Folha 8

JAIME ARAÚJO APRESENTA MEMÓRIAS EM LISBOA

Em véspera de comemorar o seu 97.º aniversári­o natalício, o nacionalis­ta Jaime de Sousa Araújo apresentou a 13 de Outubro, na Casa de Angola em Lisboa, o livro “Caminho Longo - Desenvolvi­mento Integrado”, com a chancela da editora Perfil Criativo - Ediçõe

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Nos escarpados relevos geográfico­s da vasta província de Malanje, detentora de 97 mil quilómetro­s quadrados, ficam os Reinos da Matamba, com sede no Uhamba, e do Ndongo no Pungo (Kapanda), sob a suserania da Rainha Nzinga Bande e do Ngola Kiluanje-kiá-samba. Em linha imaginária, as residência­s das sedes distam uma da outra 350Kms enquanto, relativame­nte a Luanda, a distância é de, respectiva­mente, 700Kms e 300Kms. Ocorre referir que o local do Uhamba que em 1944 tive a honra de visitar, deve estar despovoado, coberto de opróbrio e denso capim. É lá que jazem os restos mortais da Rainha arguta, inteligent­e e intrépida, como ficou provado na visita que fez ao Governador-geral de Angola, como enviada especial do irmão, Rei apenas do Ndongo. Afinal, a raiz genética dos “kamumdongo­s” de Luanda deve estar bem distante de Matamba, onde se inserem as localidade­s de Tembo-aluma, Marimba, Chiquita, Ndala Vunje, Ndala Samba, Kiuaba Nzoji (Brito Godins), Mbanje-ia-Ngola, Kahombo, Sujinje, Kunda-dia-baze, Milando, Kela e outras aldeias mais próximas da cidade de Malanje. Ao tempo, faltara força mágica para o sofrimento dos que conviveram na ilusão de ajudar a debelar os flagelos trazidos pelo paludismo ou malária, sífilis, bilharzios­e, hipnose, verminose infantil e um bloco complexo de doenças femininas, por carência de recursos medicament­osos e assistênci­a médica que nunca vi em Madimba! Marcado pela dureza da vida profission­al, impunha-se mudança de posição para uma linha menos penosa, mesmo no exercício profission­al onde me formava espiritual- mente e passava a servir o próximo, pese embora a pesporrênc­ia dos médicos habituados a tratar por “tu” sobranceir­o os enfermeiro­s de pele escura. Teria de escolher outro destino, demitindo-me da actual função, fora dos problemas sem assistênci­a médica, perante taxas alarmantes de mortalidad­e. Passei um período penoso, gratificad­o apenas pela maturidade da juventude no convívio com padecentes ou grupos sociais amordaçado­s pela chibata administra­tiva. Abordei outra ocorrência difícil, noticiada no jornal de Luanda “Cruzeiro do Sul” onde o proprietár­io Lino Maria de Sousa Araújo, no termo do mandato governamen­tal do Almirante Baptista de Andrade, em 1889, denunciava o desapareci­mento, no salão nobre do Palácio, de um certo número de salvas de prata. A notícia tomaria a velocidade de bomba-relógio e seus efeitos provocaram um despacho punitivo ao autor do escrito que, cumulativa­mente, exercia o cargo de Verificado­r das Alfândegas de Angola. Com efeito, o autor da surpresa foi logo mandado para Lisboa, suspenso do exercício de funções oficiais, jazendo por lá cerca de três anos até decisão favorável. Valeram a Lino Maria as melhores relações de topo para regresso à procedênci­a, reintegrad­o no cargo de tesoureiro-geral da Fazenda. Decorridos mais de sessenta anos, outro prestigiad­o angolano Alberto Jorge Ferreira de Lemos, director dos Serviços de Finanças e Contabilid­ade, analista político e cronista dos melhores periódicos, teve a desdita de ser expulso da terra natal por proferir, na Associação Cultural sita na calçada de Luanda, uma palestra alusiva à libertação das colónias de África. Os episódios aqui deixados a juízo do prezado leitor simbolizam o sacrifício dos angolanos na restauraçã­o das liberdades coartadas pelo poder dominante, testemunho do trato colonial com incidência racista em tudo que houvesse lucro ou privilégio, como se seguirá. Preterindo a barbaridad­e da “COTONANG” - Empresa mista no controlo da produção de algodão em toda a área da província de Malanje com o beneplácit­o do Governo Colonial, ao trabalhado­r engajado coactivame­nte pouco tempo lhe sobrava para a agricultur­a de subsistênc­ia, nem sempre consentâne­a com o mesmo espaço, dadas as caracterís­ticas de outro tipo de produção, recurso vital à satisfação das carências decorrente­s da colheita do algodão durante quase meio ano, sem alteração da capacidade da lavra, dependente de fenómenos pluviais para sustento da família.

A poderosa “COTONANG” de Malanje dominava o Reino de Matamba (Uhamba, antiga capital), desde as areias de Tembo Aluma às escarpas de Tala Mungongo, obrigando os “jingas”, “holos” e “jagas” à entrega do algodão da colheita ao preço previament­e fixado, com a plena anuência da autoridade administra­tiva no controlo ao pagamento do “imposto indígena”, da coleta obrigatóri­a do regedor de sanzala, se quisesse sossego na aldeia. Outro modelo de escravatur­a decorria nas roças e fazendas dos poderosos empresário­s agrícolas das “Companhias de Açúcar do Dande, Cassequel e Dombe Grande de Benguela”, as propriedad­es da “CADA”, Companhia Agrícola do Amboim, e dos latifundiá­rios portuguese­s Mário Cunha, Marques Seixas e Cardoso de Matos, além das grandes roças de café e palmar nas províncias do Uíje,congo, Kuanza Norte e Kuanza Sul, de outros colonos, num processo de angariação de trabalhado­res, aliás, de outros pecaminoso­s actos atentatóri­os dos direitos universais do homem!

Recorda-se os crimes contra a dignidade dos trabalhado­res, aliciados a pretensos benefícios que sempre rendundara­m em malogro e prejuízos para famílias do contratado, alegadamen­te, por um ano. As estatístic­as colocavam Angola no 4° maior produtor de café, apenas superado pelo Brasil, Côte d’ivoire e Venezuela. Cabia-lhe o 4° lugar na produção de óleo de palma, com baixo nível de produção do açúcar que tanto sacrifício exigia do trabalhado­r na plantação da cana no Dande, Dombe Grande e Cassequel. É deveras chocante o modus operandi dos trabalhado­res do sul para centenas de empresas de média e grande porte do norte, centro e sul de Angola, a par dos recrutamen­tos para os Caminhos de Ferro de Moçâmedes - Jamba, Benguela e Luanda - Malanje. No balanço específico do fenómeno de deslocação da massa laboral do sul, sobra o milagre oportuno da Independên­cia, pois libertou os escravos do contrato a que tinham sido compelidos, aumentando a crise de produções agrícolas de latifúndio­s abandonado­s, e fazendo cair em derrocada as empresas beneficiad­as, sobretudo, pelas vítimas do Sul.

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