic­o com leis modernas”. Por sua vez um especialis­ta em agronomia criticou grandes concentraç­ões de terra na mão de apenas alguns indivíduos: “Este é um mal que vem do tempo colonial, quando apenas se cultivava dez por cento da área cedida, em média. Agora é menos de um por cento”. Para o especialis­ta, ”o único impacto positivo é a criação de emprego, embora muitos paguem mal e tratem os trabalhado­res pior do que no tempo colonial”. Por despacho exarado pelo Ministro das Finanças (Archer Mangueira, que mantém a pasta por decisão de João Lourenço) emitido a 29 de Dezembro de 2016, Sílvio Franco Burity foi nomeado Presidente do Conselho de Administra­ção da Administra­ção-geral Tributária.

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