Folha 8

BAJULAR QUEM ESTÁ NO PODER

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“Gostaria de exprimir toda a minha gratidão e o meu apreço pelo que tem sido a posição do Presidente José Eduardo dos Santos, do Governo e povo de Angola, a solidaried­ade angolana tem calado muito fundo no meu coração”, referiu António Guterres, em Outubro de 2016, mostrando que, afinal, bajular é uma questão genética em (quase) todos os socialista­s – e não só – portuguese­s. Em Março do ano passado, o Presidente José Eduardo dos Santos (que como Guterres bem sabe esteve no poder há 38 anos sem nunca ter sido nominalmen­te eleito e colocou os direitos humanos em primeiro lugar… a contar do fim) recebeu em audiência, em Luanda, o então candidato português à sucessão de Ban Ki-moon. “(…) Não queria deixar de exprimir esta grande gratidão em relação à posição angolana, que calou muito fundo no meu coração”, realçou António Guterres que agora, já eleito, tudo fará, deixará que se faça, para bajular o MPLA que continua a ser dirigido por José Eduardo dos Santos. Então pela voz do ministro dos Negócios Estrangeir­os, Georges Chikoti, Angola disse que “a eleição é muito importante para África, para a CPLP, para Angola e para a comunidade internacio­nal em geral. O engenheiro Guterres tem sido um lutador incansável pelas causas importante­s da comunidade internacio­nal, em particular dos refugiados”. Chikoti acrescento­u: “Temos a certeza que nessa qualidade (secretário-geral) ele vai olhar muito para África e para Angola em particular, queremos esperar que ele consiga promover alguns quadros importante­s do continente africano, particular­mente da lusofonia”. Aí está. Angola entra no Conselho de Direitos Humanos da ONU. E não faz por menos. Foi no Conselho de Segurança e agora no Conselho de Direitos Humanos. Parece anedota, mas não é. Enquanto candidato e por necessidad­e (voluntária e consciente) de recolher apoios, António Guterres confundiu deliberada­mente Angola com o regime, parecendo (sejamos optimistas) esquecer que, por cá, existem angolanos a morrer todos os dias, que temos um dos regimes mais corruptos do mundo e que somos o país com o maior índice mundial de mortalidad­e infantil. Foi uma questão de estratégia, dirão muitos. Terá sido. No entanto, já depois de eleito, não perdeu uma oportunida­de para engraxar o líder de um regime autocrátic­o, despótico e ditatorial. Na sua última visita a Angola, António Guterres disse que, “por Angola estar envolvida em actividade­s internacio­nais extremamen­te relevantes, vejo-me na obrigação de transmitir pessoalmen­te essa pretensão às autoridade­s angolanas”. Pois foi assim. Esteve até no Conselho de Segurança da ONU. E, pelos vistos, isso basta. O facto – repita-se todas as vezes que for preciso – de ter tido durante 38 anos um Presidente da República nunca nominalmen- te eleito, de ser um dos países mais corruptos do mundo, de ter 20 milhões de pobres, de ser o país onde morrem mais crianças… é irrelevant­e. Aliás, desde quando é que a corrupção tem a ver com os direitos humanos? Desde quando é que a mortalidad­e infantil num país tão rico tem a ver com direitos humanos? “Naturalmen­te como velho amigo deste país, senti que era meu dever, no momento em que anunciei a minha candidatur­a a secretário-geral das Nações Unidas, vir o mais depressa possível para poder transmitir essa intenção as autoridade­s angolanas”, sublinhou António Guterres. Guterres tem razão. É um velho amigo do regime. Mas confundir isso com ser amigo de Angola e dos angolanos é, mais ou menos, como confundir o piscina do Palácio Presidenci­al com o oceano Atlântico. Seja como for, confirmou-se que a bajulação continua a ser uma boa estratégia. Nesse sentido, António Guterres não se importou de continuar a considerar José Eduardo dos Santos como um ditador… bom. Ainda o vamos ver a subscrever uma petição para que Dos Santos ganhe um qualquer Prémio Nobel. António Guterres sabe que todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia e que 70% da população passa fome. Mas isso, é claro, não se enquadra nos direitos humanos. António Guterres sabe que 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos. Mas isso, é claro, não se enquadra nos direitos humanos. António Guterres sabe que no “ranking” que analisa a corrupção, An- gola está entre os primeiros, tal como sabe que a dependênci­a sócio-económica a favores, privilégio­s e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975. Mas isso, é claro, não se enquadra nos direitos humanos. António Guterres também sabe que o acesso à boa educação, aos condomínio­s, ao capital accionista dos bancos e das seguradora­s, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolífer­os, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder. Mas isso, é claro, não se enquadra nos direitos humanos. Mas também é evidente que António Guterres sabe que ser amigo de quem está no poder, mesmo que seja um ditador, vale muitos votos. Ah! Mas isso, é claro, já se enquadra nos direitos humanos. Seja como for, António Guterres não deve gozar com a nossa chipala nem fazer de todos nós uns matumbos.

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