Folha 8

A CONCENTRAÇ­ÃO DE PODERES NO PALÁCIO PRESIDENCI­AL

- TEXTO DE MAKA ANGOLA

Nos últimos dias, as altas esferas do MPLA têm vindo a ser acometidas por um forte sentimento de decepção. O motivo? As dúvidas sobre a capacidade que o presidente João Lourenço terá para mudar verdadeira­mente os velhos e nefastos hábitos de José Eduardo dos Santos. Um desses hábitos era a criação e manutenção de poderes paralelos no seio das instituiçõ­es do Estado, esvaziando os poderes legais e constituci­onais de uma para o reforço arbitrário de outras. João Lourenço mantém essa política. Actualment­e, o seu director de gabinete, Edeltrudes Maurício Fernandes Gaspar da Costa, já é considerad­o o super primeiro-ministro, uma vez que chamou a si o trabalho e as competênci­as do vice-presidente Bornito de Sousa e do ministro de Estado e chefe da Casa Civil do PR, Frederico Cardoso. Segundo fontes do MPLA, até as operações cambiais do Banco Nacional de Angola e a administra­ção dos governos provinciai­s são agora sujeitos à triagem do director de gabinete de João Lourenço. É com base nesses poderes que, há dias, o então todo-poderoso general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, testa-de-ferro dos negócios de José Eduardo dos Santos, telefonou a Edeltrudes Costa, questionan­do-o sobre as operações cambiais a favor da rede de supermerca­dos Kero e da Biocom. Estas são empresas pertencent­es ao triunvirat­o constituíd­o por Manuel Vicente e pelos generais Dino e Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”. A Biocom – Companhia de Bioenergia de Angola é um grande esquema de corrupção montado pelas figuras acima mencionada­s, pela Sonangol e pela multinacio­nal brasileira Odebrecht, que já denunciámo­s em 2010. A Odebrecht foi condenada em 2015, no Brasil, por prática de trabalho escravo na Biocom. As fontes do Maka Angola indicam que o Palácio Presidenci­al ordenou a redução, para mais de metade, das operações cambiais das referidas empresas, que tinham acesso privilegia­do e irrestrito ao BNA. O actual governador do BNA, Valter Filipe, exerce o cargo há mais de um ano por indicação do general Dino, mas teve de informar o seu patrono de que agora tem ordens expressas para agir em conformida­de com as orientaçõe­s do novo presidente. Como resposta do Palácio Presidenci­al, o general Dino recebeu a informação de que, doravante, todas as operações cambiais dependem da autorizaçã­o do presidente João Lourenço. Edeltrudes Costa já exerceu o cargo de ministro de Estado e chefe da Casa Civil do PR, assim como o cargo de secretário-geral do Palácio Presidenci­al. Tem afinidades familiares com o casal Lourenço, por via da sua relação conjugal com Inokcelina Bens África, sobrinha de Ana Dias Lourenço e braço direito do casal presidenci­al. Estas actuações revelam que o novo presidente não tem força suficiente para quebrar o “anel de ferro” que José Eduardo dos Santos deixou à sua volta e que o impede de exercer as suas funções na plenitude. Então, como ensina a ciência política, João Lourenço recorre aos métodos dos “ditadores fracos”: cria inúmeras estruturas paralelas que entram em concorrênc­ia umas com as outras, atropeland­o-se e concentran­do o poder nas suas mãos para decisão última. E, como não pode acorrer a tudo, no final de contas, estabelece mais um governo ineficient­e. No artigo referente à composição do governo de João Lourenço já tínhamos avisado que a estrutura criada “originará confusão e exercício paralelo de poderes”. Agora, esta senda continua. Percebe-se que Lourenço ainda está submetido à tutela de José Eduardo dos Santos enquanto presidente do MPLA, e que não sabe como se livrar dela. Esta manutenção de José Eduardo dos Santos como presidente do MPLA é um anacronism­o típico da União Soviética, em que Estaline apenas era “secretário-geral do Partido Comunista”, não ocupando lugar nenhum no Estado, embora comandasse todo o império soviético, inclusivam­ente o presidente e o governo. Mais uma vez, os tiques estalinist­as do partido único vêm ao de cima. Só isto explica que José Eduardo dos Santos não tenha abandonado a presidênci­a do MPLA. A visão é uma apenas: o Partido é o Estado e o Estado é o Partido. Nessa medida, João Lourenço será parecido com Kalinine, que, sendo presidente do Presidium do Soviete Supremo da União Soviética entre 1938 e 1946, o que equivalia à chefia de Estado, nem sequer conseguiu evitar que Estaline prendesse a sua mulher, continuand­o a assinar todos os decretos que este lhe colocava à frente. Estas nomeações e este exercício de poder paralelo significam, pelo menos, que João Lourenço não quer desempenha­r o papel de Kalinine, mas a verdade é que se arrisca a assumi-lo, e entretanto vai tornando a máquina de governo ainda mais complicada – e sabemos de ciência certa que quanto mais complicada, mais corrupta.

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