Folha 8

ANDULO ÚLTIMO DIA DA RESISTÊNCI­A GENTEMENTE

- LOURENÇO BENTO

Certamente, nem todos sabiam que quando o presidente José Eduardo dos Santos declarou, na abertura do V Congresso do MPLA, “fazer a guerra para acabar com a guerra”, no dia 5 de Dezembro de 1998, já as forças armadas angolanas e a polícia encontrava­m-se em progressão para o Andulo. A verdade é esta. Os primeiros choques entre as então forças residuais da UNITA e as do governo ocorreram no dia 5 de Dezembro, na zona norte do Kunhinga. Naquele mesmo dia ocorreram raídes aéreos sobre o território visado pela ofensiva das forças governamen­tais.

Eu e o Lito Dachala juntamo-nos às linhas defensivas e o que vimos na primeira BT, em matéria de danos humanos, apelava imediatame­nte às sãs consciênci­as para a paz. Infelizmen­te, quem ordenou guerra estava no palácio de Luanda. Os expostos ao risco de morte e ferimentos eram os filhos dos pobres recrutados às pressas e mal treinados. O valor da vida não estava nas contas do então presidente de Angola. A ofensiva para a conquista do Andulo durou dez meses, envolvendo forças terrestres, apoiadas pela força aérea e artilharia pesada. Enquanto decorriam as diferentes fases da ofensiva, o Andulo e a sua periferia tornaram-se num alvo militar a destruir a todo custo. Foi fustigado frequente e ferozmente pela aviação de guerra. Estou lembrado bombardeam­ento aéreo do dia 14 de Março de 1999. Que o diga o meu irmão Lino Uliengue, uma das vitimas vivas daquele acto de crueldade. Eu tinha saído do Andulo, algumas horas antes para as linhas defensivas. Soube com dó que o Andulo tinha sofrido de ataque aéreo madrugador. Entre os vários raídes lembro-me do que destruiu uma boa parte da vila e matou a viúva do Vice-presidente da UNITA, Jeremias Chitunda, a saudosa Mizé Chitekulu e as esposas e filhos dos Brigadeiro­s Amadeu e Lulú. Foi terrível. As bombas caíram sobre o bunker que tinha abrigado várias famílias. Bem, não é disso que gostaria falar hoje, o que queria mesmo é falar do 18 de outubro de 1999, quando saímos do Andulo. Eu, fazia parte da equipa que garantia as emissões da VORGAN-ANDULO, que emitia do Andulo para o Andulo e periferia. Os Coróneis Kungo, Sopite, o Mandy Ferramenta, Nela Kazoto, Geconias Samondo, Cremilde, Yola, Mangonga, Da Glória, Zé Ernesto, Kavita, Lutoki Matokisa, éramos uma equipa e tínhamos na nossa direcção o Dr. Marcial Dachala, Secretário da Informação e o Secretário Geral Lukamba Gato. Estávamos na defensiva e todo o cuidado era pouco. Fazíamos movimento, sempre cautelosos e atentos aos factores de defesa passiva. Na manhã do dia 18 fomos a nossa trincheira profission­al. Durante o noticiário­s, vieram os Sukois, todos nós corremos para os “copos”, enquanto o colega Tó Katumbela lia as noticias. Os raídes eram frequentes. Quando cessou o bombardeam­ento, saí das instalaçõe­s da VORGAN Andulo, fui ao escritório conjunto da Informação e Relações Exteriores. Enquanto me dirigia a esse escritório, ouvia metralhado­ras de BMP, na direcção da nascente do Mémbia. A artilharia inimiga parecia estar perto. A Nela e o Jornal teimavam entre si, se o que ouviam eram saidas ou quedas, se eram nossas ou do inimigo. Mas a chegada na vila de elementos que era suposto estarem na defesa do Andulo, era indicador de que o cenário operaciona­l tinha mudado drasticame­nte a favor do inimigo. Vi o General Implacável a dirigir-se ao gabinete do Dr. Savimbi e depois começou a haver movimento de veículos incomum, mas que indicava claramente uma alteração. Ao aperceber-me da entrada das FAA no Andulo, ainda tentei extrair o disco duro do computador e curiosamen­te a chave que sempre funcionou bem, naquele instante de enorme adrenalina não colaborou. As bombas caiam com cada vez maior intensidad­e. Abandonei o escritório e pús-me a correr para o prédio em que morávamos para ver se algo poderia levar. Estava já a escurecer. Os tipos tiveram sorte de chegar ao cair da tarde. O troar de canhões de longo alcan- ce era intenso. Sai para uma direcção, que de repente foi pulverizad­a por canh es de longo alcance, cujas bombas deflagrava­m chamas muito estranha. Naquele calor frenético achei a Nela Kazoto, a lutar com a sua trocha que conseguiu retirar de sua casa. “Man Lo, sou eu, não me deixa”, dizia ela. Não a deixei, caminhamos juntos e tivemos de mudar de direcção, fugindo da zona quadricula­da pela artilharia de longo alcance do inimigo. Passamos pelo matagal ao lado do aeroporto, evitando contacto com pessoas. Sentimo-nos seguros quando chegamos a Nhama. Naquela noite muitos regressara­m a cidade do Andulo, recuperar algo para enfrentar a nova realidade. Separei-me da Nela que foi em busca de sua família e eu caminhei para a zona de Chimoña, onde estavam a minha esposa e filhos havia já vários meses. Somente ao cair da tarde do dia 19 de Outubro cheguei em Chimoña, a vários quilômetro­s a norte da missão de Chikumbi. As pessoas daquela posição não sabiam de nada. POSIÇÃO (era assim que se chamavam aquelas novas aldeias criadas na mata, por pessoas idas das cidades para guardar a vida), a situação parecia normal. Contei às famílias Feka, Kapaia, Obadias e outras o que se estava a passar e que a partir daquela altura tudo podia acontecer.

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